Ficha do Proponente
Proponente
- Helena Lukianski Pacheco (UFRGS)
Minicurrículo
- Helena Lukianski, natural de Porto Alegre (RS), graduou-se em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo na PUCRS, e concluiu o mestrado na mesma universidade em 2021. Atualmente é doutoranda em Comunicação Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisa sobre cinema, política e estética.
Ficha do Trabalho
Título
- A crise de 2008 nos filmes Corrente do Mal e Amantes Eternos
Formato
- Presencial
Resumo
- Propomos analisar as consequências da crise de 2008 no cinema. Analisaremos cenas que se passam em Detroit (EUA) nos filmes Corrente do Mal (It Follows, 2014) e Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013). A similaridade entre os motivos visuais (BALLÓ; BERGALA, 2016) das cenas aponta para mudanças profundas de um modo de vida anteriormente baseado no fordismo, e revela no rosto das personagens preocupações que se relacionam com a instabilidade do sistema capitalista (FISHER, 2009).
Resumo expandido
- A crise de 2008 foi amplamente representada no cinema. Há ainda filmes que não tratam diretamente sobre o assunto, mas que mostram o resultado de tal crise nos Estados Unidos, como a destruição e abandono de áreas de Detroit (Michigan), que antes abrigavam residências e fábricas. Esse é o caso dos longas-metragens Corrente do Mal (It Follows, 2014, dir. David Robert Mitchell) e Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013, dir. Jim Jarmusch).
Num primeiro momento chama-nos a atenção a similaridade das ações que se passam em cenas dos dois filmes. Em Corrente do Mal, a cena que nos interessa é o momento em que Jay e seus amigos partem em busca do sujeito transmissor da força maligna, que fugiu após um primeiro encontro e se escondeu numa área decadente de Detroit. Os rostos não-identificáveis criam uma sensação de angústia, como se fossem zumbis ou fantasmas. A expressão de Jay vai ficando mais grave conforme ela observa o aspecto desolador do local, algo que se refere ao contexto de horror do filme, mas que também se relaciona com queda de poder econômico dos EUA e a perspectiva de um futuro sombrio. Em Amantes Eternos, a personagem Eve mora em Tânger (Marrocos), e visita seu companheiro Adam, que escolheu viver em Detroit. Quando ambos se reencontram nos Estados Unidos, decidem dar uma volta de carro pela cidade. Eve, ao olhar pela janela, observa as ruínas de Detroit que um dia conheceu a prosperidade econômica. A sua expressão também demonstra preocupação, assim como a de Jay.
Essa repetição nos remete à obra Motivos Visuales del Cine (2016), de Balló e Bergala. Os autores lembram que a palavra motivo tem sua origem latina relacionada ao movimento: o motivo tem a ver com o impulso para a criação. Às vezes as repetições se tornam marcas de alguns diretores, ou seja, motivos: “Tanto no cinema como na pintura, certos motivos acentuam obsessiva e exclusivamente o que o cineasta imprime neles e se tornam consubstanciais à sua poesia: as mãos em Bresson, os insetos em Buñuel (…)” (BALLÓ; BERGALA, 2016, p.13, tradução nossa). Vemos em ambos os longas-metragens a repetição de ruínas, de carros de modelos antigos e da expressão tensa nos rostos, que é o “lugar privilegiado das funções sociais” (AUMONT, 1998, p.18, tradução nossa),
A escolha por mostrar as personagens dentro de carros não parece ter sido arbitrária, uma vez que Detroit era a cidade-símbolo do fordismo. Ao longo das décadas, o fordismo foi transacionando para um modelo de “acumulação flexível”, termo que Harvey (2002) usa para descrever os novos processos de trabalho. Hoje a flexibilização e as suas consequências para a saúde psíquica dos trabalhadores têm sido amplamente estudadas (CONCCOLATTO et al, 2017). O fordismo pressupunha uma certa estabilidade, o que possui seus aspectos ambivalentes na medida em que muitos trabalhadores não desejavam a rotina tediosa de trabalhar quarenta anos na mesma fábrica. Por outro lado, o modelo flexível do neoliberalismo trouxe consigo problemas graves, como períodos de trabalho se alternando com períodos de desemprego (FISHER, 2009).
Amantes Eternos e Corrente do Mal se utilizam, de forma semelhante, das ruínas de Detroit para construir suas atmosferas de horror. Seguindo a linha de pensamento de Didi-Huberman (2013), a análise das imagens nos mostra que as personagens olham para um passado que ainda influencia o presente. Conforme o autor, “o historiador deve estar atento aos sintomas, às repetições e às sobrevivências” (DIDI-HUBERMAN, 2013, p.285). Os carros, outro motivo visual, são objetos que estabelecem essa ponte entre tempos diferentes, pois remetem a um modo de produção padronizado e contínuo que foi entrando em desuso. Pensando sobre o que o futuro nos reserva em termos de sobrevivência por meio da força de trabalho em tempos de uberização, a expressão das protagonistas dos filmes não poderia ser outra além de espanto.
Bibliografia
- AUMONT, J. El rostro en el cine. Barcelona: Paidós, 1998.
BALLÓ, J.; BERGALA, A. Motivos visuals del cine. Barcelona: Galaxia Gutenberg, 2016
CONCCOLATTO, C. P., RODRIGUES, T. G., & OLTRAMARI, A. P. (2017). Mudanças nas relações de trabalho e o papel simbólico do trabalho na atualidade. Farol – Revista de Estudos Organizacionais e Sociedade, 4(9), 341-390.
DIDI-HUBERMAN, G. A imagem sobrevivente: história da arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg Rio de Janeiro: Contraponto, 2013
FISHER, Mark. Capitalism Realism – is there no alternative? Winchester: Zero Books, 2009
HARVEY, D. Condição Pós-moderna. São Paulo: edições Loyola, 2002