Ficha do Proponente
Proponente
- Carolina de Oliveira Silva (Unicamp)
Minicurrículo
- Carolina de Oliveira Silva é doutoranda do PPG em Multimeios da UNICAMP, mestra em Comunicação Audiovisual pela Universidade Anhembi Morumbi (UAM) e bacharel em Comunicação Social RTV (UAM). É membro do Grupo de Pesquisa GENECINE (Grupo de Estudos Sobre Gêneros Cinematográficos e Audiovisuais) e faz parte do corpo editorial da Revista Zanzalá. Atualmente, desenvolve pesquisa sobre as personagens femininas no cinema de ficção científica brasileiro, é roteirista e professora de fotografia (FPA).
Ficha do Trabalho
Título
- TOMEM SEUS LUGARES À MESA! Sobre a lesbiandade na FC brasileira
Seminário
- Estudos do insólito e do horror no audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- Este artigo pensa a lesbiandade nos filmes Bacurau (2019), Medusa (2021) e Mato seco em chamas (2022), partindo da hipótese de que tal recorte, entremeado às produções que flertam com a ficção científica, podem promover diferentes elaborações sobre a “estraga-prazeres feminista” (AHMED, 2020). Assim, utilizo autoras que dialoguem com a in/visibilidade lésbica no cinema (BRANDÃO; SOUSA, 2019) e as representações femininas na FC brasileira (GINWAY, 2005).
Resumo expandido
- Este trabalho nasceu da insatisfação diante do desenlace do filme As filhas do fogo (1978) de Walter Hugo Khouri, que flerta com as narrativas góticas e a ficção-científica, apresentando personagens femininas lésbicas que, de maneira misteriosa, são engolidas pela natureza.
No inventário proposto por Suppia (2007) sobre a FC brasileira, As filhas do fogo é um filme que se afasta do gênero, embora subsista no tratamento “cientificcionalizado” da paranormalidade. Assim, ao explorar as personagens femininas de uma perspectiva interseccional, qual seria o lugar das personagens lésbicas que não fosse um destino fatal?
A partir de tal questionamento, o paradoxo da in/visibilidade lésbica no cinema passa a fazer parte da pesquisa. Como aponta Brandão e Sousa (2019), essas imagens ora operam à margem da heteronormatividade, ora promovem uma ausência que necessita decodificação e, por tal razão, a busca por personagens lésbicas tornou-se latente em filmes que flertam com a FC, gênero por si só de difícil explanação (BETZ, 2011). Contudo, tais narrativas, se tratadas a partir da abrangência da literatura especulativa (CAUSO, 2003), podem promover diálogos com o horror e a fantasia, trazendo à tona a ideia da lésbica gótica (PALMER, 2004), que prevê figuras perturbadores, disruptivas e que rejeitam as convenções atribuídas às mulheres em meio a uma economia heterossexual.
Nessa perspectiva, a figura da lésbica gótica poderia ser atualizada para a da estraga-prazeres feministas (AHMED, 2020), tendo em vista as personagens lésbicas em filmes como: Bacurau (2019) de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, Medusa (2021) de Anita Rocha da Silveira e Mato seco em chamas (2022) de Joana Pimenta e Adirley Queirós – obras com recortes distópicos que, em diferentes futuros, angariam pessoas que lutam contra a felicidade heteronormativa, promovendo nas estraga-prazeres-lésbicas “um projeto de conhecimento, um projeto de criação de mundo” (AHMED, 2020, p. 90).
Ao reunir personagens como Domingas (Sônia Braga) – a única médica da cidade de Bacurau, Michele (Lara Tremouroux) – a líder das “Preciosas de Cristo” e Léa (Lea Alves da Silva) – a narradora da história das gasolineiras da favela do Sol Nascente (elegida para a análise) – a hipótese é de que essas mulheres, a partir do método de constelação fílmica (SOUTO, 2020), apresentam suas histórias do ponto de vista das rejeitadas, apresentando personagens complexas e potentes. Em Bacurau, uma cidade do sertão brasileiro desaparece do mapa e a defesa do inimigo deve ser feita pela população, nesse contexto a médica auxilia a população ao mesmo tempo em que sofre com o alcoolismo. Em Medusa, a perseguição contra mulheres não-religiosas é liderada por uma jovem devota que, ao descobrir o amor pela melhor amiga e sofrer com a violência masculina, passa a buscar sua liberdade. Em Mato seco em chamas, a cidade é governada por um grupo de mulheres, dentre elas, uma prisioneira que se tornará heroína do povo. Tais mulheres não apenas apresentam as instâncias da vida lésbica, mas questionam “o que o cinema pode fazer a partir da figura lésbica” (BRANDÃO; SOUZA, 2019, p. 279).
Se em um primeiro momento contabilizamos a presença lésbica nas distopias brasileiras, em seguida analisamos suas trajetórias. As personagens ocupam seus lugares na grande mesa da FC, contudo, como estranhas, alienígenas e dissidentes, essas mulheres existem para desestabilizar a ordem dos que estão nela reunidos. As três ameaçam não só a perda de seus próprios assentos à mesa, mas o prazer de quem está sentado: Domingas é uma mulher sem família de sangue, Michele rejeita o matrimônio tão sonhado e Léa retorna da prisão mais uma vez. Para além das ambiguidades asseguradas pelas representações de mãe e meretriz (GINWAY, 2005) e ao considerar outros marcadores de diferença como a sexualidade e a classe, a categoria de mulher lésbica abrirá, portanto, outras possibilidades de existência para os mundos imaginados pela FC.
Bibliografia
- AHMED, S. Estraga-prazeres feministas (e outras sujeitas voluntariosas). Eco-Pós, v. 23, n. 3, p.82-102, 2020.
BETZ, P. M. The Lesbian Fantastic: A Critical Study of Science Fiction, Fantasy, Paranormal and Gothic Writings. North Carolina: McFarland & Company, 2011.
BRANDÃO, A. S.; SOUSA, R. L. de. A in/visibilidade lésbica no cinema. In: HOLANDA, Karla (org.). Mulheres de cinema. Rio de Janeiro: Numa, 2019.
CAUSO, R. de S. Ficção Científica, Fantasia e Horror no Brasil (1875 a 1950). Belo Horizonte: UFMG, 2003.
GINWAY, E. M. Ficção científica brasileira. São Paulo: Devir, 2005.
PAULMER, P. Lesbian Gothic: Genre, Tranformation, Transgression. Gothic Studies, vol.6, p.118-130, 2004.
SOUTO, M. Constelações fílmicas: um método comparatista no cinema. Galáxia, n. 45, set-dez, p.153-165, 2020.
SUPPIA, A. L. P. de O. Limite de Alerta! FC em atmosfera rarefeita – Uma introdução ao estudo de FC no cinema brasileiro e em algumas cinematografias off-Hollywood. Tese de Doutorado, Unicamp, 2007.