Ficha do Proponente
Proponente
- Ester Marçal Fér (UNICAMP)
Minicurrículo
- Doutoranda em Multimeios na UNICAMP, onde desenvolve pesquisa sobre processos de criação do roteiro no cinema brasileiro contemporâneo. Mestra em Comunicação pela Cásper Líbero e bacharela em Imagem e Som pela UFSCar. É Professora Assistente II no no curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). Possui experiência na gestão de políticas públicas e na realização audiovisual, com ênfase na criação de documentários para cinema e TV.
Ficha do Trabalho
Título
- Espaço e lugar no processo criativo do roteiro de Los Silencios (2018)
Seminário
- Estudos de Roteiro e Escrita Audiovisual
Formato
- Presencial
Resumo
- Apresenta o processo de criação do longa-metragem de ficção Los Silencios (2018) a partir dos conceitos teórico-metodológicos da crítica de processo (SALLES, 2016), utilizando como documentos de análise sinopses e tratamentos do roteiro. Observa, nos métodos da cineasta, o uso de procedimentos tanto das práticas de escrita da ficção quanto do documentário, a função dos espaços e lugares na construção da narrativa do filme, e reflete sobre os modos de produção e o projeto poético em questão.
Resumo expandido
- Recuperamos, neste trabalho, uma primeira aproximação (FÉR, 2020) ao processo criativo da roteirista e diretora brasileira Beatriz Seigner no desenvolvimento do roteiro de Los Silencios (2018), na qual recorremos à abordagem teórico-metodológica da crítica de processo, que propõe uma discussão teórica “a partir da relação com a experiência pela qual os artistas passam em seus processos (retirando) assim, a teoria que está implícita na prática artística, (oferecendo) uma abordagem crítica para a criação em sua natureza de complexas redes em construção” (SALLES, 2016:3).
Nossa intenção ao retomar essa análise é ampliar as discussões propostas naquele momento, considerando que o desenvolvimento de um roteiro cinematográfico, dada a sua complexidade, tanto como prática criativa-profissional como também objeto de pesquisa, pode ser definido como um “problema perverso” (BATTY et al., 2018). Ou seja, os limites do processo são porosos, os papéis e perspectivas envolvidas são numerosas, e os contextos culturais nos quais ele acontece são diversos. Portanto, tal multiplicidade de elementos em jogo nos permite levantar ainda algumas questões, entre elas, as relações entre os modos de produção e o projeto poético em construção, além do próprio conceito de desenvolvimento de uma ideia audiovisual (screen idea) (MACDONALD, 2013).
Ao investigar os procedimentos tradicionalmente utilizados no processo de roteirização do documentário, Puccini (2015) identifica a pesquisa de campo nas locações de filmagem como uma das possíveis fontes dentro da etapa da pesquisa, que pode se dar tanto antes quanto durante as filmagens. Contudo, as potencialidades dos espaços físicos não são comumente tratadas dentro da ortodoxia do roteiro: “Os manuais de roteiro, com sua ênfase na estrutura, geralmente ignoram a importância do lugar (.); e as locações muitas vezes se resumem a um cenário colorido para as personagens recitarem os diálogos” (MURPHY, 2014: 34, tradução minha).
No artigo “Where are you from? Place as a form of scripting in independent cinema”, J.J. Murphy (2014) argumenta que o lugar pode efetivamente funcionar como um elemento chave no processo de escritura do roteiro, especialmente no cinema independente; podendo cumprir funções temáticas, conceituais, estruturais, estilísticas e/ou intrínsecas nas narrativas. Murphy alerta ainda para a importante diferença entre lugar e locação, sendo esta uma simples coordenada geográfica, enquanto aquele teria implicações culturais, históricas e pessoais. A definição de lugar de Murphy vai ao encontro do pensamento da geógrafa Doreen Massey (2014), que define o “espaço como a dimensão de trajetórias múltiplas, uma simultaneidade de estórias-até-agora” (MASSEY, 2014: 49).
Espaço e lugar são conceitos que foram alçados a uma posição de relevância enquanto categorias de análise pelo chamado giro espacial (spatial turn) dos estudos nas ciências sociais e humanidades. Enquanto que nas análises de obras cinematográficas a utilização dessas categorias é facilmente encontrada, observa-se que elas ainda são raras nos estudos de processos de criação no cinema.
Nesse sentido, este estudo é parte integrante da pesquisa de doutorado em andamento, que pretende compreender as funções poéticas do espaço real nos processos de criação de roteiros no cinema brasileiro contemporâneo. Além das possibilidades já apontadas por Murphy, dentre elas a capacidade de adequação da ideia audiovisual a um modo de produção enxuto, típico das produções do cinema independente, apontamos para as possibilidades de compreensão dos elementos narrativos (personagens, conflitos, enredo, etc) dentro das estéticas do realismo e para além delas, e da promoção do encontro com dimensões coletivas do imaginário.
Bibliografia
- BATTY, C., O’Meara, R., Taylor, S., Joyce, H., Burne, P., Maloney, N., Poole, M., and Tofler, M. Script development as a “wicked problem”, Journal of Screenwriting 9:2, pp. 153–74, 2018.
FÉR, Ester M. O processo criativo do roteiro de Los Silencios: uma aproximação. Revista Epistemologias do Sul, v.4 no. 2 (2020), pp. 172-187.
MASSEY. D. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Trad: Hilda Maciel, Rogério Haesbaert. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2008.
MACDONALD, Ian M. Screenwriting Poetics and the Screen Idea. London and New York: Palgrave Macmillan, 2013. (e-book)
MURPHY, J. J. Where are you from? Place as a form of scripting in independent cinema, Journal of Screenwriting 5: 1, pp. 27–45, 2014.
PUCCINI, Sérgio. Roteiro de documentário: da pré-produção à pós-produção. Campinas: Papirus, 2015.
SALLES, Cecília Almeida. A complexidade dos processos de criação em equipe: Uma reflexão sobre a produção audiovisual. Universidade de São Paulo, 2016. [Relatório de Pós-doutorado]