Ficha do Proponente
Proponente
- Mateus Araujo Silva (ECA-USP)
Minicurrículo
- Doutor em filosofia (Sorbonne e UFMG), professor Livre-Docente de teoria e história do cinema na ECA-USP, ensaísta e tradutor. Organizou os livros Glauber Rocha / Nelson Rodrigues (2005), Jean Rouch 2009: Retrospectivas e Colóquios no Brasil (2010), Straub-Huillet (2012), Charles Chaplin (2012), Jacques Rivette (2013), Godard inteiro ou o mundo em pedaços (2015), O cinema interior de Philippe Garrel (2018), Glauber Rocha: crítica esparsa (2019) e Glauber Rocha: O Nascimento dos deuses (2019).
Coautor
- Livia Azevedo Lima (ECA-USP)
Ficha do Trabalho
Título
- Posteridades de Limite (Mário Peixoto, 1931) no Cinema Brasileiro
Seminário
- Cinema Comparado
Formato
- Presencial
Resumo
- A comunicação questiona o postulado historiográfico segundo o qual Limite (Mário Peixoto, 1931) não teve precursores nem sucessores no Brasil. Atendo-nos ao caso dos seus sucessores, apontamos três dimensões da sua posteridade no cinema brasileiro: 1) a iconografia que reforça o motivo do marasmo e da morte em meio a situações de precariedade material de vilarejos remotos; 2) a narrativa estruturada pelo retrospecto agônico dos personagens; 3) o trabalho de autonomização visual da câmera.
Resumo expandido
- Resultado de uma parceria intelectual em andamento entre os proponentes Mateus Araújo (ECA-USP) e Livia Azevedo Lima (Doutora pela ECA-USP), a comunicação procura questionar um arraigado postulado historiográfico segundo o qual o filme Limite (Mário Peixoto, 1931) não teria conhecido precursores nem sucessores no ambiente cultural brasileiro. Concentrando-nos na discussão sobre os sucessores e deixando para outra ocasião os eventuais precursores, elegemos aqui um leque de relações travadas com o filme pelo cinema brasileiro dos anos 1940 em diante, privilegiando três frentes de comparação.
A primeira delas diz respeito à visualidade: a presença de uma iconografia que reforça o leitmotiv da morte e do marasmo em meio a uma situação de precariedade material de vilarejos remotos, sejam eles litorâneos, sejam eles interioranos. Essa iconografia se constrói pelo contraste da paisagem humana e arquitetônica com a natureza, e um dos elementos de síntese dessa questão é a figura do urubu, animal que se alimenta da carne apodrecida e aparece em momentos-chave de Limite. Essa imagem, entre outras que procuraremos destacar, é marcante em uma linhagem de filmes que vai do inacabado A mulher de longe (Lúcio Cardoso, 1949) ao documentário Arraial do Cabo (Paulo César Saraceni e Mário Carneiro, 1959) e a Porto das Caixas (Saraceni, 1962), onde revemos o caminhar de uma personagem em estradas poeirentas com mato alto, e a luz clara do sol escaldante a acelerar a decomposição de uma rés morta.
A segunda frente de comparação volta-se para uma forma narrativa estruturada pelo retrospecto agônico dos protagonistas. Informados pela pesquisa de José Pasta sobre o ponto de vista da morte na produção artística brasileira, destacaremos aqui a importância da ideia conexa (mas não idêntica) de agonia, o estado que precede a morte e frequentemente alcança contornos alucinatórios integrados pelo filme. Presente em Limite, essa forma reaparece em filmes diversos como Rio Zona Norte (Nelson Pereira dos Santos, 1957), Terra em Transe (Glauber Rocha, 1967) e Toda Nudez será castigada (Arnaldo Jabor, 1972).
A terceira e última frente de comparação diz respeito a um trabalho com a câmera que, tributário das experimentações do fotógrafo Edgar Brasil no filme de Peixoto, tende a emancipá-la das exigências da dramaturgia, conferindo-lhe maior liberdade visual. Tal trabalho foi reivindicado e praticado pelo cineasta Júlio Bressane e seu fotógrafos na maioria de seus filmes de maturidade, de Agonia (1976) em diante, passando por Tabu (1982), Brás Cubas (1986), Sermões (1989) e chegando aos seus filmes mais recentes.
Neste mapeamento, interessa-nos não só flagrar contraexemplos que evidenciem as dificuldades do postulado da insularidade histórica de Limite como também perceber um tecido de relações travadas por outros filmes com a obra-prima de 1931 – relações objetivas, verificáveis nos filmes. Tais laços se estabelecem pela metodologia do cinema comparado, que nos permite reunir um conjunto de filmes independentemente da questão factual (não ociosa do ponto de vista historiográfico, mas não determinante do ponto de vista crítico) sobre quais cineastas, ao longo das décadas, puderam ver Limite e quando cada encontro se deu. Além disso, nos interessa observar esse conjunto de filmes para além do mero endosso ou da mera recondução de clivagens tradicionais entre arte intimista, introspectiva ou metafísica de um lado, e arte social, engajada, política, de outro. Já sedimentadas pela historiografia tanto da literatura quanto do cinema no Brasil, tais clivagens não carecem de lastro e plausibilidade, mas nos parecem hoje menos sugestivas para uma revisita renovada à produção cinematográfica brasileira, capaz de pensar junto e ao mesmo tempo a formalização artística e o nexo dos filmes com a vida social.
Bibliografia
- AVELLAR, José Carlos. “Um lugar sem limites”. Cinémas d’Amérique latine, 16, 2008, p.32-64.
BRESSANE, Júlio. “Deslimite” e “O Experimental no cinema nacional”. In: Alguns. Imago, 1996, p.21-5 e 35-40
CONDE, Maite. Foundational Films – Early Cinema and Modernity in Brazil. Univ. of California Press, 2018
LIMA, Livia Azevedo. Trilogia da Paixão: Paulo Cezar Saraceni leitor de Lúcio Cardoso.[Doutorado]. ECA-USP, 2022.
LOPES, Denilson. Mário Peixoto antes e depois de Limite. E-galáxia, 2021.
MELLO, Saulo Pereira de. Limite: filme de Mário Peixoto. Funarte, 1978.
______. Limite. Rocco, 1996.
PASTA, José. “O ponto de vista da morte: uma estrutura recorrente na cultura brasileira”. Revista da Cinemateca Brasileira, n. 1, 2012, p. 6-15
PEIXOTO, Mário. Limite: “scenario” original. Sette Letras, 1996
______. Escritos sobre cinema. Aeroplano, 2000
ROCHA, Glauber. Revisão crítica do cinema brasileiro. Cosac Naify, 2003
______. Crítica esparsa. Org. Mateus Araújo. Fundação Clóvis Salgado, 2019