Ficha do Proponente
Proponente
- Ana Paula de Aquino Caixeta (UNICAMP)
Minicurrículo
- Doutoranda e mestra pelo programa de pós-graduação em Multimeios do Instituto de Artes (IA) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É graduada em Cinema e Audiovisual na Universidade Estadual de Goiás (UEG). Atualmente desenvolve pesquisa dedicada aos processos de luto e comportamentos sonoros em filmes-ensaio brasileiros, com ênfase no silêncio e na voz-over ensaística.
Ficha do Trabalho
Título
- Devir-viúva: a ensaísta cinematográfica diante da perda
Formato
- Presencial
Resumo
- Esta proposta se dedica a refletir por quais vias formais e estratégias retóricas os filmes-ensaio Babenco – alguém precisa ouvir o coração e dizer: parou (Bárbara Paz, 2019) e Diário de Sintra (Paula Gaitán, 2008) configuram distintos processos de viuvez. Compreende-se que, a partir da liberdade formal e inscrição subjetiva do cinema ensaio, essas obras constituem um devir-viúva, uma experimentação fílmica do processo de luto que acolhe seu efeito transformador e fragmentário.
Resumo expandido
- O enviuvamento está longe de ser um processo unívoco, entretanto, uma imagem cristalizada e estigmatizada da viúva permanece conservada por diversos discursos, instituições e por parte da cultura ocidental, que replica o trajar preto e a reclusão melancólica (POSSAS, 2009). Desconsidera-se, portanto, as dimensões subjetivas das mulheres, suas multiplicidades e os deslocamentos necessários diante do efeito transformador da perda (BUTLER, 2003). Por tais vias tortuosas, os filmes Babenco – alguém precisa ouvir o coração e dizer: parou (Bárbara Paz, 2019) e Diário de Sintra (Paula Gaitán, 2008) propõem distintas perspectivas da viuvez.
As mortes de Hector Babenco e Glauber Rocha são pontos de partida para que Bárbara Paz e Paula Gaitán, elaborem processos de luto pela perda dos seus parceiros afetivos. Em diferentes medidas, as obras não se filiam a tons estritamente biográficos e rejeitam uma temporalidade linear, determinada por causa e efeito.
Optam, assim, por vias ensaísticas que, pela liberdade formal e inscrição subjetiva, são favoráveis aos enredamentos, incompletudes e ao que há de irrepresentável na morte de um ente querido. Partindo de tais pressupostos, questionamo-nos por quais elementos formais e estratégias retóricas as obras conformam seus próprios processos de enviuvamento.
O ensaio “pensa em fragmentos, uma vez que a própria realidade é fragmentada; ele encontra sua unidade ao buscá-la através dessas fraturas, e não ao aplainar a realidade fraturada” (ADORNO, 2003, p. 35). Em sua forma cinematográfica ele tende a acolher subjetividades dilaceradas pela perda a partir de sua multiplicidade expressiva, que propicia o manejo de distintas fontes materiais e uma fluidez reflexiva.
As obras recorrem a alguns elementos e modos de composição em comum. Como fotografias pessoais submersas em águas correntes, remetendo a uma diluição da imagem e das memórias da pessoa falecida, que se tornam cada vez mais turvas e instáveis com o passar do tempo (HALBWACHS, 1990). Há também apropriações de trechos dos filmes de Babenco e Rocha, que são retirados de seus contextos originais e passam a compor novos discursos, muitos deles dedicados a pensar a morte e o fazer cinematográfico. E, por tais percursos, os filmes não se limitam à esfera privada da perda ou a homenagear os cineastas falecidos, mas transbordam ainda para questões que são coletivas.
Paula Gaitán retorna à Sintra, onde viveu em exílio com Rocha em tempos que antecederam sua morte. Ela se inscreve subjetivamente por sua voz-over poética e pelos ires e vires reflexivos e espaciais, espalhando pelas paisagens diversos vestígios dele, a fim de reaver ou atualizar suas próprias memórias. Essa busca, contudo, realça ainda mais as ausências. Desvela-se também a viuvez da ensaísta, que se define como objeto-sombra e faz do filme palco para sua experiência lutuosa de reconhecer nos lugares e nas pessoas sua perda.
Já Bárbara Paz opta por tomar como intercessor subjetivo (TEIXEIRA, 2019) o próprio Babenco, por diversas filmagens e reflexões feitas por ele momentos antes de sua morte. Apesar disso, o filme não deixa de configurar um enviuvamento. Neste caso, o processo de luto começa antes mesmo da partida, pois a doença em seu estágio terminal também implica transformações e algumas perdas cotidianas. E a presença dela é inconteste, seja por trás das câmeras, revezando os registros trêmulos e desajustados com os cuidados hospitalares; ou pela montagem, onde ela compõe uma partida que não abandona as dores, mas se permite ficcionalizar e imaginar outros fins.
Por estas obras, acreditamos que o cinema ensaio viabiliza um devir-viúva. Compreende-se a viuvez não como uma categoria fechada, mas como um processo subjetivo que se dá a partir do reconhecimento e enunciação da morte do outro e é, iminentemente, disruptivo e fluido. Assim, o cinema ensaio possibilita uma experimentação que é formal, mas é também um experimentar as mutações de si mesma diante da ausência do outro.
Bibliografia
- ADORNO, Theodor W. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2003.
BENSE, Max. “O ensaio e sua prosa”. Revista Serrote, n. 16, p. 169-183, 2014.
BUTLER, Judith. Violence, mourning, politics. Studies in gender and sexuality, v. 4, n. 1, p. 9-37, 2003.
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo: cinema 2. São Paulo: Brasiliense, 2005.
FREUD, Sigmund. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 1990.
KRISTEVA, Julia. Sol negro: Depressão e Melancolia. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.
POSSAS, Lídia Maria Vianna. Viuvez, gênero e oralidade: recuperando os sujeitos invisíveis nos” anos de chumbo” (Brasil, 1970-1980). História Oral, v. 12, n. 1-2, 2009.
TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. “Filme-ensaio e formas de inscrição da subjetividade”. DOC On-line: Revista Digital de Cinema Documentário, n. 26, p. 25-35, 2019.