Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Zuleika de Paula Bueno (UEM)

Minicurrículo

    Graduação em Ciências Sociais, Mestrado em Sociologia e Doutorado em Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas (1997). Docente na Graduação e no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá. Autora de Leia o livro, veja o filme, compre o disco: a formação do cinema juvenil brasileiro (Eduem, 2016).

Ficha do Trabalho

Título

    O insólito como tradição na produção audiovisual para crianças

Seminário

    Estudos do insólito e do horror no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    O objetivo desta comunicação é discutir a profunda articulação existente entre o insólito ficcional e a produção audiovisual para crianças. Para isto, três produções seriadas televisivas, realizadas no Brasil em três momentos históricos distintos, são tomadas como objetos de análise: Sítio do Pica Pau Amarelo (em sua versão produzida entre as décadas de 1970 e 1980), Castelo Rá-Tim-Bum e Detetives do Prédio Azul.

Resumo expandido

    Sítio do Pica Pau Amarelo, Castelo Rá-Tim-Bum e Detetives do Prédio Azul: três produções audiovisuais direcionadas para a audiência infantil e realizadas em diferentes momentos históricos no Brasil. A primeira delas, uma série televisiva produzida entre as décadas de 1970 e 1980 (considerando apenas uma de suas diversas versões) baseada numa prestigiada série de livros infantis escritos entre os anos de 1920 e 1940. A segunda, uma obra originalmente escrita para a TV pública como um programa educativo para crianças, realizada e exibida em meados da década de 1990. A terceira, uma longeva série ficcional direcionada para o público infantil, produzida e exibida pela televisão paga, num canal totalmente dedicado à programação para crianças. Diversas em suas propostas, orçamentos e estilos, uma característica atravessa todas elas: o insólito ficcional.
    O insólito aqui é compreendido como um conjunto de elementos, personagens ou ações que aparecem na narrativa como potencialmente mágicos, inusitados, estranhos ou sobrenaturais, inseridos numa ambiência próxima àquela que o espectador (neste caso específico, o espectador infantil) teria familiaridade na vida real e cotidiana (GARCIA, 2007; GREGORIN FILHO, 2011). Assim, um sítio do interior é habitado tanto por uma boneca falante, uma espiga de milho intelectual, erudita e antropomórfica, uma bruxa cabeluda com corpo de jacaré, quanto por uma avó que gosta de contar histórias e seus dois netos, crianças inteligentes e espertas como quaisquer outras. Um castelo encrustado no meio de uma grande cidade tem como residentes uma feiticeira de 6000 anos, um feiticeiro inventor e um garoto de 300 anos de idade que recebem a visita frequente de três crianças comuns da vizinhança. Um edifício antigo é moradia de uma bruxa experiente, uma jovem bruxa aprendiz e dois garotos e uma menina muito curiosos a respeito dos diversos eventos misteriosos que acontecem no prédio.
    No Sítio, no Castelo e no Prédio Azul, o incrível, o inusitado e o surpreendente coabitam com o usual e o ordinário. As aventuras se desenrolam na interação do dia-a-dia das personagens insólitas e não insólitas. O cotidiano guarda enigmas a serem desvendados pelas crianças comuns. O jogo estabelecido entre o usual e o inusitado, entre o conhecido e o desconhecido, organiza a forma estética-narrativa das três produções discutidas. O insólito ficcional, portanto, é o componente que permite traçar uma análise que conecta as séries entre si, bem como delas com outras produções televisivas, cinematográficas e literárias. Mais ainda, ele é um elemento que permite pensar o diálogo das séries com os espectadores aos quais se dirigem preferencialmente, ou seja, o público infantil.
    Deste modo, o insólito ficcional é discutido neste estudo como uma tradição na produção audiovisual para crianças. A noção de tradição fundamenta-se numa perspectiva ancorada nos estudos culturais, sobretudo aqueles desenvolvidos por autores latino-americanos (MARTÍN-BARBERO, 1997). Por tradição entende-se uma matriz narrativa, cultural e histórica que se desenvolve como parte da cultura midiática, mas que mantém fortes vínculos e mediações com a literatura ou a oralidade. Olhar para o insólito como tradição na produção audiovisual infantil, permite percebê-lo como um elemento profundamente entrelaçado à própria concepção que realizadores e público têm do que seriam as narrativas e os produtos culturais destinados às crianças.
    A produção audiovisual infantil tem sido objeto de bons estudos, boas análises e boas teses acadêmicas (CAPELAS, 2019; MELO, 2011), contudo ainda é um objeto, ele próprio, um tanto conhecido e desconhecido, um pouco insólito, que ainda guarda diversos mistérios a serem investigados por olhares atentos e curiosos (de adultos e crianças).

Bibliografia

    CAPELAS, Bruno. Raios e trovões: a história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum. São Paulo: Summus, 2019.
    GARCIA, Flávio. O “insólito” na narrativa ficcional: a questão e os conceitos na teoria dos gêneros literários. In: GARCIA, Flavio (org). A banalização do insólito: questões de gênero literário – mecanismos de construção narrativa. Rio de Janeiro: Dialogarts, 2007, p.11-23.
    GREGORIN FILHO, José Nicolau. O insólito na literatura infantil da contemporaneidade: aspectos psicoculturais envolvidos na recepção de textos. In: GARCIA, Flávio; MICHELLI, Regina; PINTO, Marcelo (orgs). O insólito e a literatura infanto-juvenil (Conferências). Rio de Janeiro: Dialogarts, 2011, p. 23-36.
    MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 1997.
    MELO, João Batista. Lanterna mágica: infância e cinema infantil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.