Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Fernando Weller (UFPE)

Minicurrículo

    Documentarista e Professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco, no curso de Cinema e Audiovisual. Um dos organizadores e curadores da Jornada de Estudos do Documentário no Recife.

Ficha do Trabalho

Título

    O Documentário, a rádio e a palavra de Deus – o exemplo de Sutatenza.

Formato

    Remoto

Resumo

    Analisaremos o documentário “Sutatenza, Un mensaje de Paz” (1955), com duração de 18 minutos, dirigido pelo cineasta, teórico do cinema e, nos anos 1960, diretor da Seção de Filmes da Unesco, Enrico Fulchignoni. O filme retrata a criação de uma rádio no município de Sutatenza, na Colômbia, pela Igreja Católica, com apoio da Unesco. Além do filme, abordamos a documentação envolvendo as tratativas para a produção e posterior exibição do filme, disponível nos Arquivos da Unesco.

Resumo expandido

    A historiografia canônica do documentário é consolidada no começo dos anos 70 a partir de uma bibliografia de tradição majoritariamente anglo-saxã. Essa narrativa canônica tem em Robert Flaherty, Paul Rotha, John Grierson, entre outros, seus nomes pioneiros e situa o movimento documentarista britânico dos anos 1930 e 1940 no centro dessa tradição. A escolha por enfatizar uma “escola” documental nas origens simbólicas do gênero documentário possui um significado duplo, segundo nossa hipótese inicial. O primeiro é situar o campo do documentário no domínio das artes, oferecendo aos filmes um lugar de prestígio na grande História do Cinema, no que foi uma função crucial da crítica cinematográfica ao longo do século XX e que permanece na escrita acadêmica, nos chamados Estudos do Cinema, como uma retórica legitimadora. Os filmes documentários, para serem considerados objeto de interesse intelectual e historiográfico, são vinculados, desde a sua suposta origem, aos movimentos modernistas na arte do século passado. A segunda finalidade, diretamente vinculada à primeira, é a de apagar ou minimizar a importância das confluências ou intersecções desse gênero com outros campos não-artísticos como o jornalismo, a propaganda, a educação e a produção televisiva.

    Quando observamos os discursos institucionais vinculados ao campo do documentário, destaca-se a ideia de “comunicação pública”, nomeada muitas vezes como “educação das massas” ou, simplesmente “propaganda”. O termo “documentário” proposto por Grierson, embora perpassado por contradições, era marcadamente não-artístico, posto que se vinculava a um conceito de “interesse social” ou, simplesmente, era utilitário.

    O caso da UNESCO, instituição vinculada à ONU, fundada em 1948, e sua relação com o domínio do documentário é emblemático. John Grierson foi o primeiro diretor do setor de Informação e Comunicação da UNESCO. Seus escritos, na época, indicam o desejo de universalizar o modelo de produção de documentários desenvolvido pelo governo britânico em anos anteriores, no âmbito do projeto da comunicação para a “paz mundial”, lema que inspirava a Unesco. Os discursos da Unesco para o campo do cinema, radio e tv estavam vinculados nos anos 40 e 50 a um plano de letramento através do audiovisual dos povos do chamado terceiro mundo. Segundo a pesquisadora canadense Zoe Druick, “o conceito de liberdade de expressão e a ideia de letramento funcionava como um ideal Ocidental aparentemente não-ideológico, que exercia influência sobre o mundo subdesenvolvido”. O documentário, como um subcampo do domínio mais amplo da comunicação, vincula-se, nos discursos fundadores da Unesco, a um projeto político global gestado na Guerra Fria.

    Na presente comunicação, analisaremos o documentário Sutatenza, Un mensaje de Paz (1955), com duração de 18 minutos, dirigido pelo cineasta, teórico do cinema e, nos anos 1960, diretor da seção de Filmes da Unesco, Enrico Fulchignoni. O filme retrata a criação de uma rádio no município de Sutatenza, na Colômbia, criada pela Igreja Católica, com apoio da Unesco. A rádio voltava-se, entre outras coisas, para o letramento de populações indígenas. Analisaremos como o filme se articula em confluência com o discurso institucional hegemônico do documentário naquele período. A documentação disponível nos Arquivos da Unesco sobre a produção mostra uma constante tensão entre a Igreja Católica, representada pela figura do Padre Salcedo, criador da rádio, a seção de filmes da Unesco e interesses comerciais de empresas de tecnologia, como a holandesa Phillips. Analisaremos a documentação envolvendo as tratativas para a realização do filme, bem como as estratégias discursivas vinculadas ao projeto documentarista griersoniano e suas contradições, postas em ação pela Unesco.

Bibliografia

    ACLAND, C. R. e WASSON, H. Utility and Cinema in WASSON, Haidee e ACLAND, Charles R. Useful Cinema, Duke University Press, 2011.
    ARQUIVOS DA UNESCO. Caixa 795, “Sutatenza”, 1955-1959.
    DRUICK, Zoë . UNESCO, Film, and Education: Mediating Postwar Paradigms of Communication in WASSON, Haidee e ACLAND, Charles R. Useful Cinema, Duke University Press, 2011.
    ____________. Projecting Canada: Government Policy and Documentary Film at the National Film Board. McGill-Queen’s Univ Press, 2007.
    GRIERSON, Jonh. Grierson on Documentary. Londres: Faber and Faber ed, 1979.
    HOLLY, Daniel A. Les Nations Unies et la mondialisation, pour une économie politique des organisations internationales. Paris: l’Harmattan, 2003.
    MAUREL, Chloé. L’Histoire de l’Unesco, les trente premières anées. 1945-74. Paris, l’Harmattan, 2010.
    UNESCO. Broadcasting to Schools. Report on the organization of school broadcasting in various countries. Paris: Unesco, 1949.