Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Beatriz Lizaviêta Vasconcelos Viana (UFC)

Minicurrículo

    Possui graduação em Cinema e Audiovisual e atualmente está no mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linha 01 – Fotografia e Audiovisual, ambos pela Universidade Federal do Ceará.
    Tem interesse pelas questões de raça-gênero-sexualidade no cinema nacional.

Ficha do Trabalho

Título

    Nas fronteiras: gêneros cinematográficos e as mulheres negras lésbicas

Formato

    Remoto

Resumo

    As boas maneiras (Juliana Rojas e Marco Dutra, 2017), Tremor Iê (Livia de Paiva e Elena Meirelles, 2018) e Um dia com Jerusa (Viviane Ferreira, 2020) são três longa-metragens nacionais que se aproximam em seus gestos de retomar/reinventar os gêneros cinematográficos e por terem mulheres negras lésbicas como protagonistas. São filmes que operam nas fronteiras lotmanianas e nas bordelands anzalduzianas: eles brincam com os centros e escancaram as feridas geradas pelo trauma colonial.

Resumo expandido

    Yuri Lotman e Gloria Anzaldúa trazem em suas obras o conceito de fronteira. Ainda que as abordagens se baseiem e apontem para caminhos diferentes, a riqueza da existência nas fronteiras é apontada pelas duas pensadoras. É nos espaços limítrofes que transformações e possibilidades surgem e é esse o lugar ocupado por três obras do cinema nacional: As boas maneiras (Juliana Rojas e Marco Dutra, 2017), Tremor Iê (Livia de Paiva e Elena Meirelles, 2018) e Um dia com Jerusa (Viviane Ferreira, 2020). As aproximações entre elas partem de sua retomada/reinvenção dos gêneros cinematográficos e pela presença de mulheres negras lésbicas como protagonistas. Três diferentes obras, três diferentes gêneros – terror/horror, ficção científica/distopia e melodrama, respectivamente – e três possibilidades de construção de imaginários.

    Em As boas maneiras, o terror/horror, é usado para contar a história de Ana (Marjorie Estiano), uma mulher branca e rica, e Clara (Isabél Zuaa), uma mulher negra e pobre, que se encontram quando a segunda torna-se babá do bebê ainda não nascido da primeira. A relação patroa-empregada, negra/branca, rica/pobre ganha mais uma camada quando as duas passam a envolver-se sexualmente. Essa é a narrativa contada na primeira metade do filme, que se encerra quando Ana morre no parto após dar à luz a seu bebê-lobisomem. Na segunda parte da trama vemos Clara, que se desdobra para cuidar da criança-monstro. Sustentar, cuidar, maternar são alguns dos temas que figuram ali.

    Tremor Iê conta a história de Janaína (Lila M Salu) que acaba de escapar de uma cadeia onde passou os últimos anos presa por participar de uma manifestação popular. Seu retorno é marcado pela descoberta da instauração de um golpe político no país. Percebendo que boa parte de suas companheiras de luta estão detidas, Janaína planeja, junto com Cássia (Deyse Mara), roubar os restos mortais do ditador Marechal Castelo Branco e usá-lo como moeda de troca com as novas autoridades brasileiras. Toda a trama política da obra é permeada pela vida das personagens que encenam a distopia que o país vive desde a invasão portuguesa em 1500.

    Em Um dia com Jerusa vemos a história de Silvia (Débora Marçal), uma jovem pesquisadora de mercado que está em mais um dia de trabalho quando tem seu caminho cruzado com o de Jerusa (Léa Garcia) que, no alto dos seus 77 anos, é a testemunha do cotidiano que a rodeia. O que era para ser uma simples arguição sobre marcas de sabão torna-se um processo de reencontro para as duas. De um lado, a jovem cheia de sonhos que se vê indo e voltando na trama de sua vida – as dúvidas sobre dividir ou não com a avó sobre sua orientação sexual, a espera angustiante pelo resultado de um concurso e as memórias de sua vida – e do outro uma senhora que deseja relatar as memórias que tem – os carnavais, as fotografias, o marido, os amores, a família e o rio Saracura em São Paulo. O melodrama se constrói nos gestos de narração, de fabulação, no espaço-tempo construído a partir de questões afetivas.

    Nos três filmes, os gêneros cinematográficos são retomados e revistos. Ainda que eles tragam em si múltiplos elementos que os ajudam a serem aproximados de determinados códigos, eles operam nas fronteiras do cinema de gênero, já que estão continuamente tensionando o que foi estabelecido nas microcadeias audiovisuais (ROSÁRIO; DAMASCENO, 2012, p.10). Os filmes não simplesmente reforçam a informação dada pelo centro, mas sim, a traduzem e a adaptam a partir do encontro com outras semiosferas.

    Esse espaço fronteiriço/borderland é reforçado quando se pensa nas protagonistas desses filmes, que diferem do que tradicionalmente é visto no cinema nacional. Elas surgem como feridas abertas que escancaram o trauma colonial (KILOMBA, 2019). Como cicatrizes, elas carregam tanto a experiência da opressão, quanto materializam um respiro da imagem. O desejo negro lésbico figurando para desestabilizar a cisheteronormatividade dominante (BRANDÃO; SOUSA, 2020, p. 110).

Bibliografia

    AMÉRICO, E. V. O conceito de fronteira na semiótica de Iúri Lotman. In: Bakhtiniana – Revista de estudos do discurso. São Paulo, 12 (1): 5-20, Jan./Abril. 2017
    ANZALDÚA, Gloria. Borderlands/La Frontera: La nueva mestiza. 1a edição . Madrid: Capitan Swing Libros, 2012.
    BRANDÃO, Alessandra; SOUSA, Ramayana Lira de. Bodylands para além da in/visibilidade lésbica no cinema: brincando com a água. Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, S.I., v. 2, n. 18, p. 98-118, dez. 2020.
    Kilomba, G. (2019c). Memórias da plantação: Episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro, RJ: Cobogó
    ROSÁRIO, Nísia Martins do; DAMASCENO, Alex. Cinema e Explosão: contribuições de yuri lotman à comunicação audiovisual. In: SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS INTERDISCIPLINARES DA COMUNICAÇÃO, Não use números Romanos ou letras, use somente números Arábicos., 2012, Fortaleza. XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Fortaleza: Intercom, 2012. p. 1-12.