Ficha do Proponente
Proponente
- Milene Migliano Gonzaga (UFRB)
Minicurrículo
- Professora em Cinema e Audiovisual do Centro de Artes, Humanidades e Letras da UFRB e membra do GEEECA – UFRB. Mestre em Comunicação e jornalista com formação complementar em Cinema pela UFMG, é pós doutora pelo PPGCOM-ESPM/SP, integrante do GP CNPq Juvenália: questões estéticas, geracionais, raciais e de gênero em comunicação e consumo e da Filmes de Quintal. É autora de “Entre a Praça e a Internet: outros imaginários políticos possíveis na Praia da Estação”, lançado em 2020, pela Editora UFRB.
Coautor
- Leticia Machado Santinon (UFRB)
Ficha do Trabalho
Título
- ENUNCIAÇÕES DE CRIANÇAS NO CINEMA DOCUMENTÁRIO PARA FABULAR FUTUROS
Seminário
- Cinema e Educação
Formato
- Presencial
Resumo
- Com Mutirão: O filme, de Lincoln Péricles, Olhos de Êre, de Luan Manzo e Pohã Re’yi – A família dos remédios, da Associação Añetete da Comunidade Indígena Guaiviry, propomos uma constelação fílmica anticolonial para aprender e apreender cinema em contextos nos quais protagonizam enunciações de crianças: uma menina negra da periferia em São Paulo, um menino negro que vive em um quilombo/terreiro nas bordas de Belo Horizonte e uma menina Guarani Kaiowá que vive em exíguo território indígena no MS.
Resumo expandido
- Considerando as potências da democratização dos meios de comunicação e contextualizando as vozes diversas que produzem narrativas audiovisuais, pretendemos analisar com a proposta metodológica de constelação fílmica, elaborada por Mariana Souto, três filmes realizados e protagonizados por crianças. Olhos de Erê, de Luan Manzo, Mutirão: O filme, de Lincoln Péricles, e, Pohã Re’yi – A família dos remédios, de Joilson Brites, Jhonathan Gomes, Wagner Gomes e Anailson Flores, da Associação Añetete da Comunidade Indígena Guaiviry. Investigando os desvios da ficção e contaminações na escritura de filmes documentário no século XXI, situamos a oportunidade de pensar com essas crianças e jovens a formação de público crítica aos modos narrativos espetaculares. O real produz e possibilita sua expressão, autorrepresentação e legitimação enquanto realizadoras e realizadores brasileiros, o que Paulo Freire chamou de respeito à autonomia do ser do educando.
Os três filmes provocam dissenso ao incluir narrativas de crianças que convocam os saberes ancestrais e a construção de comunidades, inscrevendo a contrapelo da narrativa colonial dominante. “Dissenso quer dizer uma organização do sensível na qual não há realidade oculta sob as aparências, nem regime único de apresentação e interpretação do dano que imponha a todos a sua evidência”. (RANCIÉRE, 2017, p. 48) e assim somos conduzidas aos encontros com os filmes de nossa constelação. Em Olhos de Erê, uma criança nos guia no terreiro de candomblé da sua avó, inserido em uma comunidade quilombola. Através dos olhos deste erê, descobrimos o espaço religioso e comunitário a partir de seus símbolos e objetos. O religioso como saber e prática ancestral, troca e partilha entre gerações da mesma e de diversas famílias. A edificação de uma comunidade é o mote de Mutirão: O filme, por meio das fotos que fizeram parte da construção de seu bairro na década de 1990, a narradora apresenta a ancestralidade pelo tangível, casa e trabalho coletivo para o fortalecimento do comum. Os saberes da e em relação com a natureza é o que assistimos em Pohã Re’yi – A família dos remédios, no filme uma garota guarani kaiowá está aprendendo sobre as plantas medicinais e como prepará-las. Ao mesmo tempo que aprende as ervas, escuta histórias de como a floresta foi tomada e modificada ao longo dos anos, prejudicando sua aldeia em detrimento da monocultura latifundiária. O ancestral é convocado na atualização, chamamento e consequente preservação dos saberes originários de seu povo.
Em “Desventuras do pensamento crítico”, Rancière relaciona o dissenso com o processo de subjetivação política; depois de reconhecer um dano, reclamá-lo e torná-lo público, é chegada a hora de compreender “a inteligência coletiva da emancipação (que) não é a compreensão de um processo global de sujeição. É a coletivização das capacidades investidas nessas cenas de dissenso” (RANCIÈRE, 2017, p.49) “(…) na ação de capacidades não contadas que vêm fender a unidade do dado e a evidência do visível para desenhar uma nova topografia possível.”(Idem).
Os filmes aqui em questão nos apresentam uma conexão com a nossa história e a ancestralidade como parte de uma educação crítica. Célia Xakriabá nos diz que a intelectualidade indígena não está apenas na elaboração do pensamento que acontece na mente, mas sim nas mãos e em todo o corpo. “Todo corpo é território e está em movimento, desde o passado até o futuro. É aí que a intelectualidade indígena acontece.”(XAKRIABÁ, 2020, sp). Paulo Freire afirma que o saber de hoje não é necessariamente o de ontem nem tampouco o de amanhã, constatando a historicidade no saber a partir de suas trocas e práticas.
É possível inventar criticamente futuros a partir do conhecimento de sua história, na conexão com a ancestralidade. Reconhecer lugares diferentes de enunciação e subjetivação política possibilitam outras percepções de temporalidades narrativas, passado, presente e futuro juntos, em um movimento espiralar
Bibliografia
- FREIRE, Paulo. À sombra desta mangueira. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e terra, 2021.
_____________. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2021.
GUIMARÃES, Victor. Os desvios pela ficção: contaminações no cinema brasileiro contemporâneo. In: Pensar o documentário, textos para um debate. RICARDO, Laécio (org.) Recife: ED. UFPE, 2020.
hooks, bell. Ensinando pensamento crítico: Sabedoria prática. São Paulo: Editora Elefante, 2020a.
_________. Tudo sobre o amor, novas perspectivas. São Paulo: Editora Elefante, 2020b.
MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: Poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro. Editora Cobogó, 2021.
RANCIÈRE, Jacques. O espectador emancipado. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2012.
SOUTO, Mariana. Infiltrados e invasores: Uma perspectiva comparada sobre relações de classe no cinema brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2019.
XAKRIABA, Célia. Amansar o giz. Belo Horizonte: Revista Piseagrama, 2020.https://piseagrama.org/amansar-o-giz/ Acessad