Ficha do Proponente
Proponente
- Carolina Goncalves pinto (ECA – USP)
Minicurrículo
- Doutoranda e Mestre em Meios e Processos Audiovisuais pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, com pós graduação prática em Audiovisual pelo Le Fresnoy – Tourcoing, França, extensão em prática do documentário na La Fémis e graduada em Cinema e Vídeo pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Atua como professora em cursos de cinema além de diretora e roteirista e foi assistente de direção em diversos longas metragens.
Ficha do Trabalho
Título
- Imagem de arquivo, fabulação e memória em Stories we tell
Formato
- Presencial
Resumo
- Em Stories We Tell (2013), Sarah Polley cria falsas imagens de arquivo, ao investigar seu passado familiar. A revelação sobre a natureza das imagens levanta questões sobre a obra, como resultado de realidade e invenção.
A partir do conceito de fabulação de Gilles Deleuze, nos interessa a relação articulada no corpo da obra, entre imagens e narrativas fabulares. Deleuze entende a fabulação como a passagem de um estado a outro, a descoberta de uma verdade desconhecida e que se constitui num devir.
Resumo expandido
- Em Stories We Tell (2013), Sarah Polley conduz o espectador por caminhos que serão subvertidos ao longo de sua duração, ao investigar seu passado familiar. Trata-se da busca da realizadora por seu pai biológico. O público é levado a acreditar que está diante de imagens genuínas de arquivo de sua infância, para então revelar-se que se tratam de cenas ficcionais fabricadas, com aspecto de imagens de um arquivo familiar. A informação estremece o entendimento do espectador quanto ao estatuto que dessas imagens e configura-se como um subterfúgio do filme, ao estabelecer um paralelismo com a descoberta de histórias antes desconhecidas.
Recorremos ao estudo de Christa Blümlinger em Cinéma de Seconde Main – La esthétique du remploi dans lárt du film et des nouveaux médias sobre o reemprego de imagens de arquivo na contemporaneidade, para refletir a propósito do recurso em imitar registros de arquivo. Como pontua Blümlinger, o found-footage é capaz de colocar em evidência o quanto estamos “habituados a atribuir ao cinema por analogia e pela representação da realidade, um sentido natural” (BLÜMLINGER, 2013, P. 79) Blümlinger nos lembra, a partir dos pensamentos de Walter Benjamin, que o cinema seria o meio artístico com maior potencial para reconstituir o passado, pois “a evanescência das imagens compreende uma possibilidade específica de experiência e de pensamento” (BLÜMLINGER, 2013, P. 79).
A intenção ao criar essas cenas com o aspecto de imagem de arquivo, o filme se vale da credibilidade conferida às imagens de registros, que atestam o isso foi. Essas imagens assumem outras conotações ao lançar luz sobre como o cinema é um meio que se oferece à recriação de memórias. As imagens parecem traduzir lembranças e imaginações sobre cenas que de fato ocorreram, mas que não puderam ser registradas. Dialogam diretamente com características do filme ensaístico de recorrer a processos ficcionalizantes, para elaborar outras camadas de entendimento para a obra.
Uma vez que o espectador tem conhecimento sobre a origem dessas cenas, o seu emprego na obra passa a ter outro propósito; levanta questões sobre a obra como resultado de realidade e invenção. Não estamos mais diante de um documentário convencional, mas de um filme autobiográfico ensaísta. Isso porque, não se trata apenas de utilizar a reconstrução de situações para esclarecimento ou demonstração dos dados, como vislumbramos comumente em documentários.
A partir do conceito de fabulação de Gilles Deleuze, nos interessa a relação articulada no corpo da obra, entre imagens e narrativas fabulares. Deleuze entende a fabulação como a passagem de um estado a outro e que se constitui num devir. Como pontua Deleuze, tanto o modo documental como ficcional podem ser utilizados dentro de um regime de verossimilhança com a realidade. Para o autor, o oposto da ficção não é não é o cinema do real, mas o cinema da fabulação: “A ruptura não está entre a ficção e a realidade” (DELEUZE, 1985, P. 185), mas, em um novo modo de narrativa que as afeta. A narração deixa de ser absoluta, verídica, em oposição às potências do falso, “que substitui e destrona a forma do verdadeiro.
O autor entende que as potências do falso, presentes nesse novo modo de narrativa que se instaura, enseja a revelação de uma verdade encoberta, que se revela mais verdadeira do que a que estava estabelecida. Ao trazer à luz a fabricação das imagens que buscam mimetizar registros de cenas de um passado familiar, o filme dobra-se sobre si mesmo e apresenta, a partir dessa subversão, novas balizas para a leitura desse material. Uma delas, o fato de que o filme também se assume como um lugar de fabricação. Como Deleuze coloca, quando o cinema tiver destruído qualquer modelo de verdade, atestará não sobre um cinema de verdade, mas sobre a verdade do cinema.
Bibliografia
- AUMONT, Jaques. O Olho Interminável, Cosac Naify, São Paulo, 2004
BENJAMIN, Walter. O Narrador, in Obras Escolhidas vol. 2, Rouanet, São Paulo, Brasiliense, 1996
BLÜMILINGER, Christa Cinéma de Seconde Main – La esthétique du remploi dans l’art du film et des nouveaux médias, Paris, Klincksieck, 2013
CORRIGAN, Timothy. O filme-ensaio desde Montaigne e depois de Marker, Campinas, Papirus, 2015
¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬¬DELEUZE, Gilles. L’Image Temps, Paris, Les Éditions de Minuit, 1985
LEJEUNE, Philippe. O Pacto Autobiográfico – de Rousseau à Internet, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2014
RASCAROLI, Laura. The Personal Câmera – Subjective Cinema and The Essay Film, Wallflowers, Grã Bretanha, 2009
RENOV, Michael. The Subject of Documentary, Minneapolis, University of Minnesota Press, 2004
RICOEUR, Paul. O Si-mesmo como outro, São Paulo, Martins Fontes, 2014
SARLO, Beatriz. Tempo Passado – Cultura da memória e guinada subjetiva,
Companhia das Letras, São Paulo, 2007