Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Maria Neli Costa Neves (UNICAMP)

Minicurrículo

    Doutora em Multimeios- UNICAMP, mestre em Ciência da Arte -Universidade Federal Fluminense (UFF), bacharel em Comunicação Social (cinema, jornalismo) pela UFF. Curta-metragista, editora cinematográfica, continuísta, com diversos trabalhos no cinema e na televisão.

Ficha do Trabalho

Título

    Cinema Negro e questões da “branquitude” brasileira

Formato

    Presencial

Resumo

    Com base em Lia Schucman, Maria Aparecida Bento, Robert Stam e Ella Shohat, o intuito dessa comunicação é refletir sobre o filme M-8, quando a morte socorre a vida (2019), de Jeferson De, dando destaque à posição dos personagens afrodescendentes diante da negação dos “negros em espaços de poder”, da “exclusão moral, afetiva, econômica e política” (SCHUCMAN, 2020, p. 71), além de sua luta cotidiana para ganhar visibilidade e voz.

Resumo expandido

    O intuito dessa comunicação é refletir sobre algumas representações do filme M-8, quando a morte socorre a vida (2019), de Jeferson De, diretor cinematográfico que tem construído sua trajetória com produções que destacam narrativas referentes à população afrodescendente. Suas realizações se inserem dentro do que é nomeado “Cinema Negro” que, de acordo com o pesquisador e cineasta Joel Zito Araújo, é “feito […], produzido e dirigido por negros” e com histórias “que o negro” protagoniza (RODRIGUES, apud MATOS, 2022, p. 102).
    No caso de M-8, quando a morte socorre a vida, o longa-metragem conta a história de Maurício, um jovem afrodescendente, morador do subúrbio carioca, que cursa o primeiro ano de faculdade de medicina em uma universidade do Rio de Janeiro. No filme, o personagem é acompanhado nos espaços universitários, em sua casa e nas ruas, onde se evidencia a relação dele com as pessoas do seu entorno, seja nas conversas com sua mãe, com as figuras da comunidade afrodescendente do bairro onde mora e no terreiro de umbanda.
    Ao longo do filme vão sendo reveladas as diferenças entre as vivências de Maurício e as de seus colegas universitários em espaços sociais cariocas. São mostradas também as atitudes discriminatórias enfrentadas pelo jovem no cotidiano. Exemplificando: Na escola, no “Laboratório de anatomia” ele, que aparece como único afrodescendente numa sala onde professor e alunos são brancos, isto é, indivíduos com “pele clara, feições europeias, cabelo liso” (SOVIK, apud SHUCKMAN, 2020, p. 60) – é interpelado de maneira preconceituosa por um colega; na saída da faculdade, os estudantes se encaminham para seus carros importados, Maurício entra no ônibus público; um companheiro de sala de aula é assíduo em se dirigir ao rapaz com palavras que insinuam não haver um pertencimento de Maurício a aquele espaço, que ele estaria fora de seu devido lugar. São diversas as cenas do longa-metragem a exporem da existência de uma hierarquia de cor que mantém privilégios e poder nas mãos de determinada categoria de pessoas e que normaliza para um afrodescendente os impedimentos e as agressões.
    Diz a pesquisadora Lia Vainer Schucman, numa menção à Maria Aparecida Bento (2002):
    Os brancos em nossa sociedade agem por um mecanismo que ela [Bento] denomina de “pacto narcisístico”, alianças inconsistentes, intergrupais, caracterizadas pela ambiguidade e, no tocante ao racismo, pela negação do problema, pelo silenciamento, pela interdição de negros em espaços de poder, pelo permanente esforço de exclusão moral, afetiva, econômica e política do negro, no universo social (SCHUCMAN, 2020, p.70-71).
    O personagem de Maurício é apresentado no filme como alguém ativo, questionador. Outros integrantes da comunidade afro-brasileira surgem como seres solidários a seus iguais, compondo uma espécie de “identidade coletiva” que, conforme Schucman, é sempre relacional e contingente, mas que “faz-se necessária como defesa de um grupo ou de uma coletividade” (SCHUCMAN, 2020, p. 93).
    Se o filme cria “imagens positivas” dos afro-brasileiros, também é perceptível sua disposição em oferecer, usando os termos de Robert Stam e Ella Shohat, “perspectivas críticas” desse coletivo (STAM, SHOHAT, 2022, p. 251), além de evidenciar os privilégios e as facilidades que se colocam para os que ocupam uma posição de “branquitude” na nossa sociedade, ou seja, para aqueles que têm “acesso a recursos materiais e simbólicos” provindos do “colonialismo e imperialismo”, mas que “são preservados na contemporaneidade” (SCHUCMAN, 2020, p. 61).
    Portanto, tendo como base os estudos de Lia V.Schucman, Maria Aparecida Bento, Ella Shohat e Robert Stam, essa comunicação se objetiva a pensar sobre a contribuição do filme M-8, quando a morte socorre a vida, ao marcar a posição do cinema Negro e seus personagens numa sociedade em que os valores de desigualdade e segregação étnico-racial ainda predominam.

Bibliografia

    BENTO, Cida. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras. 2022.
    CARVALHO, Noel dos Santos; DOMINGUES, Petrônio. Dogma Feijoada: A invenção do cinema negro brasileiro. Revista de Ciências Sociais. Vol. 33, no.96 (2018), p.1-18.
    Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092018000100506
    SCHUCMAN, Lia Vainer. Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: branquitude, hierarquia e poder na cidade de São Paulo. São Paulo: Editora Veneta. 2020.
    STAM, Robert; SHOHAT, Ella. Estereótipo e representação racial. In CARVALHO, Noel dos Santos. (Org). Cinema Negro Brasileiro. Campinas: Papirus Editora. 2022.
    MATOS, Cristina. Em tela, o ponto de vista negro. In CARVALHO, Noel dos Santos. (Org). Cinema Negro Brasileiro. Campinas: Papirus Editora. 2022.