Ficha do Proponente
Proponente
- Edson Pereira da Costa Júnior (Unicamp)
Minicurrículo
- Pesquisador de pós-doutorado no Instituto de Artes da Unicamp, com bolsa FAPESP (21/02448-5). Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA-USP (14/09365-4)
Ficha do Trabalho
Título
- Figuras do coletivo nos cinemas negros
Seminário
- Cinemas negros: estéticas, narrativas e políticas audiovisuais na África e nas afrodiásporas.
Formato
- Presencial
Resumo
- A proposta da comunicação é analisar as estratégias políticas e os meios formais mobilizados pelos cinemas negros brasileiros da década de 2010 a fim de propor um liame entre a experiência de um indivíduo e a histórico-social de um grupo. Identifica-se tal configuração em filmes que exploram os eventos e as sequelas das afrodiásporas a partir do investimento numa dimensão corpóreo-subjetiva dos sujeitos em cena, em vez de recorrer, como no cinema moderno, às personificações alegóricas.
Resumo expandido
- A proposta da comunicação é analisar as estratégias políticas e os meios formais mobilizados pelos cinemas negros brasileiros da década de 2010 a fim de propor um liame entre a experiência de um indivíduo e a experiência histórico-social de um grupo – no limite, de uma comunidade. A justificativa para tal recorte remonta à recorrência, sobretudo em filmes que exploram os eventos e as sequelas das afrodiásporas, de regimes de figuração orientados pela formação ou fabulação de redes de parentesco e filiação entre a vida de pessoas negras.
Interessa pensar, em primeiro lugar, como os processos históricos são particularizados a partir de uma ênfase na corporeidade e na subjetividade de indivíduos. Posteriormente, em que medida essa configuração não perde de vista a experiência coletiva, forjada em termos de uma identidade na diferença, em lugar de uma totalidade ou homogeneidade. Tal perspectiva, acreditamos, toca de perto o entendimento de que a escrita da história negra pode ser feita “com base em fragmentos, convocados para relatar uma experiência em si mesma fragmentada, a de um povo pontilhado lutando para se definir não como um compósito absurdo, mas como uma comunidade cujas manchas de sangue são visíveis em toda a modernidade” (MBEMBE, 2014, p. 60).
Espera-se demonstrar como o regime de figuração do coletivo nos cinemas negros recentes demarca um flagrante contraponto diante daquele realizado, a partir de personagens negros – e/ou nordestinos –, no cinema moderno brasileiro. À luz de um debate originalmente desenvolvido nas ciências sociais, a propósito da identidade nacional e das interpretações conflitantes do Brasil como formação nacional, realizadores do Cinema Novo se apropriaram da imagem do negro como símbolo sinedóquico, metáfora para o “povo” pobre, periférico e oprimido. O coletivo ali somente existia em detrimento da conversão do sujeito em abstração. “Rio Zona Norte” (1955), de Nelson Pereira dos Santos, apontava para a linha a ser adotada pelos realizadores cinemanovistas, a saber, a de “denunciar a exploração de que é vítima o negro, mas sem se deter em uma análise racial, uma vez que o negro está englobado na massa multirracial dos pobres e oprimidos” (SENNA, 1979, p. 216).
A figuração do coletivo no cinema moderno dependia, entre outros meios, da conversão da pessoa negra numa personagem alegórica capaz de condensar o destino de um grupo, uma classe, uma raça, ou mesmo do país. Tal gênero de personagem opera a partir de ações de personificação ou de alusão tópica, com agentes que se destinam a representar ideias abstratas ou, por outro lado, pessoas reais e históricas. Suas aparições são geralmente caracterizadas por um estreitamento do significado, uma constrição temática que as enquadra dentro de uma vida de pouca variação, de obsessão com uma ideia. Incapazes de controlar o seu destino, esses agentes parecem, por vezes, mobilizados ou controlados por uma força externa, além do próprio ego (FLETCHER, 1964). Conforme pontua Xavier (2012, p. 39), a personagem alegórica tende “ao diagramático, à constelação de traços marcantes que as insere num sistema de oposições bem nítidas e, no limite, elas se compõem de modo a escancarar sua condição de ‘personificações’ de forças dentro de um mundo hierarquizado”.
Elegendo como centro da análise fílmica o corpo, seja o filmado, seja o resultante de processos de figuração, demonstrar-se-á como os cinemas negros recentes secundarizam ou colocam sob suspeita as personagens alegóricas, típicas de obras modernas. Em filmes como os de Michelle Mattiuzzi, Rodrigo Ribeiro, Aline Motta e Ana Pi, investe-se, pois, numa dimensão corpóreo-subjetiva da experiência para, somente depois, reverberá-la sob um diapasão mais amplo, num movimento pendular entre o individual e o coletivo.
Bibliografia
- AKOMFRAH, John. Memory and the Morphologies of Difference. In: GALASSO, Elisabetta; SCOTINI, Marco. Politics of Memory: Documentary and Archive. Berlim: Archive Books, 2017.
BARROS, Laan Mendes de; FREITAS, Kênia. Experiência estética, alteridade e fabulação no cinema negro. ECO-Pós, v, 21, n. 3, pp. 97-121, 2018.
CARVALHO, Noel dos Santos; DOMINGUES, Petrônio. A representação do negro em dois manifestos do cinema brasileiro. Estudos Avançados, 31 (89), 2017.
FLETCHER, Angus. Allegory: The Theory of Symbolic Mode. Londres: Cornell University Press, 1964.
MBEMBE, Achille. Crítica da Razão Negra. Tradução de Marta Lança. Antígona: Lisboa, 2014.
SENNA, O. Preto-e-branco ou colorido: o negro e o cinema brasileiro. Revista de Cultura Vozes, ano 73, v. LXXIII, n.3, p.211-26, 1979.
XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012.