Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    CLOTILDE BORGES GUIMARÃRS (FAAP)

Minicurrículo

    É graduada (1984), mestra (2008) e doutora (2020) em cinema pela ECA/USP. Desde 1982 trabalha com som em filmes documentais e ficcionais para a TV, streaming e cinema. É professora de som do Curso de Cinema da FAAP-SP (desde 2010), pesquisadora do NuSom (ECA/USP) e da rede feminista Sonora: músicas e feminismos. Pesquisa a história da tecnologia de gravação e edição da voz e a sua influência no cinema documentário brasileiro e nas obras audiovisuais da arte contemporânea brasileira.

Ficha do Trabalho

Título

    A criação sonora com a voz em Sin Peso, de Cao Guimarães

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Sin Peso é um filme de Cao Guimarães, composto de imagens de formas geométricas e de sons editados de pregões falados/cantados em espanhol de uma feira de produtos ilegais da Cidade do México. Não visualizamos os donos das vozes. Este trabalho investiga como a escuta dessas sonoridades dessas vozes, somada às imagens das formas geométricas, provoca um efeito sensorial meditativo, característico de obras em que o espaço-tempo é percebido de forma estendida.

Resumo expandido

    A partir de um convite do Museo Carrillo Gil, da Cidade do México, para participar da exposição Chocolate (gíria local para comércio ilegal), Cao Guimarães convida a dupla de artistas sonoros O Grivo para ir para a Cidade do México realizar gravações em uma feira de produtos ilegais. Existia uma dificuldade para a realização das filmagens de Cao Guimarães, pois os feirantes se sentiam incomodados com o registro. Guimarães, de posse de sua inseparável câmera Super 8, capta as imagens dos toldos das barracas ao vento e nenhuma figura humana. Mas não havia problema com o registro sonoro das suas vozes. Durante quase todos os sete dias que eles ficaram no México, os artistas foram à feira para executar gravações, na busca de obterem a maior quantidade de registros possível. A partir desse material, os artistas d’O Grivo começaram a selecionar e a editar aquelas vozes, ao mesmo tempo em que Guimarães editava as imagens e ia acompanhando a edição dos sons. O trabalho sonoro de seleção e edição, executado em Sin Peso, foi realizado pela dupla de artistas para que, num curto espaço de tempo, várias vozes pudessem construir uma escuta composta pelas texturas, bem como uma certa musicalidade proporcionada pelas variações de timbres e ritmos de cada voz selecionada. No início dessa obra, a escuta de uma quase melodia feita dos pregões entoados por várias vozes, que começam ininteligíveis, sobre imagens de tecidos coloridos que se movimentam ao sabor do vento, reforça a atenção na escuta. Os timbres, as variações de intensidade, as repetições das melodias criadas para os pregões, sobre as imagens abstratas dos toldos, criam imagens mentais dos personagens donos daquelas vozes. Tal como no Brasil, os feirantes criam frases, ritmos e repetições para anunciar seus produtos e chamar a atenção dos clientes. Progressivamente as imagens vão revelando a feira e onde ela se encontra. O pregão é um “texto falado ou cantado, bastante próximo do recitativo musical, por meio do qual os vendedores ambulantes anunciam seus produtos” (SERGL, 2018). Em Sin Peso, os pregões são falados na língua espanhola da Cidade do México. Além disso, as pessoas que trabalham em uma feira de produtos ilegais são de uma classe social determinada que têm maneiras próprias de falar aquela língua. Podemos observar, a partir da escuta dessas vozes, que são mulheres e homens jovens e homens idosos, e que vendem produtos populares e baratos. Suas vozes variam de intensidade fraca, como a voz de um vendedor de côco, que mal consegue terminar a frase, para outros que projetam suas vozes a plenos pulmões. A gravação realizada pela dupla de artistas d’O Grivo, em vários momentos do curta, privilegia a escuta individualizada de cada pregão escolhido por eles na hora da edição e é quando a edição das imagens, realizada por Cao Guimarães, seleciona imagens mais abstratas, aquelas nas quais não reconhecemos ainda os toldos das barracas da feira, mas sim formas geométricas coloridas. Essa associação da escuta do som das vozes com as formas coloridas geométricas nos coloca num estranho estado meditativo, efeito que Cao usa em outras obras. Às vezes é explorada uma certa espacialidade por meio do sistema estéreo utilizado, que dá ao espectador a sensação de estar andando na feira e ir passando pelas bancas, ou mesmo um pregão volta e faz dueto com outro, quando ouvimos de novo o senhor que vende côco, bem desanimado, alternado com o pregão animado do jovem vendedor de “bolsitas”. Não se trata da gravação de uma paisagem sonora, mas da criação de uma obra sonora que manipula registros de uma manifestação vocálica popular e que interage com as imagens captadas e editadas do mesmo lugar.

Bibliografia

    CAMPESATO, Lilian. Arte sonora: uma metamorfose das musas. Dissertação de Mestrado. ECA/USP, 2007.
    CARREIRO, Rodrigo; ALVIM, Luíza. “Uma questão de método: notas sobre a análise de som e música no cinema”. Matrizes (USP), v. 10, n. 2, São Paulo, p. 175-193, 2016.
    FERREIRA, Marina Mapurunga de Miranda. Culinária Sonora: uma análise da construção sonora d’o Grivo em cinco “Micro-dramas da Forma” de Cao Guimarães. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense, 2014.
    HOSNI, Cassia Takahashi. Inventário da obra audiovisual de Cao Guimarães. Dissertação de Mestrado. IA/UNICAMP, 2014.
    LINS, Consuelo. Cao Guimarães: arte documentário ficção. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2019.
    OBICI, Giuliano. Condição da escuta – mídias e territórios sonoros. Rio de Janeiro: 7Letras, 2008.
    SERGL, Marcos Júlio. Pregão Brasileiro: A Arte da Performance como Forma de Consumo e Memória. Congresso Comunicon, 2018.