Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Luiza Cristina Lusvarghi (Unicamp)

Minicurrículo

    Professora e pesquisadora da Pós-Graduação em Multimeios da Unicamp (Campinas, SP), é integrante do Grupo Genecine (Grupo de Estudos Sobre Gêneros Cinematográficos e Audiovisuais), ex-diretora da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), e membro dos coletivos Elviras de Críticas de Cinema, Manifesta e Mais Mulheres do Audiovisual. Graduada em Jornalismo pela PUC-SP, com Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado pela ECA-USP.

Ficha do Trabalho

Título

    Carro Rei e Titane: Feminismo, Body Horror e Ficção Especulativa

Seminário

    Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva

Formato

    Presencial

Resumo

    O objetivo dessa comunicação é estabelecer uma análise comparativa entre as personagens femininas monstruosas nas narrativas distópicas contemporâneas por meio da análise de Titane (2021), de Julia Ducournau, e Carro Rei (2021), de Renata Pinheiro, filmes que se colocam como parábolas da ascensão do totalitarismo e do fascismo por meio da discussão das relações de gênero e do corpo feminino, a partir do trabalho de Barbara Creed sobre o feminino monstruoso.

Resumo expandido

    Na literatura fantástica e de ficção especulativa, desde os seus primórdios, a mulher era quase sempre a vítima, ou uma coprotagonista, e sua personagem encarnava o ideal feminino da mocinha das histórias de aventura. Essa abordagem se espelhou no cinema, ainda na era muda. Em narrativas distópicas contemporâneas, o corpo feminino é espaço de disputas, e ora se coloca como o da alien ou da ciborgue que encarna a fêmea fálica e devoradora, ora como o ventre disponível para gestar um novo mundo. O feminino monstruoso encarnado pela Maria robótica de Metrópolis se desloca do registro de encarnação do mal absoluto para o de anti-heroína de um mundo em ruínas que perdeu suas possibilidades de redenção. Love is a dog from hell (O amor é o cão do inferno) diz a tatuagem de Alexia de Titane. Em Carro Rei, o corpo masculino é quem se desumaniza, e passa a incorporar elementos da máquina, mas o desejo da coadjuvante feminina está voltado para a máquina, e não mais para o humano. Ambos os filmes foram produzidos por diretoras mulheres que usam alguns elementos do body horror para discutir em narrativas diatópicas um período histórico em que a possibilidade de redenção pelo humano perde espaço para a tecnologia.
    Como nos alerta Creed em suas análises sobre o feminino monstruoso, os filmes de horror sempre foram povoados por monstras, muitas delas evocadas a partir de imagens que assombram os pesadelos infantis, mitos ancestrais que se criaram há séculos em diferentes culturas. Essa monstruosidade feminina pode assumir diversas facetas: a da mãe amoral e arcaica (Aliens, 1986), a vampira (Fome de Viver, 1983), a bruxa (Carrie, 1976), a do ventre monstruoso (Os filhos do medo, 1979), a mãe castradora ( (Psicose, 1960); a da mulher linda e mortal (Instinto Selvagem, 1992), mas “apesar de que muito se escreveu sobre o filme de horror, poucos trabalhos discutiram efetivamente a mulher monstruosa. Em vez disso, a ênfase é quase sempre sobre a mulher como uma vítima do (em geral masculino) monstro (CREED, 2007, p.12) A autora acreditava, ao escrever essa obra originalmente em 1993, que as teorias feministas haviam negligenciado em suas análises o papel da mulher como monstra dentro dos filmes de horror popular.
    O objetivo dessa comunicação é estabelecer uma análise comparativa entre as personagens femininas monstruosas nas narrativas distópicas contemporâneas por meio da análise de Titane (2021), de Julia Ducournau, e Carro Rei (2021), de Renata Pinheiro, filmes que se colocam como parábolas da ascensão do totalitarismo e do fascismo por meio da discussão das relações de gênero e da discussão do corpo. Alexia é o ventre monstruoso que remete à personagem de Julie Christie em Geração Proteus (Demon Seed, 1977), enquanto Mercedes (Jules Elting) faz a dançarina performática que acaba se rendendo à sedução do Carro Rei, embora a mãe do personagem principal, o garoto Uno, tenha sido a provável precursora de uma relação entre homem e máquina. As personagens femininas do cinema SciFi são analisadas a partir da perspectiva histórica de Dean Conrad (2018) e das análises de Marianne Kac-Verne (2018), sob o contexto da popularização mundial do gênero por Hollywood ao longo da Guerra Fria (NEALE, 2000). O feminino monstruoso é abordado a partir do texto de Barbara Creed, ancorado por Julia Kristeva, a quem ela se remete neste ensaio, mas também do ensaio de Elizabety Ginway, para discutir qual a contribuição das duas obras analisadas para essa construção fílmica do feminismo monstruoso que caracteriza os filmes de horror e de ficção especulativa.
    Este trabalho é parte constitutiva do projeto A Mulher Distópica: O Protagonismo Feminino no Cinema e na Ficção Seriada Contemporânea, que pretende analisar a construção das personagens femininas dentro da ficção especulativa de gênero, partindo de um panorama geral sobre o surgimento das primeiras produções do gênero, como Metrópolis (1927) e Frankstein (1931).

Bibliografia

    BUTLER, Judith. Problemas de Gênero, Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018, 16ª edição..
    CONRAD, Dean. Space Sirens, Scientists And Princesses: The Portrayal of Women in Science Fiction Cinema. North Carolina: McFarland & Company, Inc., 2018.
    CREED, Barbara. The monstrous feminine: Film, feminism, psychoanalysis. Londres: Routledge, 1993ª
    GINWAY, M. Elizabeth. Cyborgs, Sexuality, and the Undead: The Body in Mexican and Brazilian Speculative Fiction. Vanderbilt UP, 2020
    KAC-VERGNE, Marianne, Sidelining Women in Contemporary Science Fiction Film. Miranda. Editora Université Toulouse- Jean Jauré. Disp em Electronic version URL: http://journals.openedition.org/miranda/8642 DOI: 10.4000/miranda.8642 ISSN: 2108-6559