Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Julio Bezerra (UFMS)

Minicurrículo

    É professor dos cursos de Audiovisual e Jornalismo e do PPGCOM da UFMS. Fez estágios pós-doutorais na UFRJ e na Columbia University. Autor de Documentário e jornalismo e A eterna novidade do mundo. Repórter e crítico de cinema, colaborou com uma ampla gama de publicações. Curador e produtor de diversas retrospectivas (Abel Ferrara, Samuel Fuller, Jean Renoir etc.). Coproduziu e codirigiu a série Esquinas (Canal Brasil), dirigiu os curtas E agora? e Pontos corridos, e produziu o longa Tokio Mao.

Ficha do Trabalho

Título

    Compulsão ou morte! COVID-19, binge-watching e survivorship

Seminário

    Exibição cinematográfica, espectatorialidades e artes da projeção no Brasil

Formato

    Presencial

Resumo

    A proposta é propor uma reavaliação do chamado binge-watching. Se, por um lado, a vida em confinamento intensificou nosso apego às telas, por outro, ela nos faz repensar o status do binge-watching. Outrora vinculado à compulsão e sentimentos negativos, o binge-watching vem sendo associado às ideias de antídoto, comunidade, dever cívico e saúde mental. Esse é o nosso desafio: reavaliar a compulsão não mais exclusivamente como um modo de consumo excessivo ou incontrolável.

Resumo expandido

    O chamado binge-watching consiste na prática de assistir a conteúdos informativos ou de entretenimento por um período prolongado, como o hábito de se assistir a vários episódios de uma série em sequência. Não se trata propriamente de um método novo, muito menos circunscrito às plataformas de streaming. Contudo, nos últimos anos, as mudanças no sistema de distribuição do conteúdo audiovisual via streaming, por meio de serviços de vídeo sob demanda, alteraram significativamente as possibilidades de fruição, com a promessa de uma experiência mais autônoma, personalizada e autoptogramada. Em 2013, a Netflix revelava, através de pesquisas internas, que 73% de seus assinantes assistiam de dois a seis episódios do mesmo conteúdo de uma só vez.

    Em outras palavras, como a própria Netflix alardeava há quase dez anos: “o bing-watching é o novo normal”! O termo “binge” designa em inglês um ato excessivo ou compulsivo de consumo, comumente atrelado a atividades como a ingestão exagerada de comida ou álcool. “Binge-eating” e “drink binge” são, portanto, expressões que carregam conotações evidentemente negativas. Não é a toa que, conforme demonstrado por Caetlin Benson-Allott, até hoje os estudos sobre o consumo audiovisual compulsivo muitas vezes se baseiam em metáforas de embriaguez, distração ou vício. A prática é vista com desconfiança, atrelada a sentimentos de solidão e depressão, embalando narrativas apocalíticas sobre o contexto audiovisual.

    Contra essa tendência talvez ainda hegemônica, percebe-se cada vez mais que a pandemia do COVID-19 vem forçando pesquisadores a repensarem o status do consumo audiovisual compulsivo. A COVID-19 e a subsequente vida em confinamento, distante do contato com outras pessoas, tem certamente intensificado nosso apego às telas e o que elas nos oferecem. No entanto, essa nova e inesperada conjuntura vem promovendo uma reviravolta surpreendente nas ainda recentes pesquisas sobre o consumo audiovisual, sobretudo no que diz respeito ao binge-watching. Outrora vinculado à compulsão e sentimentos de vergonha, culpa, exaustão e arrependimento, o binge-watching vem sendo associado a noções mais positivas, como a ideia de antídoto, comunidade, dever cívico e saúde mental.

    Esses desdobramentos apontam para a necessidade de repensarmos esse modo agora dominante de espectador doméstico, especulando sobre novas teorias da compulsão. Esta apresentação caminha neste sentido, apoiada pelas reavaliações em curso sobre a prática do binge-watching. Neta Alexander, por exemplo, se apega a curiosa métrica de planejamento e produção da Netflix chamada “survivorship” (“quantas pessoas que começaram a assistir ao primeiro episódio continuaram assistindo a temporada inteira”), sugerindo como, de forma absolutamente irônica, a expressão parece dar conta do sentimento que grande parte dos binge-watchers descrevem em suas relações com as plataformas de streaming.

    Esse é o desafio no horizonte: reavaliar a compulsão não mais exclusivamente como um modo de consumo excessivo ou incontrolável, contaminada pela face mais neoliberal e selvagem do capitalismo contemporâneo, mas reformulada como uma forma de autocuidado. Questões importantes se vislumbram: a compulsão seria uma atividade individual ou comunitária? Talvez possa ser pensada como uma forma de sobrevivência? Como ela se associa aos outros rituais popularizados em meio à pandemia?

Bibliografia

    BENSON-ALLOT, Caetlin. The Stuff of Spectatorship: Material Cultures of Film and Television. Oakland: University of California Press, 2021.

    HORECK, Tanya. “‘Netflix and Heal’: The Shifting Meanings of Binge-Watching during the COVID-19 Crisis”. In: Film Quarterly, Volume 75, Issue 1, Fall 2021, pp. 35-40.

    NETA, Alexander. “From Spectatorship to “Survivorship”. In: Film Quarterly, Volume 75, Issue 1, Fall 2021, pp. 52-57.

    STEINER, Emil, XU, Kun. “Binge-Watching Motivates Change: Uses and Gratifications of Streaming Video Viewers Challenge Traditional TV Research”. In: Convergence 26, no. 1, Fevereiro de 2020, pp. 82-101.