Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    João Vitor Resende Leal (Unicamp)

Minicurrículo

    João Vitor Leal é professor e pesquisador em estágio pós-doutoral (PPGMM-IA-Unicamp/Fapesp). Graduado em Comunicação (UFMG), com mestrado (Paris-3) e doutorado (Eca-Usp) em Cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    O corpo despido de imagem: a estranha homenagem de Warhol a Paul Swan

Seminário

    Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas

Formato

    Presencial

Resumo

    A partir de uma leitura do filme Paul Swan (Andy Warhol, 1965), buscaremos refletir sobre a articulação entre corpo e imagem no meio audiovisual. Ao registrar a performance daquele que, um dia, havia sido o homem mais bonito do mundo, a câmera de Warhol revela, em primeiro lugar, um corpo envelhecido, numa estranha homenagem ao performer. Com isso, ela instiga o espectador a se questionar sobre os limites do corpo filmado nos termos de sua presença como “corpo-imagem”.

Resumo expandido

    A partir do filme experimental Paul Swan (Andy Warhol, 1965), buscaremos interrogar as relações entre corpo e imagem no meio audiovisual. Interessa-nos, por um lado, a dimensão performática do corpo filmado e as estratégias audiovisuais que o convertem numa imagem em movimento e, por outro lado, a espectatorialidade, isto é, o trabalho perceptivo, cognitivo, interpretativo e afetivo empreendido pelo espectador que confronta esse corpo filmado. Mais especificamente, nosso foco recairá no que chamaremos de “corpo-imagem” – noção com que buscamos designar aquilo que existe entre o corpo em performance e o espectador e que, apesar de possuir uma natureza mediada (pois não deixa de ser uma imagem), é capaz de preservar e, por vezes, de amplificar o impacto sensível e imediato que um corpo (filmado) exerce sobre outro (o do espectador).

    Paul Swan (1883-1972) foi um célebre pintor, poeta e dançarino norte-americano que, no início do século XX, chegou a ser considerado o homem mais belo do mundo. Ele se tornou conhecido, em particular, por se apresentar quase nu em palcos dos Estados Unidos e da Europa, tendo se aventurado também no cinema. No final dos anos 1930, ele se estabeleceu em Nova York e começou a realizar números dominicais de dança e recitação de poemas para um pequeno público que se reunia em seu estúdio. Em 1965, com 82 anos de idade, Swan executou três de seus números mais tradicionais para a câmera de Andy Warhol. O filme Paul Swan é uma estranha homenagem que evoca o passado glorioso do artista e, ao mesmo tempo, registra avidamente sua velhice.

    Embora não tenha passado desapercebido dos estudiosos da obra de Warhol, como Vera Dika (2012) e Douglas Crimp (2012), Paul Swan permanece um de seus filmes menos conhecidos – e a própria relevância de Swan para a arte norte-americana parece ter sido apagada pelo tempo. Quando muito, tanto o filme quanto seu protagonista são lembrados como exemplos emblemáticos do camp, definido por Sontag (2020) como uma sensibilidade irônica que valoriza, na contramão da cultura dominante, o que geralmente é percebido como ingênuo, antiquado ou vulgar.

    Reconhecendo o camp como o inevitável pano de fundo de Paul Swan, nossa análise do filme buscará explorar, às margens de seus aspectos históricos, alguns possíveis desdobramentos teóricos. Nesse sentido, retomaremos pontos centrais de discussões correntes nos campos da teoria da imagem e dos estudos do corpo. Revisitaremos o problema milenar da articulação entre corpo e imagem (cuja primeira formulação teórica nos remete ao filósofo e poeta romano Lucrécio, no século I a.C.) à luz das noções contemporâneas de “performance” (Zumthor, 2007; Schechner, 2003) e “presença” (Gumbrecht, 2010). Retomaremos também o clássico artigo “Teatro e cinema”, originalmente publicado em 1951, em que André Bazin (2018) inaugura os questionamentos acerca das possibilidades e dos limites da presença corporal (do ator) no cinema. Com isso, esperamos contribuir para avançar o entendimento da paradoxal “presença mediada” do “corpo-imagem” (Leal, 2021) no meio audiovisual.

Bibliografia

    ALLOA, E. O corpo da imagem, a imagem do corpo. Porto Alegre: Zouk, 2021.
    BAZIN, A. “Teatro e cinema” in O que é o cinema? São Paulo: Ubu, 2018, pp. 168-219.
    CRIMP, D. Our kind of movie: The films of Andy Warhol. Cambridge: MIT University Press, 2012.
    COCCIA, E. A vida sensível. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2010.
    DIKA, V. The (moving) pictures generation. New York: Palgrave Macmillan, 2012.
    GUMBRECHT, H. U. Produção de presença. Rio de Janeiro: Contraponto, 2010.
    LE BRETON, D. Adeus ao corpo. Campinas: Papirus, 2013.
    LEAL, J. V. “Do corpo à imagem: paradoxos da presença no meio audiovisual”. Logos, v. 28, 2022, pp. 129-151.
    MIRANDA, J. B. Corpo e imagem. São Paulo: Annablume, 2011.
    NANCY, J.-L. Corpus. Lisboa: Vega, 2000.
    SCHECHNER, R. “O que é performance?” O Percevejo, nº 12, 2003, pp. 25-50.
    SONTAG, S. “Notas sobre o camp” in Contra a interpretação. São Paulo: Companhia das Letras, 2020, pp. 346-367.
    ZUMTHOR, P. Performance, recepção, leitura. São Paulo: Cosac Naify, 2007.