Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Letícia Xavier de Lemos Capanema (UFMT)

Minicurrículo

    Professora da Pós-graduação em Comunicação e do bacharelado em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)

Ficha do Trabalho

Título

    O inimigo invisível: memórias de um futuro pandêmico

Formato

    Remoto

Resumo

    A partir de um breve percurso sobre as formas de representação visual de epidemias e pandemias que acometeram a humanidade, busca-se discutir, de modo correlacionado, os aspectos estéticos, narrativos e discursivos da visualidalidade de inimigos invisíveis (vírus, germes e bactérias). Tal discussão se detém nas representações audiovisuais (distópicas, catastróficas e pandêmicas) que narram experiências de crises sanitárias, ficcionais ou não, anteriores e posteriores à pandemia de covid-19.

Resumo expandido

    A história da visualidade do mal microscópico – provocado por vírus, germes e bactérias – relaciona-se diretamente à história das técnicas de observação e de representação visual (CRARY, 2012). Os diversos aparelhos criados para prolongar a capacidade do olho de perceber o mundo visível, desde as primeiras lupas até os modernos microscópios, bem como os regimes de representação visual, anteriores e posteriores à perspectiva renascentista, chegando à emergência da fotografia, do cinema e de outras formas correlatas de “realismo”, têm pautado o imaginário coletivo referente a epidemias e pandemias. Na representação do mal que não se vê, as formas expressivas audiovisuais atuam ao materializr visualidades e sonoridades, factuais e ficcionais, de um inimigo imperceptível a olho nu. Há mais de um século, a cultura audiovisual têm contribuído para a construção desse imaginário, povoando de imagens e sons a experiência da contaminação dramatizada à exaustão nas mais diversas telas.

    Como observou Susan Sontag (2020), os filmes de ficção científica não tratam de ciência. Tratam da catástrofe. No cinema catastrófico, o prazer do público se encontra na contemplação do desastre, apreciado à distância e com segurança. No entanto, em 2020, a eclosão da pandemia de covid-19 provocou uma espécie de choque entre o imaginário e a realidade pandêmica. “O mundo ameaçado por coronavírus não se parece com filmes apocalípticos de Hollywood”, diz o filósofo Slavoj Zizek (2020). “Precisamos urgentemente de novos roteiros, novas histórias que forneçam uma espécie de mapeamento cognitivo, uma noção realista e ao mesmo tempo não catastrófica de onde deveríamos estar indo. Precisamos de uma nova Hollywood pós-pandêmica” (ZIZEK, 2020).

    Neste estudo, busca-se refletir sobre a visualidade de inimigos invisíveis (vírus, germes e bactérias) não apenas como decorrência de técnicas e regimes estéticos de representação, mas sobretudo como construção narrativa e como sintoma de aspectos discursivos e políticos. As formas de representação da presença deletéria daquilo que não se vê são reveladoras de relações de poder que atravessam as realidades sócio-políticas de epidemias e pandemias. A ameaça do terror microscópico (quanto mais invisível, mais assustadora é a ameaça) torna-se terreno fértil para que se prolifere discursos fanático-religiosos, xenófobos e segregadores que, na falta de um vilão personificado, elegem inimigos de conveniência (o estrangeiro, o adversário político, o outro).

    A partir de um breve percurso sobre o modos de representação de inimigos invisíveis, propõe-se analisar produções audiovisuais (catastróficas e pandêmicas) que precedem e que são concomitantes à crise sanitária de covid-19. Parte-se da ideia de que “filmes fornecem importantes insights dentro da composição psicológica, sociopolítica, e ideológica de uma sociedade e cultura em um determinado ponto da história” (KELNNER, 2016). Assim, são discutidos dois grupos de produções audiovisuais. O primeiro compreende os filmes “Contágio” (Steven Soderbergh, 2011) e Flu (Kim Sug – Su, 2013) – grandes produções do cinema catástrofe realizadas poucos anos antes da eclosão da crise sanitária de 2020. O segundo grupo congrega produções realizadas durante o período mais acirrado da crise do coronavírus, como “Me cuidem-se! Um filme processo” (Cavi Borges, 2020) e a série “Homemade” (Pablo Larraín, 2020) – obras que revelam outras estéticas, narrativas e modos de produção submetidos às restrições de biossegurança, acionando estratégias, como a produção caseira (elenco e equipes reduzidas, narrativas circunscritas ao espaço doméstico), o screenlife (uso das telas de dispositivos como recurso visual e narrativo), e as equipes remotas (produções remotamente colaborativas). Por meio da análise comparativa entre esses dois grupos, tão distintos, de produções audiovisuais, discute-se as formas contemporâneas pré e pós pandêmicas de narrar e representar o inimigo invisível.

Bibliografia

    BUTCHER, Pedro. Cinema catástrofe, prazer estético e política. Revista Contracampo: Niterói, s/d.

    CRARY, Jonathan. Técnicas do observador: visão e modernidade no século XIX. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012.

    KELNNER, Douglas. O apocalipse social no cinema contemporâneo de Hollywood. In: Revista Matrizes, vol. 10, núm. 1, janeiro-abril, 2016, pp. 11-26

    SONTAG, Susan. A imaginação da catástrofe. In: Contra interpretação e outros ensaios. São Paulo: Cia das Letras, 2020.

    SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. São Paulo: Cia das Letras, 2003.

    SONTAG, Susan. Doença como metáfora. São Paulo: Companhia de Bolso; 2007.

    VENTOSA, Roger Ferrer. Infección controlada. Maneras de representar el estado de excepción en el cine de pandemias. Laocoonte. Revista de estética y teoría de las artes vol. 2, no 2, 2015.

    ZIZEK, Slavoj. Mundo ameaçado por coronavírus não se parece com filmes apocalípticos de Hollywood. In: Ilustríssima, Folha de São Paulo, abril, 2020.