Ficha do Proponente
Proponente
- Benedito Ferreira dos Santos Neto (UERJ)
Minicurrículo
- Benedito Ferreira é artista visual, pesquisador e doutorando em Artes na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com apoio da CAPES. Mestre em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e graduado em Audiovisual pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). É pesquisador vinculado ao Núcleo de Investigação em Direção de Arte Audiovisual (UFPE/CNPq).
Ficha do Trabalho
Título
- As ondas mágicas e nuas da direção de arte
Seminário
- Estética e teoria da direção de arte audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- A pesquisa examina as particularidades da direção de arte e seus retratos de juventude dos filmes O Olho Mágico do Amor (1981), Onda Nova (1983) e Estrela Nua (1985), dirigidos pela dupla José Antônio Garcia e Ícaro Martins. A partir de revisão de conceitos fundamentais como “aparência” e “representação”, verifica-se a eclosão de cenários e figurinos robustecidos pelo figural continuamente estimulado pelo improviso da direção de arte comum aos filmes de baixo orçamento no Brasil dos anos 1980.
Resumo expandido
- Convencidos da inexistência de um partido estético comum às produções dos anos 1980, críticos e pesquisadores identificam possíveis correlações, como o retrato de uma juventude em tramas ambientadas em grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Desligando-se de um conjunto de interesses do cinema novo, a direção de arte examina novos procedimentos para a sugestão das imagens. Nas palavras de Ismail Xavier, a produção dos anos 1980 reverbera o estatuto de um novo visual, em que “é possível observar que um novo design se esboça no início da década, a partir de filmes como Eu te amo […]” (XAVIER, 2006, p. 38). Esse design é ação de direção de arte: cenografia que se confunde com instalações site specific, obras de arte, mobília moderna, plantas ornamentais e luzes neon no apartamento central da trama de Jabor. O aspecto da imagem a que Xavier se refere é um dos elementos criticados por Bernardet (1985), em relação ao que ele chama de cool, “para usar essa palavra que o ‘pós-modernismo’ colocou na moda e que caracterizaria a coexistência não conflitante de elementos antagônicos” (p. 76).
Os filmes O Olho Mágico do Amor (1981), Onda Nova (1983) e Estrela Nua (1985), dirigidos pela dupla José Antônio Garcia e Ícaro Martins, que cursou faculdade de cinema na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), radicalizam na criação plástica do espaço cênico, seja nas cores explicitamente eróticas dos ambientes ou nos figurinos que buscam acercar-se da apresentação (e não representação) de uma certa juventude ávida pela metrópole e todos os seus predicados. Além de se apoiarem na abordagem que compreende a direção de arte enquanto profissão do engano, estas produções demonstram que embora a ontologia da função esteja ligada à regra de verossimilhança dos cenários, ela está propícia a ressaltar as imagens pretendidas pela encenação por meio da efervescência de uma presença. O diretor José Antônio Garcia admite a direção de arte informal de sua colega Cristina Mutarelli e aponta a dificuldade de concretizar as ideias do roteiro. Mutarelli relata sua experiência como diretora de arte, no trânsito entre antiquários e brechós para a produção de objetos de cena e figurinos (SANTOS NETO, 2019).
A direção de arte está bastante associada aos gêneros cinematográficos, tais como o de ficção científica ou a um tipo de construção diegética que contempla o “fantástico”. Quando mal executado no cinema de caráter naturalista, este fazer é usualmente rechaçado e categorizado como “teatral” — o que, acreditamos, reforça as complexas e múltiplas abordagens em torno de conceitos como “aparência” e “representação”. Os objetos que integram o adereçamento dos cenários das três produções analisadas não podem ser lidos em si mesmos, como ocorre nos “objetos-relíquias do hitchcockismo” (DUBOIS, 2012, p. 101). Eles podem atingir a sua força singular de “Figura” unicamente ao serem pavimentados pelos mecanismos de encenação, tais como a luz, a montagem, a decupagem e a música. Nesse sentido, o figural dos animais empalhados de O Olho Mágico do Amor estaria diretamente associado ao que se sucede na narrativa, portanto, em detrimento dos impulsos sexuais dos personagens. O mesmo ocorre nas chuteiras sujas repreendidas pela mãe que tem a peruca removida pela filha insubmissa de Onda Nova e no conversível vermelho em disparada pelas avenidas paulistanas de Estrela Nua.
A proposta de encenação da dupla de diretores assemelha-se à de outros filmes produzidos em mesmo período e recorre a uma coleção de citações que reverberam sobretudo no estatuto da imagem. A direção de arte, por sua vez, beneficia-se do efeito de metalinguagem recorrente no cinema de Garcia e Martins, cujo intento estava em “(…) botar para quebrar, mostrar a que veio, dar a cara a tapa. Uma tentativa de um cinema possível, uma alternativa ao que se fazia na ECA, uma alternativa ao que se fazia na Embrafilme.” (NADALE, 2008, p. 72).
Bibliografia
- AB’SABER, Tales. A Imagem Fria: cinema e crise do sujeito no Brasil dos anos 80. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.
DUBOIS, Philippe. Plasticidade e Cinema: a questão do Figural. In: HUCHET, Stéphane (org). Fragmentos de uma Teoria da Arte. São Paulo: Editora USP, 2012, p. 97-118.
MURCIA, Félix. La escenografía en el cine: el arte de la apariencia. Madri: Fundación Autor, 2002.
NADALE, Marcel. José Antônio Garcia: em busca da alma feminina. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008.
RANCIÈRE, Jacques. La fable cinematographique. Paris: Seuil, 2001.
SANTOS NETO, Benedito Ferreira dos. Três reflexões sobre a direção de arte no cinema brasileiro. 2019. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Visual) –Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019. 138 f.
XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
XAVIER, Ismail; BERNARDET, Jean-Claude; PEREIRA, Miguel. O desafio do cinema: a política do estado e a política dos autores. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.