Ficha do Proponente
Proponente
- JOSE CLAUDIO S CASTANHEIRA (UFF)
Minicurrículo
- José Cláudio Siqueira Castanheira é doutor em comunicação pela Universidade Federal Fluminense, com estágio doutoral na McGill University – Canadá. É professor do Departamento de Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Ceará. É líder do grupo de pesquisa GEIST (Grupo de Estudos em Imagens, Sons e Tecnologias) – CNPq. Pesquisador nas áreas de cultura digital, música, estudos do som e cinema.
Ficha do Trabalho
Título
- Tecnofilia: modos de ver e ouvir, tecnologias e colonialidade
Seminário
- Exibição cinematográfica, espectatorialidades e artes da projeção no Brasil
Formato
- Presencial
Resumo
- O contexto em que a cinefilia e a audiofilia ganham importância é aquele dentro do qual são desenvolvidos novos padrões técnicos de produzir e consumir filmes e músicas. A cinefilia era vista por muitos de seus praticantes como uma forma de “aprender a ver” (Baecque, 2010). A audiofilia definiu formas de se relacionar com o material sonoro e rígidos protocolos de controle técnico. A padronização de elementos técnicos e estéticos sujeita produções locais a uma dependência de soluções externas.
Resumo expandido
- A partir de meados do século XX, dois fenômenos se tornam particularmente relevantes em termos culturais. O contexto histórico-econômico em que a cinefilia e a audiofilia ganham importância é aquele dentro do qual são desenvolvidos novos padrões técnicos de produzir e consumir filmes e músicas. O apelo a uma sofisticação dos mecanismos de gravação e reprodução apresentava-se, de maneira similar, também na exigência de modos mais rebuscadas de ver e ouvir. As práticas identificadas com esses dois fenômenos se propunham a distinguir entre manifestações estéticas consideradas “vulgares”, vinculadas à indústria cultural ou às manifestações mais populares, daquelas esteticamente legitimadas por saberes mais refinados. A cinefilia era vista por muitos de seus praticantes como uma forma de “aprender a ver” (Baecque, 2010). A audiofilia, da mesma forma, construiu um repertório de formas de se relacionar com a música e outros sons gravados que, além de exigir um repertório ampliado dos ouvintes, também instituiu rígidos protocolos de controle técnico.
O fator estético (a ideia de que recursos técnicos não padronizados podem produzir produtos artísticos diferentes, mas igualmente memoráveis) costuma ser sugerido como uma espécie de contrapeso, em países como o Brasil, para uma relação desigual com outros países que produzem e licenciam tecnologias de som e imagem. No entanto, não esconde consequências a nível econômico, político ou social quanto à circulação e percepção desta produção como relevante do ponto de vista global. Outro lado do problema é a estigmatização da produção artístico-cultural nesses países por não estar devidamente adaptada a um padrão internacional. Exemplo disso é a fama que o cinema brasileiro adquiriu, décadas atrás, de ter um som ‘ruim’.
Vale lembrar que a “chegada” do gravador Nagra (que se tornou o padrão internacional para gravação direta de som em filmes até a passagem para o digital) ao Brasil e a formação de profissionais do cinema para sua operação foi descrita como um como um divisor de águas no modo de produção cinematográfico brasileiro (CARRILHO, 2003; HAMBURGUER, 2020). A chamada missão Sucksdorff, em 1962, liderada pelo documentarista sueco Arne Sucksdorff, fazia parte de um projeto da UNESCO para apoiar futuros cineastas e técnicos em países em desenvolvimento. O pretexto era ajudar a modernizar a produção cinematográfica nesses países, mas também ajustá-la a uma forma globalizada de fazer cinema.
Ao mesmo tempo, publicações como a Cahiers du Cinèma, criada em 1951 por críticos e cineastas franceses, funcionava como instância de legitimação estética, estabelecendo um outro nível de influência sobre produções de diferentes países. Cineastas e filmes legitimados midiática e culturalmente inserem-se em um circuito que é constituído por relações de colonialidade tanto nos aspectos técnicos quanto criativos. Na verdade, os dois são inseparáveis.
Este trabalho abordará algumas dessas formas de se relacionar com os produtos audiovisuais em suas dimensões técnica, histórica, social, estética e política. O discurso tecnológico no campo audiovisual reflete ao mesmo tempo um pensamento teleológico em que as inovações técnicas estão associadas a um inevitável avanço na qualidade dos produtos culturais, produzindo “narrativas de impacto” (Sterne, 2013) como podemos ver em alguns termos presentes nas cronologias midiáticas: “o advento do som no cinema”, “a revolução digital”, etc. Ao mesmo tempo, a padronização de protocolos na cadeia produtiva se reflete nas diferentes produções locais, sujeitas e dependentes de soluções externas. Essa condição, que chamarei aqui de “tecnocolonialidade”, tem consequências econômicas, mas também estéticas, prejudicando o desenvolvimento dos saberes e modos de fazer locais.
Bibliografia
- BAECQUE, Antoine de. Cinefilia: invenção de um olhar, história de uma cultura, 1944-1968. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
CARRILHO, A. O cinema brasileiro e a missão Sucksdorff. Revista de Cinema, 41(44), 2003.
CASTANHEIRA, J. C. S. Studio Sounds: Digital Tools and Technocolonialism. In: CÁRDENAS, Alejandra. (ed.) Border-Listening/Escucha-Liminal. Berlin: Radical Sounds Latin America, 2020, p. 106-119. Disponível em:: http://radicalsoundslatinamerica.com/2020/11/24/studio-sounds-digital-tools-and-technocolonialism/
HAMBURGER, E. Arne Sucksdorff professor incômodo no Brasil. In: Doc On-line, n. 27, março de 2020, www.doc.ubi.pt, pp. 81-108. Disponível em: http://ojs.labcom-ifp.ubi.pt/index.php/doc/article/view/720 Acesso em 28/08/2021.
STERNE, J. The audible past: cultural origins of sound reproduction. Durham: Duke University Press, 2003.