Ficha do Proponente
Proponente
- Larissa de Freitas Muniz (UFMG)
Minicurrículo
- Larissa Muniz é montadora, roteirista e pesquisadora. Dirigiu os curtas-metragens “ela viu aranhas”, exibido na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, e “eu vi nos seus olhos, da janela, eu vi, que era o fim”, contemplado pelo 6º Prêmio BDMG Cultural/FCS. Mestranda em Comunicação na UFMG, onde pesquisa sobre narrativas experimentais feministas das décadas de 1970 e 1980 no cinema. Participa dos grupos de pesquisa “Poéticas da experiência” e “Poéticas femininas, políticas feministas” da UFMG.
Ficha do Trabalho
Título
- Nascida em chamas e vozes narrativas: movimentos de uma fuga feminista
Seminário
- Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva
Formato
- Presencial
Resumo
- A partir do longa “Nascida em chamas”, de Lizzie Borden (EUA, 1983), pretendo pensar a montagem enquanto uma estratégia importante de enunciação feminista, a partir da articulação de diferentes vozes narrativas. Como as vozes das personagens aparecem no filme? Como a montagem dá a ver os conflitos e as cumplicidades entre as mulheres? Como a ficção, a partir da montagem, evoca demandas do movimento feminista, dialogando com a diferença e a multiplicidade feminina?
Resumo expandido
- A narrativa experimental feminista, tal qual proposta por Ivone Margulies, compreende o questionamento da representatividade feminina sem tentar atingir um estatuto totalizante, que envolveria a universalização da mulher e da condição feminina. “Nascida em chamas”, de Lizzie Borden (EUA, 1983), é um filme que se encaixa nesse escopo defendido por Margulies, utilizando-se de estratégias formais diversas para uma enunciação feminista no cinema, envolvendo principalmente a montagem e a narrativa como uma possibilidade de fuga. Este trabalho busca convocar esses aspectos formais do filme, tentando pensar como as diferentes vozes das personagens disputam a narrativa feminista e a própria categoria mulher.
Num futuro distópico, os EUA se encontram num governo socialista-democrata. As reportagens televisivas apontam para uma sociedade justa e em constante progresso. Porém, a expectativa de liberdade das mulheres, cidadãs norte-americanas que também lutaram pelo partido progressista, não se concretizou no período da pós-revolução. É na comemoração de 10 anos dessa revolução que Lizzie Borden faz sua aposta feminista, criando um momento histórico-ficcional propício para a luta das mulheres, mais uma vez traídas pelas promessas dos homens no poder.
O filme se coloca num lugar muito particular de ficção científica, fabulação e documentário, num cruzamento contínuo de linguagens que se afetam mutuamente. Filmado em formato documental-televisivo-investigativo que imagina, a partir do presente, possibilidades de fuga para um futuro de guerrilheiras. A escritura fílmica é marcada por uma estética de vídeos dos anos 1980, com câmera na mão e montagem fluida por associação livre que dialoga com as vanguardas norte-americanas da época. Elementos como zoom in e zoom out; quadros desequilibrados em constante movimento; cortes brutos e enquadramentos fixos e televisivos constrõem essa narrativa que se assemelha a uma colagem documental e fabulativa, simultaneamente.
Aqui, a câmera parece ter o lugar de um olho que tudo vê, mas que precisa de um tempo para entender a estrutura do todo que compõe a narrativa. A nós, espectadoras, cabe capturar alguns fragmentos, de algumas personagens, com algumas informações desse futuro-presente fabricado. Entendemos a escritura feminista do filme junto das personagens, que aos poucos entendem suas possibilidades estratégicas de luta, que envolvem, principalmente, o controle sobre suas próprias imagens.
Então, como relacionar o modo estratégico que essas linguagens se entrelaçam no filme? O que elas implicam para esse cinema feminista, que se quer manifesto, realidade e fuga? Analisaremos essa forma particular de Nascida em chamas a partir de dois operadores chave – a montagem e a voz narrativa –, esperando com isso revelar algumas camadas desse filme que se compõe como um mosaico de mulheres e demandas feministas.
O movimento de “Nascida em chamas” tem um caráter fluido, tanto televisivo quanto ensaístico. O filme joga com as estratégias da comunicação jornalística, de uma câmera que corre atrás de uma vítima, uma suspeita, para conseguir gerar uma manchete aclamada pelos leitores. Uma montagem rápida que passa por diferentes cenas, diferentes contextos. No entanto, o filme captura essa linguagem midiática, exagerando seu ritmo e suas conexões paralelas de forma que a montagem se coloca como pensamento do filme, que interrompe o arco narrativo das personagens e constrói um comentário estrutural sobre a condição das mulheres na sociedade norte-americana.
A música central, e.g., também intitulada “Born in flames”, canta a rebeldia da classe trabalhadora contra a tirania, atuando como um tambor ritmado que clama a revolução e chama a consciência acerca da condição feminina. Cada vez que retorna ao longo do filme, uma sequência pensante dá lugar à narrativa: a montagem ensaística captura a montagem da comunicação de massa, dando lugar às vozes feministas que disputam uma narrativa possível.
Bibliografia
- MESSIAS, José; FREITAS, Kênia. O futuro será negro ou não será: Afrofuturismo versus Afropessimismo – as distopias do presente. Imagofagia – Revista de La Asociación Argentina de Estudios de Cine y Audiovisual | www.asaeca.org/imagofagia – Nº 17 – 2018 – ISSN 1852-9550
MARGULIES, Ivone. Nada acontece: o cotidiano hiper-realista de Chantal Akerman. Tradução: Roberta Veiga, Marco Aurélio Sousa Alves. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2016.
OSTRIKER, Alicia Suskin. Ladras da Linguagem: Poetas mulheres e a criação revisionista de mitos The Thieves of Language: Women Poets and Revisionist Mythmaking. Caderno de Leituras n.141 | 2022. Edições Chão da Feira Belo Horizonte, fevereiro de 2022.
WITTIG, Monique. Não se nasce mulher. Disponível em: https://casadadiferencams.blogspot.com/2012/05/nao-se-nasce-mulher-texto-de-monique.html, acesso em fevereiro de 2022, 2012 [1981].