Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Adérito Schneider (IFG)

Minicurrículo

    Docente de Cinema e Audiovisual do IFG – Cidade de Goiás. Membro do Grupo de Pesquisa em Narrativas Insólitas (Gruñido). Coordenador do projeto de pesquisa: Sangue na Tela: O Horror no Cinema Brasileiro Contemporâneo. Doutor pelo PPGH/UFG. Autor das obras literárias insólitas: Cidade sombria (org.) [MMArte, 2018]; Cidade infundada (org.) [martelo casa editorial, 2022] e O rastro da lesma no fio da navalha [Patuá, 2022].

Ficha do Trabalho

Título

    Narrando o inenarrável, descrevendo o indescritível: A cor que caiu do

Seminário

    Estudos do insólito e do horror no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Como narrar o inenarrável e como descrever o indescritível? Ao comparar o conto “A cor que caiu do espaço” (1927), de H. P. Lovecraft, com o filme A cor que caiu do espaço (Richard Stanley, Color out of space, 2019), a proposta é analisar escolhas estéticas do filme para representação de cor e sons indescritíveis, além de comparar a construção de personagens e estratégias narrativas na obra literária e cinematográfica a partir de uma provável misantropia lovecraftiana diante do horror cósmico.

Resumo expandido

    “A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o tipo de medo mais antigo e mais poderoso é o medo do desconhecido” (LOVECRAFT, 2007 p.13). Essa afirmação de H. P. Lovecraft, em seu clássico ensaio O horror sobrenatural em literatura, talvez não possa ser comprovada do ponto de vista histórico ou antropológico, mas diz muito sobre como este autor compreende o horror. Tanto Lovecraft (2007) quanto Noel Carrol (1999), em também clássico texto A filosofia do horror ou paradoxos do coração, associam a definição de horror ao sentimento provocado no leitor (ou espectador, abrangendo ao cinema). E, para Lovecraft (2007), existe um horror que é mais verdadeiro: o “terror cósmico” (p.19), ou seja, aquele de origem no “apelo do macabro espectral” (p.13). Na obra literária de Lovecraft, o horror não está apenas no campo do infamiliar freudiano, ou seja, aquilo que, ao mesmo tempo, identificamos como íntimo e conhecido, mas, por outro lado, é também estranho e inquietante. Em Lovecraft, vislumbramos o horror descomunal que aponta a insignificância da humanidade perante a imensidão incompreensível do universo e de forças desconhecidas pela ciência e racionalidade humanas.
    Na biografia do autor (A vida de H. P. Lovrecraft), escrita por S. T. Joshi (2014), fica evidente, além das questões do machismo (e/ou misoginia) e do racismo, a misantropia como característica marcante deste autor. E isso talvez seja uma chave interpretativa para a forma como sua obra literária é muitas vezes marcada por personagens planos (pouco complexos ou pouco desenvolvidos do ponto de vista psicológico) vagando por cenários descritos em detalhes, com uma mitologia própria, e morrendo (ou enlouquecendo) na constatação de sua insignificância perante forças muito mais poderosas. Não por menos, “inenarrável” ou “indescritível” são duas palavras constantemente presentes no vocabulário lovecraftiano. É o que podemos perceber, por exemplo, no conto “A cor que caiu do espaço” (publicado originalmente em 1927), em que uma cor indescritível (ou inenarrável), pois não existente no espectro humano, cai do céu e provoca o horror (e, aqui, a ausência de objeto físico não é mero detalhe, pois os sentidos humanos estão mesmo apontados como insuficientes para compreensão plena do universo). Para ficarmos apenas neste conto de Lovecraft, destacam-se trechos como: “A cor, que lembrava algumas das faixas no singular espectro do meteoro, era quase impossível de descrever” (2014, p.112); “estranhas cores que não se deixavam descrever em palavras” (2014, p.115); “um som que não saberiam descrever em termos conscientes” (2014, p.116); “coisas indescritíveis” (2014, p.118; 2014, p.128); “regiões inominadas e inomináveis” (2014, p.121); “um som que nenhum homem jamais tinha ouvido e jamais tornaria a ouvir” (2014, p.131); “Não há palavras capazes de descrever” (2014, p.131).
    O cineasta Richard Stanley assumiu o desafio de adaptar esse conto para os cinemas, com o filme A cor que caiu do espaço (Color out of space, 2019). Mas como narrar o inenarrável? E como descrever o indescritível? Assim, a proposta deste artigo é discutir que estratégias visuais e sonoras foram utilizadas para fazer visível uma cor inenarrável e audível sons indescritíveis, além de detectar que recursos narrativos e de construção de personagens foram utilizados, comparando semelhanças e diferenças entre a obra literária original e o filme cinematográfico. Além disso, pretende-se partir destes recursos narrativos e audiovisuais para buscar compreender como eles podem estar associados a uma provável misantropia do autor, que faz de seus personagens seres quase insignificantes diante do poder avassalador de forças cósmicas e do horror cósmico.

Bibliografia

    CARROLL, Noël. A filosofia do horror ou paradoxos do coração. Tradução de Roberto Leal Ferreira. Campinas, SP: Papirus, 1999.
    CESERANI, Remo. O fantástico. Tradução de Cezar Tridapalli. Curitiba: Ed. UFPR, 2006.
    FREUD, Sigmund. O infamiliar. Tradução de Ernani Chaves e Pedro Heliodoro Tavares. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
    FURTADO, Filipe. A construção do fantástico na narrativa. Lisboa: Livros Horizonte, 1980.
    JOSHI, S. T.. A vida de H. P. Lovecraft. Tradução de Bruno Gambarotto. São Paulo: Hedra, 2014.
    LOVECRAFT, H. P.. O horror sobrenatural em literatura. Tradução de Celso M. Paciornik. São Paulo: Iluminuras, 2007.
    LOVECRAFT, H. P.. Os melhores contos de H. P. Lovecraft. Tradução de Guilherme da Silva Braga. São Paulo: Hedra, 2014.
    ROAS, David. A ameaça do fantástico. Aproximações teóricas. Tradução de Julián Fuks. São Paulo: Editora Unesp, 2014.
    TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Tradução de Maria Clara Correa Castelo. São Paulo: Perspectiva, 2017.