Ficha do Proponente
Proponente
- Daniel Velasco Leão (PPGAVUDESC)
Minicurrículo
- Graduado em Cinema (UFF, 2009), Mestre em Comunicação (UFF, 2013), Doutor em Artes Visuais (UDESC com período sanduíche na New York University, 20220). Entre 2016 e 2018 foi professor substituto do curso de Cinema de UFSC. Documentarista, roteirista e artista visual, teve seus trabalhos expostos em espaços como o MAC-Niterói, o MoMA-NY, o SESC-Pompéia (SP). Atualmente, dirige os curtas-metragens Panorama (com Djuly Gava) e Heyari, ambos contemplados no Prêmio Catarinense de Cinema.
Ficha do Trabalho
Título
- Roteiros e ficções da queda de Dilma Rousseff
Formato
- Remoto
Resumo
- Este artigo tem por objetivo analisar como o processo que levou à queda de Dilma Rousseff foi estruturado dramaticamente em alguns dos filmes documentário dedicados a ela, relacionando-se essas estruturas tanto à realidade histórica quanto aos procedimentos de registros adotados. Analisamos, especialmente, Filme Manifesto (Fabiano, 2017), Tchau, querida (Aranda, 2019), Não vai ter golpe! (Rauh e Santos, 2019) e Democracia em vertigem (Costa, 2019).
Resumo expandido
- O processo de impeachment ou golpe da presidenta Dilma Rousseff propiciou algo inaudito na história do cinema mundial. Em meia década, mais de uma dezena de filmes documentários de longa-metragem foram realizados sobre ele: Filme manifesto – o Golpe de Estado (Paula Fabiana, 2016), Brasil, o grande salto para trás (Mathilde Bonnassieux e Frédérique Zingaro, 2016), O muro (Lula Buarque de Holanda, 10 de outubro de 2017), O Processo (Maria Augusta Ramos, 17 de maio de 2018), Já vimos esse filme (Boca Migotto, 1 de agosto 2018), Excelentíssimos (Douglas Duarte, 22 de novembro de 2018), Democracia em vertigem (Petra Costa, 19 de junho de 2019), Tchau, querida (Gustavo Aranda, 14 de julho de 2019), Não vai ter golpe! (Fred Rauh e Alexandre Santos, 5 de setembro de 2019), GOLPE (Guilherme Castro e Luiz Alberto Cassol, 2020), Alvorada (Anna Muylaert e Lô Politi, 3 de dezembro de 2020) e o ainda inédito de Democracia (Tata Amaral). A estes se agregam outros, que, embora mais amplos, o abordam de forma demorada: Esquerda em transe (Renato Tapajós, 10 de janeiro de 2019) e O mês que não terminou (Francisco Bosco e Raul Mourão, 18 de outubro de 2019) . A polarização midiática e social a respeito do acontecimento, a narrativa intrínseca aos eventos da grande política, a democratização das formas de registro e a reação à misoginia explicam essa abundância .
Abordar o roteiro de filmes documentários tem a vantagem de não comportar a ambiguidade que ocorre nos filmes romanescos onde, frequentemente, nos referimos à estrutura dramática da obra finalizada como roteiro mesmo sem ser possível aferir, a princípio, as modificações estruturais e dramáticas que ocorreram entre a peça escrita e a obra fílmica. Ainda que haja uma ampla gama de possibilidades de roteiros e argumentos prévios à filmagem, o roteiro de um filme documentário é, sobretudo, realizado na ilha de edição — isto é, ele é menos um roteiro para a filmagem do que um roteiro para a narração. Isso é perceptível não apenas nos filmes em que a realidade do encontro exerce uma forte preponderância sobre a filmagem, em casos tão díspares como Edifício Master (2002) de Eduardo Coutinho e Caixeiro-viajante (1969) dos irmãos Maysles e Charlotte Zwerin, mas também em documentários que tiveram como objetivo preciso registrar uma acontecimento particular: em muitos casos, é apenas ao final das filmagens, diante das imagens, que se descobre que história foi filmada ou, se se quiser, qual história será narrada a partir do material filmado. Essas duas concepções inteiramente distintas do processo de montagem foram expostas durante uma apresentação de Jean Claude Bernardet no É tudo verdade, posteriormente transcrita no livro O cinema do real (2005). Discorrendo sobre Passaporte Húngaro de Sandra Kogut, ele afirma que o material recolhido durante a filmagem permite à ela diversos filmes e que “nesses diversos filmes possíveis, ela vai ter que escolher um e recusar outros” (Bernardet, 2005, p. 146). Eduardo Escorel intervém para dizer expressar sua discordância: “Eu ousaria dizer que para cada material só existe um filme e que a questão toda é conseguir – e, às vezes, se consegue chegar mais perto disso, às vezes não – decifrar qual é o filme que está contido no material. O trabalho da montagem é esse trabalho de decifração de uma coisa que, na verdade, já está ali” (Escorel apud Bernardet, 2005, p. 154).
Por meio da exposição a respeito dos procedimentos narrativos utilizados nos documentários, discutiremos a afirmação de Guy Guathier segundo quemcriação individual tem uma “quota essencial” na representação documentária e que o(a) documentarista traz para o filme “sua experiência, seu saber e, talvez até, seu imaginário mistificador” (Gauthier, 1995, pp. 112-122). Afinal, como afirmou Comolli, “Subjetivo é o cinema e, com ele, o documentário” (Comolli, 2008, p. 173).
Bibliografia
- Bernardet, J.-C. (2005) O documentário de busca: 33 e Passaporte Húngaro. In O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify.
Bonitzer, P. (1996). Problemas do roteiro. In Prática do roteiro cinematográfico. São Paulo: Editora JSN.
Chion, M. (1989). O roteiro de cinema. Tradução: Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes.
Comolli, J.-L. (2008) Ver e poder: a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG.
Escorel, E. (2018) O processo – observação em crise. Revista Piauí (on-line), 18 de abril de 2018. Available at: https://piaui.folha.uol.com.br/o-processo-observacao-em-crise/
Gauthier, G. (1995). Le documentaire un autre cinéma. Paris: Éditions Nathan, 1995.
Mattos, C. (2017). Memória do Golpe. Blog do Carlos Alberto Mattos, 15 de março de 2017. Available at: https://carmattos.com/2017/03/15/memoria-do-golpe/
McKee, R. (2017) Story: substância, estrutura, estilo e os princípios da escrita de roteiro. Tradução: Chico Marés. Curitiba: Arte & Letra.