Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Karla Holanda (UFF)

Minicurrículo

    Professora do departamento de Cinema e Vídeo e do Programa de Pós-graduação em Cinema e Audiovisual (PPGCine), da Universidade Federal Fluminense, é pesquisadora Jovem Cientista do Nosso Estado/Faperj. É organizadora do livro “Mulheres de cinema” (Numa, 2019) e coorganizadora de “Feminino e Plural: mulheres no cinema brasileiro” (Papirus, 2017), dentre outras publicações. É também cineasta, tendo dirigido, dentre outros filmes, “Kátia” (2012).

Ficha do Trabalho

Título

    Feminismo paralelo sob a linguagem da destruição

Seminário

    Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva

Formato

    Presencial

Resumo

    O Brasil dos últimos anos tem revelado ideias extravagantes, desde contestação de saberes científicos consagrados a pedidos de volta da ditadura e revisões históricas, incluindo “revelações” inéditas acerca do feminismo. Nessa política da destruição, o audiovisual tem se tornado importante difusor desses propósitos – propomos conhecê-lo. Por que questões de gênero parecem tão centrais na construção desse novo mundo? O que dizem essas obras? Como dizem? Qual projeto sustentam?

Resumo expandido

    No Brasil dos últimos anos, temos convivido com compatriotas defendendo ideias das mais estapafúrdias. De defensores da crença de que a Terra é plana, a pedidos da volta da ditadura e da monarquia, passando pelo descrédito das até então ilibadas urnas eletrônicas do processo eleitoral à contestação das vacinas. Da mesma forma, nos deparamos com ministro do meio ambiente protegendo contrabando de madeira e desmatamento ilegal na Amazônia, fazendo vista grossa diante de invasões de garimpeiros a terras indígenas; nos deparamos com presidente de instituição criada para promover a cultura negra, chamar o movimento negro de “escória maldita”; nos deparamos também com ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos dizer que menino deve usar azul e menina deve usar rosa, além de sugerir o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes por meio de distribuição de calcinhas. Dentre um universo praticamente infinito de distopias que têm marcado o cotidiano brasileiro, menciono esses pouquíssimos exemplos para ilustrar o quão atônita tem se sentido boa parte da população.
    No entanto, por mais indigesto que seja enfrentar esse retrocesso sem distanciamento histórico, acreditamos que, uma vez aberta nossa “Caixa de Pandora”, não temos outra alternativa que não seja enfrentá-la, ainda mais porque o audiovisual tem sido destacado instrumento de difusão dessas ideias. Nesse sentido, nesta apresentação, interessa-nos investigar produções audiovisuais relacionadas a feminismo, gênero e mulheres, que sejam realizadas e disseminadas por segmentos alinhados a ideários da extrema direita.
    “A maioria das feministas têm alguma desilusão familiar”; “O feminismo é um movimento mais emocional que racional, as jovens apenas seguem modismos”; “As mulheres que há 30 anos pediam sexo livre e desregrado hoje reclamam que os homens as abandonam com seus filhos”. Essas são algumas afirmações de “documentários” e programas audiovisuais produzidos pela extrema direita no Brasil e assistidos por milhares de pessoas – os números fornecidos pelos produtores é astronômico, provavelmente inflado por seguidores robôs, cujos likes e comentários podem ser comprados a preços módicos no mercado das redes sociais, mas, de toda forma, não devem ser desprezíveis.
    Parece evidente o objetivo de destruir um mundo e criar outro à parte – não por acaso, uma produtora desses conteúdos se chama Brasil Paralelo. Nessa empreitada, uma estratégia é atacar a credibilidade de saberes constituídos há anos através de métodos rigorosos de comprovação. Substituindo verdadeiros especialistas, qualquer um agora pode fazer diagnóstico de situações, independente da adoção de método ou referenciais confiáveis. Esse fenômeno negacionista, que está longe de ser exclusivo do Brasil, é muito bem aproveitado por extremistas de direita (ROQUE, 2021). É nessa onda que encontramos nessas obras, indistintamente, depoimentos de advogadxs, influenciadorxs, padres, artistas, arquitetxs ou jogadorxs de vôlei, ao lado de historiadorxs, professorxs e jornalistas – em geral, inexpressivos no mundo real – ratificando profundas revisões históricas em muitos campos, incluindo o feminismo, sobre o qual prometem revelar a “verdadeira face”.
    Na política da destruição do mundo existente, é preciso elaborar o que surgirá e essas obras se colocam justamente como alicerce narrativo desse novo lugar. Por que questões de gênero parecem tão centrais na construção desse novo mundo? O que dizem essas obras? Como dizem? Qual projeto sustentam?
    Ao analisar algumas dessas peças audiovisuais, buscaremos diálogo com outros sintomas de nosso tempo, como o esfacelamento da democracia e as mudanças no comportamento social promovidas por novas formas de consumo estimuladas por grandes empresas de tecnologia. E, finalmente, por que não aproveitamos este momento para investir em novas formas de pensamento e modos de vida? Afinal, temos que admitir: o mundo tal qual conhecemos, não está mesmo lá essas coisas.

Bibliografia

    BALESTRO, Mayara. Agenda conservadora, ultraliberalismo e “guerra cultural”: “Brasil Paralelo” e a hegemonia das direitas no Brasil contemporâneo (2016-2020). Dissertação de mestrado. Unioeste, 2021.

    BALESTRO, Mayara; MIRANDA, João. Nova direita, bolsonarismo e fascismo: reflexões sobre o Brasil contemporâneo [livro eletrõnico]. Ponta Grossa: Texto e Contexto, 2020.

    KRENAK, Aílton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

    HUI, Yuk. Tecnodiversidade. São Paulo: Ubu Editora, 2020.

    MOURÃO, Monica. A verdade da direita: a produção audiovisual de memória sobre a ditadura de 1964. Avanca Cinema International Conference. 2019. P. 434-442.

    ROQUE, Tatiana. O dia em que voltamos de Marte: uma história da ciência e do poder com pistas para um novo presente. São Paulo: Planeta, 2021.

    TSING, Anna. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno. Brasília, IEB Mil Folhas, 2019.