Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Fernando Morais da Costa (UFF)

Minicurrículo

    fernando morais da costa é professor associado do Departamento de Cinema e Vídeo e professor permanente do Programa de pós-Graduação em Cinema e Audiovisual, PPGCine, da Universidade Federal Fluminense. É autor de O som no cinema brasileiro (Rio de Janeiro: 7 Letras, 2008). Foi um dos fundadores do seminário temático de som da SOCINE, e coordenador por dois mandatos. Foi da diretoria da entidade, como secretário acadêmico, no mandato 2017/2019 e membro do Comitê Científico entre 2019/2021.

Ficha do Trabalho

Título

    Suspensão: Depois do sol, na montanha, na rua de trás, em 1985

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Esta proposta, sobre procedimentos recorrentes no cinema contemporâneo, pretende demostrar a continuidade do uso da já conhecida suspensão dos sons diegéticos. Aliado a isso, há uma pujante representação de sons mediados por tecnologias audíveis e visíveis no universo criado para cada filme. Que papéis narrativos são desempenhados por silenciamentos propositais e por aparelhos de som, televisões, microfones, câmeras, rádios? O que se escolhe silenciar, o que se escolhe tocar em quadro?

Resumo expandido

    Muitos filmes contemporâneos têm atualizado conceitos já conhecidos pelos estudos do som para cinema. Embora tais conceitos sejam citados eventualmente no decorrer dos anos, acreditamos que revisitá-los à luz de novas situações fílmicas é relevante, bem como relaciona-los com questões políticas e relacionadas à memória.
    A ideia da suspensão dos sons diegéticos, por Chion, que gera uma sensação de silêncio do que seria esperado como evocação a partir das imagens, seja na forma de sons ambientes, demais ruídos ou vozes, segue prevalente no cinema contemporâneo. Da mesma forma, sons “on the air”, mediados, dentro do universo criado para o filme, por aparelhos tecnológicos, estão presentes em várias produções, como é o caso dos filmes escolhidos para esta análise. (CHION, 2009)
    Para atualizar tais textos e conceitos conhecidos, propomos pensa-los em conjunto com as pesquisas mais recentes de Noé Cornago, sobre noções de silêncios em trânsito entre as figuras de linguagem de metonímia e de metáfora, em termos políticos (CORNAGO, 2018), e com a análise de Lisa Coulthard sobre as múltiplas presenças e funções dos silêncios na filmografia de Michael Haneke (COULTHARD, 2010). Sobre as aparições de dispositivos tecnológicos que sonorizam a diegese, citaremos o trabalho de Rodrigo Carreiro e Laura Cánepa sobre representações de câmeras e de aparatos sonoros intradiegéticos. (CÁNEPA, CARREIRO, 2014).
    Muitos são os exemplos de suspensão trazidos por Chion, como na análise de Sonhos, de Kurosawa, ou por Martin Rubin, em texto clássico entre os estudos de som, que analisa Backstreet, de John Stahl, na longínqua década de 1930 (RUBIN, 1985). Recentemente, analisamos tal escolha pela supressão dos sons ambientes em Dark, a série televisiva, enquanto ouvimos determinada canção em sua integralidade.
    Em Aftersun, produção britânica de 2022, passada nos anos 1990, temos os primeiros sons e imagens do filme mostrados por uma câmera de vídeo da época, com o som gravado no mesmo suporte que as imagens. A filha grava o pai, durantes as férias dos dois na Turquia. Tal recurso, termos os pontos de vista e de escuta mediados pela câmera, será recorrente. Com isso, estão incorporados à trilha sonora de Aftersun os ruídos decorrentes da gravação e reprodução analógicas, magnéticas, além dos próprios ruídos mecânicos advindos da lida com o equipamento. Dentro da alternância temporal proposta narrativamente, temos, além da indicação daquela situação das férias e das gravações fazerem parte de um passado recordado, um suposto tempo presente, em uma discoteca.
    Músicas que apareceram diegeticamente durante as férias surgem na discoteca, como Under Pressure, de David Bowie e Queen, e Tender, da banda também britânica Blur. Nos dois tempos narrativos, as músicas são trabalhadas com equalizações, efeitos e mixagens absolutamente diferentes. No tempo da discoteca, temos, enquanto ouvimos a música, a suspensão dos sons ambientes. Em uma das sequências passadas na discoteca, não ouvimos nem mesmo a música, apenas um som de respiração, ou seja, um processo ainda mais radical de suspensão sonora. O que pretendemos demarcar aqui é a relação importante entre o efeito de suspensão e questões relacionadas a memória e nostalgia.
    Em Argentina 1985, que trata da reabertura democrática do país e do julgamento dos responsáveis pelos terrores perpetrados pela ditadura militar, temos numerosos casos de sons mediados por aparelhos tecnológicos que aparecem de forma diegética. São exemplos: a televisão com as notícias dos julgamentos; a música ouvida em casa por Strassera, o principal responsável pelo sucesso do processo, em seu aparelho de som; as câmeras de vídeo que registram o julgamento; o telefone pelo qual se recebem ameaças. Próximo do fim do filme, mais um dos casos de suspensão sonora sobre os quais nos debruçamos nesta análise comparativa: no discurso de Strassera, os aplausos são silenciados, no início, mas seus sons surgem aos poucos, em lento fade in.

Bibliografia

    CÁNEPA, Laura, CARREIRO, Rodrigo. Câmera intradiegética e maneirismo em obras de George A. Romero e Brian De Palma. Niterói: Contracampo, n. 31, 2014.

    CARREIRO, Rodrigo. A camera diegética: padrões de imagens e sons. In: CARREIRO, Rodrigo. O found footage de horror. São José dos Pinhais: Estronho, 2021.

    CHION, Michel. Film: A Sound Art. New York: Columbia University Press, 2009.

    CORNAGO, Noé. The Global Politics of Silence and Sound: From Metaphor to Metonymy. DINGLI, Sophia, COOKE, Thomas. (org). Political Silence: Meanings, Functions and Ambiguity, London: Routledge, 2018.

    COULTHARD, Lisa. Listening to silence. The Films of Michael Haneke. Cinephile. Vol. 6, n. 1, 2010. P. 18-24.

    RUBIN, Martin. The voice of silence: sound style in John Stahl’s Backstreet. WEIS, E, BELTON, J. (org.). Film Sound: theory and practice. New York: Columbia University Press, 1985.