Ficha do Proponente
Proponente
- Tiago José Lemos Monteiro (IFRJ)
Minicurrículo
- Tiago Monteiro é Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Professor do Bacharelado em Produção Cultural e da Pós-Graduação Lato Sensu em Linguagens Artísticas, Cultura e Educação do Instituto Federal do Rio de Janeiro, onde é responsável pelo Núcleo de Criação Audiovisual. Desenvolve pesquisas em torno do Insólito audiovisual em suas múltiplas manifestações, com ênfase no horror artístico, no exploitation brasileiro e ibero-americano, e demais cinematografias de bordas.
Ficha do Trabalho
Título
- Um Italiano Perdido no Vale dos Dinossauros do Cinema Brasileiro
Seminário
- Estudos do insólito e do horror no audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- Perdidos no vale dos dinossauros é um filme italo-brasileiro de 1985, que intersecciona características do infame filão canibal com aspectos aventurescos, farsescos e eróticos. Rodado em terras brasileiras e contando com técnicos e elenco majoritariamente local, a obra é resultado de um contexto de produção no qual dinâmicas assimétricas de co-produção internacional ensejavam filmes perpassados por distorções, estereótipos e perspectivas ambivalentes sobre os corpos e paisagens em evidência.
Resumo expandido
- Entre a primeira metade dos anos 1970 e meados da década seguinte, o cinema italiano popular-massivo de gênero produziu uma enxurrada de títulos que tematizavam o mito do canibal, segundo uma lógica de exploração de filões bastante característica do contexto audiovisual europeu de então. Tendo por antecedentes estilísticos os documentários mondo que proliferaram a partir de 1963, em sua configuração clássica o filão canibal é inaugurado por Man From Deep River (Umberto Lenzi, 1972), sendo seguido por títulos como Mountain of The Cannibal God (1978), de Sergio Martino; Last Cannibal World (1977), Cannibal Holocaust (1980) e Cut and Run (1985), todos de Ruggero Deodato; Eaten Alive! (1980) e Cannibal Ferox (1981), também de Lenzi; dentre outros. The green inferno, realizado por Antonio Climati em 1987, é considerado o canto do cisne do filão, que chegou a se interseccionar com outros universos do exploitation – como em Emanuelle and the last cannibals (Joe D’Amato, 1977) – e a ter expoentes fora do contexto de produção europeu (Primitifs, produção indonésia de 1980).
Muitos destes filmes eram viabilizados por acordos de co-produção que se utilizavam de locações no sudeste asiático ou na América do Sul como forma de conferir alguma verossimilhança às regiões selvagens habitadas por devoradores de carne humana. A relação estabelecida entre as produtoras europeias e tais territórios estava longe de ser simétrica, frequentemente se beneficiando de incentivos fiscais locais e ensejando práticas trabalhistas potencialmente predatórias.
Perdido no vale dos dinossauros, originalmente intitulado Nudo e selvaggio e também conhecido como Massacre in the dinossaur valley, é um longa-metragem de 1985 dirigido por Michele Massimo Tarantini que sumariza diversos aspectos característicos do modelo de produção supracitado. Como é de praxe no contexto de onde provém, Tarantini é um realizador cujo extenso currículo transita por diversos gêneros, da comédia erótica ao thriller policial, passando pelo sword & sorcery e pelo subgênero do women in prison – caso de Fêmeas em fuga, de 1984 e também rodado no Brasil (onde se encontra radicado até os dias de hoje). O roteiro aborda as desventuras de um heterogêneo grupo de viajantes, composto por um paleontólogo à procura de ossos de dinossauro, um veterano de guerra com delírios de perseguição e algumas modelos fotográficas, que se vê às voltas com diversas ameaças (do ataque de índios canibais à perseguição de um líder garimpeiro) depois que seu avião sofre uma pane e cai em território selvagem.
O filme possui sequências rodadas entre o Norte Fluminense e a região dos Lagos no interior do Rio de Janeiro, bem como na Floresta da Tijuca (que, na trama, faz as vezes de selva amazônica). Na equipe técnica da obra, a presença de diversos profissionais brasileiros, como Tânia Lamarca na Assistência de Direção; Chris Rodrigues na produção executiva; e Vera Bungarten como Fotógrafa Still. Já o elenco conta com nomes representativos do audiovisual brasileiro de então, como Suzane Carvalho, Joffre Soares, Marta Anderson, Carlos Imperial e Milton Morais, muitos deles ostentando nomes americanizados nos créditos, como forma de ampliar o suposto caráter “universal” do filme – o próprio Tarantini adotava o pseudônimo de Michael E. Lemick em muitos filmes que assinou.
A despeito da ausência de dinossauros, e do massacre anunciado no título permanecer apenas como uma promessa, a obra hoje desfruta do status de cult junto ao circuito do horror – sobretudo após recente relançamento internacional em Blu-Ray pela distribuidora Severin. Um dos desdobramentos da reflexão ensejada por esta pesquisa é a elaboração de um vídeo-ensaio, concebido pelo discente da Especialização em Linguagens Artísticas, Cultura e Educação do IFRJ, Leonardo Saleh, e que tem por objetivo o resgate dos vestígios deixados pela produção da obra no território onde foi rodado, bem como na historiografia do audiovisual brasileiro popular-massivo.
Bibliografia
- BROWN, Jennifer. Cannibalism in literature and film. London: Palgrave McMillan, 2013.
CURTI, Roberto & LA SELVA, Tommaso. 2003. Sex and violence: percorsi nel cinema estremo. Torino: Lindau, 2003.
GOODALL, Mark. Sweet and savage: the world through the mondo films lens. London: Headpress, 2017.
OLNEY, Ian. Euro horror: classic european horror cinema in contemporary American culture. Indiana: Indiana University Press, 2013.
PIEDADE, Lúcio F. Reis. A cultura do lixo: horror, sexo e exploração no cinema. Dissertação (Mestrado em Multimeios) – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, 2002. 150p.
SCHUTT, Bill. Eat me: a natural and unnatural history of cannibalism. London: Wellcome Collection, 2017.