Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Brener Neves Silva (UFF)

Minicurrículo

    Doutorando em Cinema e Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (PPGCINE/UFF), Mestre em Cinema e Audiovisual pela UFF, Especialista em Cinema e Linguagem Audiovisual pela Universidade Estácio de Sá (UNESA) e graduado em Produção Audiovisual pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). É integrante do grupo de pesquisa Documentário e Fronteiras do PPGCINE/UFF e Editor de Cinema Ameríndio no Observatório de Cinema e Audiovisual (OCA) da UFF.

Ficha do Trabalho

Título

    Construção de uma atmosfera cinematográfica nos filmes-rituais Kayapó

Seminário

    Cinemas decoloniais, periféricos e das naturezas

Formato

    Presencial

Resumo

    O cinema Mebêngôkre-Kayapó vem se consolidando nos últimos anos com diversas narrativas fílmicas, especialmente com a filmagem de rituais, característica que tem possibilitado a construção de uma atmosfera cinematográfica particular. Esta pesquisa propõe reflexões sobre a prática dos filmes-rituais a partir das cosmologias próprias da sociedade Mebêngôkre, objetivando compreender a criação de uma atmosfera cosmológica nesses filmes, especialmente em aspectos espaço-temporais.

Resumo expandido

    Os Mebêngôkre-Kayapó, do Pará, vêm realizando filmes desde meados da década de 1990, quando o antropólogo Terence Turner iniciou o Kayapo Video Project. Desde então, diversos jovens Kayapó se formaram enquanto cineastas, o que possibilitou o surgimento da filmagem de rituais para perpetuar a própria cultura e como forma de autodeterminação. André Demarchi e Diego Madi Dias (2018, p. 44) em pesquisa anterior com os Kayapó definem os filmes-rituais como “gravações em vídeo de determinada cerimônia, com longa duração, praticamente sem edição ou com a edição feita diretamente na câmera”.

    Ao analisarmos seus filmes-rituais realizados nos últimos anos é nítido que há diferenças e similaridades entre os registros e que há, especialmente, uma construção acerca da atmosfera cinematográfica dessas obras. Essa atmosfera deve ser entendida, conforme Inês Gil (2002), como a relação das pessoas com o ambiente ao seu redor, isto é, a atmosfera enquanto fenômeno sensível que intervém na relação das pessoas com o meio em que estão inseridas. No caso particular dos Kayapó, os filmes-rituais frequentemente apresentam longos planos-sequência com danças, cantos, pinturas corporais, entrevistas com caciques e imagens com voz off explicando o processo do ritual, características que podem ser visualizadas como parte da atmosfera de seus filmes.

    Segundo Marcelo Vieira e Jorge Alencar (2020, p. 229) “o estudo da atmosfera fílmica tem como objeto a relação entre os elementos visuais e sonoros de uma obra audiovisual”. Para Inês Gil (2005), a atmosfera no cinema pode ser “fabricada” através de meios fílmicos, como a direção de atores, o trabalho da luz e do som. Entretanto, ao refletirmos sobre a atmosfera no cinema indígena, deve-se considerar que estamos diante de uma cinematografia particular com seus códigos próprios que se desloca para outras possibilidades estéticas: as temporalidades são outras, nem sempre há um roteiro sequencial, os filmes podem ter cortes ou não, assim como podem ter atores ou não.

    Isso nos faz considerar a existência de uma atmosfera cosmológica, ou seja, quando as cosmologias incidem sobre a construção dos filmes-rituais, processo que parece ocorrer especialmente a partir de aspectos espaço-temporais. A questão temporal se apresenta de forma mais nítida na duração desses filmes, pois frequentemente registram cerimônias de longa duração e sem muitos cortes para que filhos e netos possam assistir. Já a questão espacial é voltada para os atravessamentos entre o que está dentro e fora de campo, uma vez que, segundo Caixeta e Diniz (2018, p. 64) “parece haver no cinema indígena uma imbricação ou uma dependência muito forte entre o campo e o extracampo”, o que nos faz considerar as crenças nos agentes não-humanos, que participam de suas vidas assim como participam dos filmes-rituais.

    Isso significa que são filmes realizados por meio de suas vivências e experiências, ou seja, seus modos de ser e de viver, o que faz com que repensemos a atmosfera cinematográfica no caso particular do cinema indígena, uma vez que estaria implicada de fatores como suas cosmologias, lógica de produção, seus corpos, pontos de vista e o território onde vivem, isto é, suas realidades. Por isso, ao pensarmos na construção de uma atmosfera nos filmes-rituais, podemos partir das reflexões de Gil (2005) acerca das subdivisões para o estudo da atmosfera fílmica: atmosfera temporal, espacial, visual e sonora. No entanto, levando em consideração que essas subdivisões foram criadas para pensar o cinema não indígena, propõe-se uma rearticulação ontológica da atmosfera para o cinema indígena a partir de perspectivas cosmológicas próprias de cada povo, neste caso, dos Kayapó.

    Portanto, este estudo se propõe a sugerir os caminhos possíveis para a investigação da construção de uma atmosfera cinematográfica cosmológica no cinema realizado pelos povos Mebêngôkre-Kayapó, demonstrando inclusive as diversas possibilidades da realização audiovisual indígena.

Bibliografia

    CAIXETA DE QUEIROZ, Ruben; DINIZ, Renata Otto. Cosmocinepolítica Tikm’n-Maxakali: ensaio sobre a invenção de uma cultura e de um cinema indígena. Revista Gesto, Imagem e Som, v. 3, n. 1, p. 63-105, 2018.
    DEMARCHI, André; MADI DIAS, Diego. Vídeo-ritual: circuitos imagéticos e filmagens rituais entre os Mebêngôkre (Kayapó). Gesto, Imagem e Som – Revista de Antropologia, v. 3, n. 1, p. 38-62, 2018.
    GIL, Inês. A atmosfera no cinema: o caso de A Sombra do Caçador, de Charles Laughton, entre onirismo e realismo. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2005.
    _________. A atmosfera fílmica como consciência. Caleidoscópio – Revista de Comunicação e Cultura, n. 2, p. 95-101, 2002.
    VIEIRA, Marcelo Dídimo Souza; ALENCAR, Jorge Couto de. Percepção e sensações: a atmosfera no cinema contemporâneo. In: BRASIL, André; PARENTE, André; FURTADO, Beatriz. (Orgs.). Imagem e exercício da liberdade: cinema, fotografia e artes. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2020.