Ficha do Proponente
Proponente
- Mariana Teixeira Elias (UNICAMP)
Minicurrículo
- Doutoranda do Programa de Multimeios do Instituto de Artes da Unicamp e Mestra em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua como membro da comissão assessora da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Unicamp onde é bolsista Funcamp no projeto “Vidas Refugiadas: Trajetórias de Migração e Refúgio no Brasil”. Também é membro do Grupo de Pesquisa “Trajetórias sem fronteiras: cinemas do refúgio contemporâneo” (Unicamp).
Ficha do Trabalho
Título
- Imagens indesejáveis: Água Prateada, um autorretrato da Síria
Seminário
- Outros Filmes
Formato
- Presencial
Resumo
- A comunicação propõe a análise do documentário Água Prateada, um autorretrato da Síria (2014) de Wiam Bedirxan e Ossama Mohammed como ponto de partida para a discussão de um novo estilo cinematográfico no campo dos documentários, o de filmes com a temática do refúgio contemporâneo realizados pelos próprios refugiados, considerados “pessoas indesejáveis” no contexto geopolítico contemporâneo (AGIER, 2008).
Resumo expandido
- “Água Prateada, um autorretrato da Síria” (2014), começa com o seguinte aviso: “Este é um filme feito com 1001 imagens. Gravado por 1001 homens e mulheres sírias. E eu. Eu vi”. Realizado pelos cineastas sírios Ossama Mohammed e Wiam Simav Bedirxan o filme dá voz às próprias vítimas, fazendo uso de imagens reais, gravadas por centenas de sírios que assumem o papel que antes era dado apenas a consagrados fotógrafos de guerra. As fotografias eram um meio de tornar acontecimentos catastróficos “mais reais” aos olhos daqueles que costumam ignorá-los; “olhem, dizem as fotos, é assim. É isto que a guerra faz. E mais isso, também isso a guerra faz. A guerra dilacera, despedaça. A guerra esfrangalha, eviscera. A guerra calcina. A guerra esquarteja. A guerra devasta” (SONTAG, 2003). Com o advento dos equipamentos multifuncionais capazes de captar imagens – pequenos, leves e equipados com câmeras filmadoras -, o vídeo toma parte da função que, anteriormente, era destinada à fotografia e torna possível o testemunho e sua disseminação por qualquer um que tenha acesso a estes aparatos eletrônicos.
Água Prateada é dividido por capítulos que mesclam imagens encontradas online por Mohammed, editadas em um processo de found footage – vídeos-testemunhos amadores, feitos a partir de celulares, com baixa resolução e textura pixelada – com as feitas por Simav dentro do cerco. Enquanto as dele, distante do front, trazem cenas explícitas – planos abertos de pessoas mortas em meio a ruínas e escombros, closes em rostos ensanguentados, homens sendo torturados -, as dela, paradoxalmente em meio ao front, são contemplativas – planos de ruas desertas, a paisagem dos prédios destruídos, crianças em escolas improvisadas, animais que vagam perdidos pelo que antes era uma cidade -. A junção das duas perspectivas, desses olhares de dentro e de fora da guerra, potencializa o filme e fixa sua narrativa em imagens como um ato de resistência e denúncia, o testemunho da câmera em primeira pessoa funciona como uma “estrutura de transição entre memória e história” (RICOEUR, 2007), pois os narradores são as próprias vítimas, os sujeitos indesejáveis (AGIER, 2008), que atestam ter vivenciado a experiência, fornecendo credibilidade ao testemunho, transformando os filmes em documentos que auxiliam a compreensão histórica dos fatos, auxiliando na construção de uma história que caminha pelas bordas, pelas margens, além das fronteiras, ou seja, “uma história no contrapelo da denominada história oficial” (MACIEL, 2019).
Sujeitos indesejáveis produzem imagens indesejadas? Partimos da hipótese de que – assim como os sujeitos que as produzem-, suas imagens também são “indesejáveis”. Algo que fica patente quando analisamos a distribuição e a divulgação do filme e nos deparamos com a tímida circulação e consequentemente, com a pouca visibilidade por ele alcançada. É necessário questionarmos o porquê da invisibilidade dessas imagens, assim como Susan Sontag quando indaga seu leitor a respeito da recepção de imagens da guerra: “o que a representação da crueldade provoca em nós? Somos insensibilizados – ou mesmo incitados – à violência?” e continua, “Nossa percepção da realidade terá sido desgastada pelo bombardeio diário dessas imagens? Ainda nos importamos com o sofrimento de povos distantes em regiões vitimadas pela guerra?” (SONTAG, 2003). Sobre isso, Jean Comolli reflete que “sabemos muito bem o quanto, de tanto ver, não vemos mais, e quantos dilúvios de sangue, de ouro e de excrementos é preciso juntar ao visível para que ele seja apenas percebido” (COMOLLI, 2008).
A pesquisa se articula sobretudo pela análise do documentário, levando em consideração o respectivo contexto histórico em que as imagens foram produzidas e colaborando para a delimitação de um estilo cinematográfico com a temática do refúgio, fomentando a discussão sobre o tema e tornando visíveis as narrativas dos indesejáveis.
Bibliografia
- AGIER, Michel. Gérer les indésirables: Des camps de réfugiés au gouvernement humanitaire. Paris: Flamarion, 2008.
AGIER, Michel. Indésirable, un concept politique. França, 12 de janeiro de 2022. Disponível em: https://aoc.media/analyse/2022/01/11/indesirable-un-concept-politique/ Acesso em: 1 de fevereiro de 2022.
COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder. A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Tradução: Augustin de Tugny, Oswaldo Teixeira e Ruben Caixeta. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.
MACIEL, Ana Carolina Delfim de Moura. Memória e Direitos Humanos: O conflito sírio em sons e imagens. 2019. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/direitos-humanos/memoria-e-direitos-humanos-o-conflito-sirio-em-sons-e-imagens. Acesso em: 19 mar. 2021.
SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. Tradução: Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
TENÓRIO LUNA, SABRINA. Found footage e documentário: construções e dimensões da imagem. DOC On-line, Portugal.