Ficha do Proponente
Proponente
- Bernard Belisário (UFSB)
Minicurrículo
- Pesquisador e professor da Universidade Federal do Sul da Bahia, possui graduação, mestrado e doutorado em Comunicação Social pela UFMG. Ministrou oficinas de audiovisual em programas da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte entre 2004 e 2008. Colaborou com o Vídeo nas Aldeias a partir de 2011, em oficinas junto a comunidades indígenas. Atuou como diretor, roteirista, finalizador e montador de filmes, videoarte e televisão. É integrante do Conselho Gestor da Agência de Iniciativas Cidadãs.
Ficha do Trabalho
Título
- Revolta no CAC: cinema com crianças em Venda Nova (BH)
Seminário
- Cinema e Educação
Formato
- Presencial
Resumo
- Propomos uma análise de uma das gravações realizadas por crianças de Venda Nova, periferia de Belo Horizonte, no âmbito das oficinas de audiovisual do Programa de Socialização Infanto-Juvenil (SMAS/PBH) em junho de 2005. O vídeo, filmado e editado na própria câmera em formato Hi8, acompanha um processo de crise vivido pelas crianças diante da sensação de injustiça, e seus desdobramentos, envolvendo educadores, gestores, guardas, mães e até um cachorro.
Resumo expandido
- Nesta apresentação, pretendemos retornar a uma experiência com o cinema realizado junto a crianças da região de Venda Nova em Belo Horizonte, realizada no âmbito das oficinas de audiovisual que ministrei no Programa de Socialização Infanto-Juvenil (6 a 14 anos), da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH), entre os meses de maio e julho de 2005 no Centro de Apoio Comunitário (CAC) de Venda Nova. O programa, concebido e coordenado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, foi implementado em parceria com associações civis, responsáveis pela contratação de educadores e pela realização das atividades de socialização, segundo as diretrizes da SMAS e da Política Nacional de Assistência Social (2004). No período em que realizei as oficinas de audiovisual, o CAC Venda Nova mantinha turmas regulares de crianças que frequentavam o espaço diariamente, no contraturno das suas atividades escolares. Devido à abrangência de idade das crianças atendidas pelo programa (6 a 14 anos), e às enormes diferenças que implica, as crianças do turno vespertino estavam divididas em duas turmas, com cada uma delas, uma educadora contratada pela ONG parceira da SMAS.
Duas tardes por semana, eu tomava o ônibus na Praça da Estação em direção à região norte de BH, levando uma câmera Hi8 compacta, microfone, tripé e cabos para as atividades da oficina que se iniciava às 14h e terminava às 16h. A oficina de audiovisual era realizada com uma das turmas vespertinas, com aproximadamente dez crianças entre 10 e 14 anos, moradoras da região.
A oficina consistia em dispositivos e atividades de filmagem e edição na própria câmera, e as propostas precisavam se realizar no tempo de um encontro. Oriunda das discussões e reflexões que vínhamos elaborando no âmbito da Associação Imagem Comunitária (Lima, 2006), era a noção de “jogo” (Huizinga, 2019; Spolin, 2010; Deleuze, 2015) que nos inspirou na criação de boa parte das propostas como as que levei às crianças do CAC Venda Nova.
As criações audiovisuais que as crianças realizaram partindo e modificando as propostas que eu apresentava foram as mais diversas: algumas ficções surreais; um experimento de dublagem de lagartas; um telejornal non sense; narrações improvisadas ao vivo para uma partida de futebol das crianças; registro do passeio em uma praça do bairro; algumas animações stop motion com brinquedos, desenhos ou massinhas (que demandaram edição posterior). Ainda que esses processos e resultados como um todo ofereçam um material interessante para uma reflexão sobre as possibilidades metodológicas e práticas do cinema e do audiovisual com crianças, interessa-nos retornar a uma experiência específica que marcou não só as oficinas como o próprio CAC Venda Nova em 2005.
Em uma tarde de junho, cheguei no CAC com o plano de iniciar a oficina exibindo o resultado da atividade que tínhamos realizado no encontro anterior, como sempre fazia. Entretanto, a poucos passos da entrada, um dos responsáveis pela gerência do espaço foi imediatamente falar comigo que eu poderia voltar para minha casa sem ministrar a oficina naquele dia. E me explicou que a turma com a qual eu vinha trabalhando estava revoltada e causando muitos problemas naquela tarde. Quando cheguei até a sala da turma, as crianças estavam arremessando cadeiras e mesas, tinham jogado pedras que quebraram os vidros das janelas, subido no telhado e arremessado telhas, derrubado as traves e os gols na quadra de esportes. Perguntei o que estava acontecendo para uma das crianças, que me explicou que a educadora da turma tinha acabado de receber um aviso de que seria demitida. Não havia dúvida de que não seria possível seguir com a oficina naquela situação, mas também não era possível virar as costas e ignorar o sentimento de injustiça que ardia nos olhos e nos gestos daquelas crianças. “Vocês querem filmar?”.
Propomos aqui uma análise da gravação que as crianças realizaram naquele dia.
Bibliografia
- DELEUZE, Gilles. O jogo ideal. In: _______. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 2015.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2019.
LIMA, Rafaela (org.). Mídias comunitárias, juventude e cidadania. Belo Horizonte: Autêntica/Associação Imagem Comunitária, 2006.
POLÍTICA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. Diário Oficial da União de 28 de outubro de 2004. Brasília: Imprensa Nacional, 2004.
SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 2010.