Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Fabio Rodrigues da Silva Filho (UFMG)

Minicurrículo

    Trabalha com cinema em diferentes funções. Doutorando em comunicação na UFMG, é mestre pela mesma universidade e graduou-se na UFRB. Membro dos grupos Áfricas nas Artes e Poéticas da Experiência. Realizou os filmes “Tudo que é apertado rasga” (2019) e “Não vim no mundo para ser pedra” (2022). Compôs comissões de seleção de alguns festivais, a exemplo do FestCurtas BH (2019 a 2022) e CachoeiraDoc, festival junto ao qual vem contribuindo. É cartazista, cineclubista e crítico de cinema.

Ficha do Trabalho

Título

    Notas sobre a imagem enquanto materialidade rasgável

Seminário

    Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.

Formato

    Presencial

Resumo

    Tomando como ponto de partida o trabalho que temos realizado, cuja investigação pode ser resumido como uma tentativa de forjar uma ferramenta capaz de operar o corte por justiça ao ator e a atriz negra, propomos uma comunicação em torno da ideia de “rasgos na imagem”. Analisando diferentes obras, buscamos rastrear os usos desse termo e refletir a respeito da possibilidade de uma pequena história do ator e da atriz negra no cinema brasileiro a partir da construção de sua presença.

Resumo expandido

    Tomando como ponto de partida o trabalho que temos realizado, cujo programa de investigação pode ser resumido como uma tentativa de forjar uma ferramenta capaz de operar o corte por justiça ao ator e atriz negra, gostaríamos de propor aqui uma conversa em torno da noção de rasgo na imagem, que procuramos demonstrar visualmente em filmes como Tudo que é apertado rasga (2019) e Não vim no mundo para ser pedra (2022). Não se trata de precisar uma definição, mas operar uma rastreabilidade dos usos desse termo (e suas variações), bem como interrogar sua eficácia enquanto operador analítico e mesmo sua potência enquanto método – o rasgo que analiso, que vejo e pressuponho, é também o verbo conjugado que me faz sujeito implicado, interessado e em risco: “eu rasgo”.

    Rasgo: uma abertura, mas não só. Trata-se da precipitação de uma brecha com potencial de abertura e com notável caráter de intrusão. Algo da condição do gesto se mostra já na escolha da palavra: “gesto em seu fundo doloroso, sem fim, de valor incisivo”. A rigor, rasgar remete a um ponto de ruptura, mas também a um valor crítico e intempestivo, pelo contexto ou circunstância que ele mesmo chama. Supõe-se, com razão, a presença de uma dimensão violenta no gesto e na ação que ele descreve. Não pertencendo de completo à circunstância, porque tanto a marca quanto a excede, um rasgo emerge numa circunstância específica, ferindo o tecido, mostrando a pele subjacente ou o vazio outrora coberto.
    Numa interpretação freudiana da aparição de sintomas na pintura, Didi-Huberman (2013) pensa a rasgadura como “a primeira aproximação para quem renuncia às palavras mágicas da história da arte”. Atentando-se à posição do analista, em termos gerais, a provocação consistiria em pensar o acidente que se apresenta na representação como algo que escapa e desestabiliza o figural e o interpretável: sintoma seria o equivalente a uma potência de rasgadura, um resto, um impensável que atravessa a imagem e vem a nossos olhos; ou seja, uma potência de negativo que “rasga o saber à imagem daquilo que rasga a imagem”. Em diálogo com Fulana de Tal (2014), para a qual Bulbul em Alma no Olho (1973), rasga a tela do cinema, concordamos com a autora ao passo que tentaremos esboçar, aqui, como a imagem mesmo é rasgada. Nesse sentido, o ator duplamente, em um só ato, rasga a tela e a imagem. Se para Fulana, rasgar a tela se dá pela ocupação do “lugar de onde se fala, assumindo a direção, estabelecendo a luta para a auto representação”, reforçando a decisiva ruptura no regime de representação no cinema brasileiro, falamos rasgo na imagem porque tal como o gesto de realizar um todo vivo a partir dos restos de negativos, reunindo as sobras, acreditamos haver um trabalho do negativo na imagem e uma tomada desta enquanto materialidade rasgável.

    Ao longo desta comunicação, dialogaremos com diferentes obras com foco no pensamento a respeito da construção da presença do ator. Para isso, articulamos a noção de rasgo a de roubo da imagem: ainda sobre Alma no Olho, o problema que envolve o sujeito negro como um problema de imagem, o rapto e o roubo, são confrontadas a partir do rasgo da imagem e interpelacão do olhar. Seria preciso destacar, na esteira de Lino Gomes (2017), que toda construção da ausência se pretende produção de não existência. Eis então um pressuposto: em específico, para o trabalho dos atores negros no cinema, não necessariamente ausência construída significaria não-existência produzida. Se a construção da ausência pode ser lida também, nos termos de Martins (1995, p. 39) como o “cenário do invisível” – imagem sombreada que marca sua situação limite (do ator e da personagem negra) – a invisibilidade, discutiremos uma cena paralela que irrompe: a construção da presença pelo ator negro instaurando, no gesto em cena, na intrusão, a aparição “de si”, apesar e contra o ordenamento, rasgando “o fazer um papel de” e o tecido narrativo.

Bibliografia

    HALL, Stuart. Cultura e Representação. Org.: Arthur Ituassu. Trad.: Daniel Miranda e William Oliveira. – Rio de Janeiro: Ed. Puc-Rio : Apicuri, 2016.
    GOMES, Nilma Lino. O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017.
    DIDI-HUBERMAN, Georges. Diante da Imagem: questões colocadas aos fins de uma história da arte. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 2013.
    MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021. (Encruzilhada)
    ____________. A Cena em Sombras. São Paulo: Editora Perspectiva, 1995.
    FULANA DE TAL, Larissa. Rasgando a tela, quebrando a corrente. FICINE (site), maio/2014. Disponível em: http://ficine.org/rasgando-a-tela-quebrando-a-corrente/
    FREITAS, Kênia. Afrofabulando imagens: Tudo que é apertado rasgas. Catálogo do 23º Forumdoc (Festival do Filme Documentário e Etnográfico). Belo Horizonte: Associação Filmes de Quintal, 2019.