Trabalhos aprovados 2023

Ficha do Proponente

Proponente

    Benedito Ferreira dos Santos Neto (UERJ)

Minicurrículo

    Benedito Ferreira é artista visual, pesquisador e doutorando em Artes na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com apoio da CAPES. Mestre em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e graduado em Audiovisual pela Universidade Estadual de Goiás (UEG). É pesquisador vinculado ao Núcleo de Investigação em Direção de Arte Audiovisual (UFPE/CNPq).

Ficha do Trabalho

Título

    As ondas mágicas e nuas da direção de arte

Seminário

    Estética e teoria da direção de arte audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    A pesquisa examina as particularidades da direção de arte e seus retratos de juventude dos filmes O Olho Mágico do Amor (1981), Onda Nova (1983) e Estrela Nua (1985), dirigidos pela dupla José Antônio Garcia e Ícaro Martins. A partir de revisão de conceitos fundamentais como “aparência” e “representação”, verifica-se a eclosão de cenários e figurinos robustecidos pelo figural continuamente estimulado pelo improviso da direção de arte comum aos filmes de baixo orçamento no Brasil dos anos 1980.

Resumo expandido

    Convencidos da inexistência de um partido estético comum às produções dos anos 1980, críticos e pesquisadores identificam possíveis correlações, como o retrato de uma juventude em tramas ambientadas em grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Desligando-se de um conjunto de interesses do cinema novo, a direção de arte examina novos procedimentos para a sugestão das imagens. Nas palavras de Ismail Xavier, a produção dos anos 1980 reverbera o estatuto de um novo visual, em que “é possível observar que um novo design se esboça no início da década, a partir de filmes como Eu te amo […]” (XAVIER, 2006, p. 38). Esse design é ação de direção de arte: cenografia que se confunde com instalações site specific, obras de arte, mobília moderna, plantas ornamentais e luzes neon no apartamento central da trama de Jabor. O aspecto da imagem a que Xavier se refere é um dos elementos criticados por Bernardet (1985), em relação ao que ele chama de cool, “para usar essa palavra que o ‘pós-modernismo’ colocou na moda e que caracterizaria a coexistência não conflitante de elementos antagônicos” (p. 76).

    Os filmes O Olho Mágico do Amor (1981), Onda Nova (1983) e Estrela Nua (1985), dirigidos pela dupla José Antônio Garcia e Ícaro Martins, que cursou faculdade de cinema na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), radicalizam na criação plástica do espaço cênico, seja nas cores explicitamente eróticas dos ambientes ou nos figurinos que buscam acercar-se da apresentação (e não representação) de uma certa juventude ávida pela metrópole e todos os seus predicados. Além de se apoiarem na abordagem que compreende a direção de arte enquanto profissão do engano, estas produções demonstram que embora a ontologia da função esteja ligada à regra de verossimilhança dos cenários, ela está propícia a ressaltar as imagens pretendidas pela encenação por meio da efervescência de uma presença. O diretor José Antônio Garcia admite a direção de arte informal de sua colega Cristina Mutarelli e aponta a dificuldade de concretizar as ideias do roteiro. Mutarelli relata sua experiência como diretora de arte, no trânsito entre antiquários e brechós para a produção de objetos de cena e figurinos (SANTOS NETO, 2019).

    A direção de arte está bastante associada aos gêneros cinematográficos, tais como o de ficção científica ou a um tipo de construção diegética que contempla o “fantástico”. Quando mal executado no cinema de caráter naturalista, este fazer é usualmente rechaçado e categorizado como “teatral” — o que, acreditamos, reforça as complexas e múltiplas abordagens em torno de conceitos como “aparência” e “representação”. Os objetos que integram o adereçamento dos cenários das três produções analisadas não podem ser lidos em si mesmos, como ocorre nos “objetos-relíquias do hitchcockismo” (DUBOIS, 2012, p. 101). Eles podem atingir a sua força singular de “Figura” unicamente ao serem pavimentados pelos mecanismos de encenação, tais como a luz, a montagem, a decupagem e a música. Nesse sentido, o figural dos animais empalhados de O Olho Mágico do Amor estaria diretamente associado ao que se sucede na narrativa, portanto, em detrimento dos impulsos sexuais dos personagens. O mesmo ocorre nas chuteiras sujas repreendidas pela mãe que tem a peruca removida pela filha insubmissa de Onda Nova e no conversível vermelho em disparada pelas avenidas paulistanas de Estrela Nua.

    A proposta de encenação da dupla de diretores assemelha-se à de outros filmes produzidos em mesmo período e recorre a uma coleção de citações que reverberam sobretudo no estatuto da imagem. A direção de arte, por sua vez, beneficia-se do efeito de metalinguagem recorrente no cinema de Garcia e Martins, cujo intento estava em “(…) botar para quebrar, mostrar a que veio, dar a cara a tapa. Uma tentativa de um cinema possível, uma alternativa ao que se fazia na ECA, uma alternativa ao que se fazia na Embrafilme.” (NADALE, 2008, p. 72).

Bibliografia

    AB’SABER, Tales. A Imagem Fria: cinema e crise do sujeito no Brasil dos anos 80. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

    DUBOIS, Philippe. Plasticidade e Cinema: a questão do Figural. In: HUCHET, Stéphane (org). Fragmentos de uma Teoria da Arte. São Paulo: Editora USP, 2012, p. 97-118.

    MURCIA, Félix. La escenografía en el cine: el arte de la apariencia. Madri: Fundación Autor, 2002.

    NADALE, Marcel. José Antônio Garcia: em busca da alma feminina. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008.

    RANCIÈRE, Jacques. La fable cinematographique. Paris: Seuil, 2001.

    SANTOS NETO, Benedito Ferreira dos. Três reflexões sobre a direção de arte no cinema brasileiro. 2019. Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Visual) –Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2019. 138 f.

    XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra, 2006.

    XAVIER, Ismail; BERNARDET, Jean-Claude; PEREIRA, Miguel. O desafio do cinema: a política do estado e a política dos autores. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.