Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Camilla Vidal Shinoda (USP)

Minicurrículo

    Doutoranda no PPG Meios e Processos Audiovisuais da ECA/USP, na linha Cultura Audiovisual e Comunicação. Mestra (2017) na linha de Imagem, Som e Escrita; do PPG da FAC/UnB. Foi professora substituta no Instituto Federal de Brasília, no curso técnico em Áudio e Vídeo (2021). Dirigiu os curtas “Luta pela Terra” (2022), em parceria com Tiago de Aragão; “Parte do que Parte Fica” (2019) e “Não é pressa, é saudade” (2016).

Ficha do Trabalho

Título

    Cinemas de territórios: a compreensão de uma prática

Seminário

    Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas

Formato

    Presencial

Resumo

    O artigo busca compreender as possibilidades de uma prática cinematográfica que articule as poéticas do pertencimento de cineastas subalternizados a uma relação ética com a dimensão humana do território. A proposta é que o território, a sua ocupação e a luta pela terra operem como categorias analíticas no estudo do cinema. Investigaremos, assim, os primeiros modos de vínculos com a terra que povos indígenas e afrodiaspóricos estabeleceram, entendendo como isso afeta as produções fílmicas.

Resumo expandido

    O artigo busca compreender as possibilidades de uma prática cinematográfica que articule as poéticas do pertencimento de cineastas subalternizados a uma relação ética com a dimensão humana do território. Para isso, iremos propor que o território, a sua ocupação e a luta pela terra operem como categorias analíticas no campo de estudos do cinema. O conceito de Milton Santos (1999) de que o território não é apenas o chão, mas também a identidade, a dimensão humana que o ocupa irá nortear a nossa formulação.
    Proponho, portanto, a denominação cinemas de territórios a essa prática cinematográfica que envolve a luta pela terra e a produção de sentido sobre um território a partir do ponto de vista dos corpos que os ocupam. É uma denominação que abarca uma prática ampla e diversa, assim como é a luta pela terra no Brasil. Estamos falando, portanto, de cinemas indígenas, quilombolas, campesinos, cinemas feitos nas periferias urbanas, nas ocupações urbanas e rurais, e por outros habitantes de territórios tradicionais. Assim como propõe Glissant (2021), a ideia de reunir a diversidade dentro de uma prática é buscar a multiplicidade de raízes e relações com a terra que podem estar envolvidas nesses muitos fazeres cinematográficos, sem perder de vista, no entanto, que eles se contrapõem a visões hegemônicas de produção cinematográfica a partir de uma ética do território subalternizado. Aqui cabe associarmos mais um conceito de território ao de Santos (1999). O pensador indígena Ailton Krenak (2021) também entende os territórios como espaços imaginários onde formulamos “as narrativas da criação do mundo, narrativas que continuam a sustentar nossa subjetividade, nossa poética sobre a existência, em diferentes contextos” territoriais (Ibidem, p. 21). Os cinemas de territórios, portanto, não são todos iguais e nem buscam a unidade de um movimento artístico; mas têm em comum o desejo de utilizar o cinema para produzir sentido sobre o território, valorizando a sua dimensão humana.
    Para que essas categorias territoriais passem a operar como categorias analíticas no cinema, é importante compreender os primeiros vínculos com o território que os povos colonizados/subalternizados estabeleceram no Brasil, já que a luta pela terra nasce com a colonização portuguesa e essa ideia de país. Esses vínculos de origem influenciam a luta pela terra na atualidade e a maneira como os povos subalternizados podem se relacionar com o fazer cinematográfico dentro do cinema de territórios. Os povos indígenas partem de um vínculo originário e suas cosmologias se relacionam intimamente com as geografias brasileiras. O cinema de território praticado por indígenas estabelece um vínculo ancestral com o território e possui temporalidades e corporalidades muito ancoradas nesse chão. Já os povos afrodiaspóricos partem do abismo (GLISSANT, 2021) do desterro e trazem a memória e a cosmologia tatuadas no corpo que desembarca no desconhecido. O cinema de território praticado pelos povos negros negocia possibilidades de aliança com o território que o recebe por meio do seu corpo-documento (RATTS, 2006). Existem pensadores indígenas e negros com formulações de práticas cinematográficas, como o cinema de ação (KRENAK, 2021) e o QuilomboCinema (Costa, 2020). Apesar de passarem pelo território, essas formulações têm o foco nas categorias racial e étnica, enquanto que a nossa proposta traz o território, as suas relações com o tempo e com os corpos para o primeiro plano. Por isso, a presente proposta também coloca as três chaves de entendimento de um fazer cinematográfico contra hegemônico em discussão, para que possamos compreender as aproximações, os distanciamentos e as possibilidades analíticas que podem surgir do diálogo entre elas para pensar a produção de cinema nacional contemporânea feita por realizadores não-hegemônicos.

Bibliografia

    COSTA, Tatiana C. QuilomboCinema: ficções, fabulações, fissuras. Disponível em https://siteficine.wordpress.com/2021/10/07/quilombocinema-ficcoes-fabulacoes-fissuras/.
    DUARTE, D.R.; ROMERO, R.; TORRES, J. Cosmologias da imagem: cinemas de realização indígena. 1. ed. Belo Horizonte, MG: Filmes de Quintal, 2021.
    GLISSANT, Édouard. Poética da Relação. 1ª ed. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.
    KRENAK, Ailton. Instituir mitologias: audiovisual indígena, um cinema de ação. In: Cosmologias da imagem: cinemas de realização indígena. 1. ed. Belo Horizonte, MG: Filmes de Quintal, 2021.
    RATTS, Alex. Eu sou Atlântica: Sobre a Trajetória de Vida de Beatriz Nascimento. 1. ed. São Paulo: Imprensa Oficial / instituto Kuanza, 2007.
    SANTOS, Milton. O dinheiro e o território. In: GEOgraphia, v.1, n.1. Niterói, 1999, p. 7-13.
    STAM, R. A. e SHOHAT, E. Crítica da Imagem Eurocêntrica. São Paulo: Cosac Naify, 2006.