Ficha do Proponente
Proponente
- Ana Camila de Souza Esteves (UFBA)
Minicurrículo
- Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia com pesquisa sobre os cinemas africanos contemporâneos. É co-fundadora e curadora da Mostra de Cinemas Africanos e editora da Revista Crítica de Cinemas Africanos. Publicou artigos e ensaios sobre os cinemas africanos em diversas revistas e catálogos, e coeditou o e-book “Cinemas Africanos Contemporâneos – abordagens críticas” (Sesc, 2020).
Ficha do Trabalho
Título
- Cinemas africanos e autobiografia:documentários dirigidos por mulheres
Mesa
- Cinemas africanos no feminino e plural
Formato
- Remoto
Resumo
- Examino aqui o longa-metragem “Nous” (2021), da cineasta franco-senegalesa Alice Diop, com o intuito de observar como o elemento autobiográfico da narrativa se constrói em discurso e em estilo, e como dialoga com a experiência coletiva não só dos outros personagens sociais do filme, mas com a das mulheres africanas em diáspora de uma forma geral. O longa faz parte de uma constelação de filmes autobiográficos contemporâneos dirigidos por mulheres africanas, pesquisa em desenvolvimento.
Resumo expandido
- Pensar a autobiografia no contexto dos cinemas africanos contemporâneos abre importantes chaves de leitura para a análise das narrativas de realizadoras e realizadores africanos na África e no mundo. Se os estudos da autobiografia como gênero (Lejeune, 2014) têm se expandido para pensar o gesto autobiográfico como relato, auto-retrato, diário, confissão e testemunho, pensar escritas de si protagonizadas por sujeitos africanos no âmbito do documentário nos orienta a explorar narrativas que revelam a dimensão coletiva de experiências pessoais.
Nos últimos anos, as cineastas africanas têm se destacado na realização de documentários autobiográficos, explorando as mais diferentes formas e estéticas. De modo geral, os filmes narram processos de investigação de suas origens e seu passado, como em “Waithira”, de Eva Munyiri (África do Sul, 2017), e “Becoming Black”, de Ines Johnson-Spain (Alemanha, 2019), ou processos de “acerto de contas” com figuras familiares, como “Let’s Talk”, de Marianne Khoury (Egito, 2019) e “Dans la Maison”, de Karïma Saidi (Bélgica/Marrocos, 2020). Há ainda aqueles que colocam em perspectiva negociações identitárias de mulheres africanas em trânsito pelo mundo, como o média-metragem “Nora”, de Alla Kovgan e David Hinton, com atuação e roteiro da personagem-título (Inglaterra, 2009), e os longas “New Moon”, de Philippa Ndisi-Herrmann (Quênia, 2018) e “Nous”, de Alice Diop (França, 2021).
Esse conjunto de filmes, que pode ser analisado em uma constelação (Souto, 2018), utiliza recursos como materiais de arquivo, voz over e a câmera virada para si, recorrendo às memórias ao mesmo tempo em que as produz, em um jogo de narração e interpretação que desvela o gesto autobiográfico no cinema documentário a partir da agência destas mulheres sobre as narrativas de si e das outras. No contexto dos cinemas africanos, onde as mulheres muitas vezes são narradas a partir das abordagens masculinas dos cineastas, e no contexto do cinema ocidental, no qual as africanas costumam ser representadas em situações de vulnerabilidade, estes documentários apresentam um gesto de autorrepresentação com forte acento de “contra-narrativa” com base na subjetividade das realizadoras.
Para além de refletir sobre suas íntimas trajetórias, observo em todos esses filmes a dimensão coletiva das experiências de mulheres africanas na contemporaneidade, especialmente aquelas em trânsito pelo mundo. O gesto autobiográfico no documentário realizado por mulheres africanas contemporâneas, portanto, revela diferentes discursos, estilos, estéticas e recursos para tomar a frente de suas próprias narrativas – muito mais coletivas que somente pessoais, como se a escrita de si potencializasse a escrita do outro (Feldman, 2017). Longe de serem filmes de denúncia ou engajados em um discurso de resistência às imagens das mulheres africanas construídas pelos outros, as obras revelam a necessidade de agenciar e propor discursos ao ocupar espaços de produção de sentido a partir de lugares de dissenso (Rancière, 2010).
Nesse sentido, examino aqui um dos filmes desta constelação, o longa-metragem “Nous” (2021), da cineasta franco-senegalesa Alice Diop, com o intuito de observar como o elemento autobiográfico da narrativa se constrói em discurso e em estilo, e como dialoga com a experiência coletiva não só dos outros personagens sociais do filme, mas com a das mulheres africanas em diáspora de uma forma geral. Considerando a filmografia de Diop e seu interesse nas regiões banlieue de Paris e nos imigrantes africanos na França, busco refletir sobre a decisão de a cineasta incluir seus próprios conflitos identitários no filme a partir da análise dos recursos estilísticos construídos por ela, notadamente a montagem, os enquadramentos, o som, o uso de material de arquivo e a sua própria imagem.
Bibliografia
- BISSCHOFF, Lizelle; VAN DE PEER, Stefanie. Women in African cinema: Beyond the body politic. Routledge, 2019.
DIAKHATÉ, Lydie. O documentário em África e sua diáspora: uma emancipação pela imagem. In: DIAWARA, Manthia; DIAKHATÉ, Lydie. Cinema africano: Novas formas estéticas e políticas. Sextante Editora, 2011, p. 83-125.
FELDMAN, Ilana. “Autobiografia, exílio e alteridade: o cinema de David Perlov, Avi Mograb e Elia Suleiman”. In: Devires – Cinema e Humanidades. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), v. 14, n. 2, p. 30-57, jul/dez 2017
LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à Internet. Trad. Jovita Maria Gerheim Noronha e Maria Inês Coimbra Guedes. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
RANCIÈRE, Jacques. “Política da arte”. Trad. Mônica Costa Netto. In: Urdimento. Revista de Estudos em Artes Cênicas. UDESC, outubro 2010 – N° 15, p.45-59.