Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Tiago José Lemos Monteiro (IFRJ)

Minicurrículo

    Tiago José Lemos Monteiro é Doutor em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense, Mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006) e Bacharel em Comunicação Social (Radialismo) pela mesma instituição (2004). Entre 2016 e 2017, realizou estágio pós-doutoral no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi. Professor do Bacharelado em Produção Cultural do IFRJ – Campus Nilópolis.

Ficha do Trabalho

Título

    Sexo, sangue e luta de classes em O clube dos canibais (2018)

Formato

    Remoto

Resumo

    “O clube dos canibais” é uma sátira de horror dirigida pelo cearense Guto Parente em 2018. Tal como a figura que se faz presente no título da obra, a qual tende a habitar espaços de fronteira, o filme é um objeto liminar em si mesmo, situado entre os códigos do cinema de exploração e pretensões mais “artísticas”. A obra também efetua comentários ferozes sobre as lutas de classes por meio de imagens grotescas e abjetas, principalmente relacionadas a supostos “homens de bem”.

Resumo expandido

    O Canibal como mito que reencena nossos medos de um Outro antropológico é, por definição, uma figura liminar e marginal, sejam essas margens físicas ou simbólicas. Nas narrativas das quais participa, como protagonista ou pano de fundo, o canibal tende a habitar os limites da civilização ocidental ou as bordas dos espaços urbanos, mas também deslizar pelas fronteiras entre classes sociais, formas de vida e consumo ou modos de representação. Em sua encarnação mais célebre (ou infame, dependendo da perspectiva adotada), os filmes de canibais são considerados um dos mais controversos filões do gênero horror, devido ao seu conteúdo extremo em termos de sangue e gore, e à sua perspectiva ambígua sobre tropos (neo) colonialistas e conservadores – elementos devidamente explorados à exaustão por inúmeros filmes realizados entre princípios dos anos 1970 e a segunda metade do decênio seguinte, provenientes sobretudo da Itália.
    O cinema brasileiro, por outro lado, não é necessariamente reconhecido por sua filmografia no âmbito deste gênero e suas múltiplas modulações. Nesse contexto, ocasionais aparições do mito canibal em nossas telas tenderam a enveredar por caminhos metafóricos, no mais das vezes relacionados ao “Manifesto Antropofágico” de Oswald de Andrade (“O homem do pau brasil”, Joaquim Pedro de Andrade, 1982), texto canônico do modernismo brasileiro dos anos 1920, ou por uma visão revisionista do legado indígena em nossa cultura (“Como era gostoso meu francês”, Nelson Pereira dos Santos, 1972). Práticas canibalísticas encenadas com intenções e expedientes horríficos serão engendradas pela primeira vez no cinema brasileiro por ninguém menos que José Mojica Marins, no terceiro segmento de seu filme-antologia de 1968, “O estranho mundo de Zé do Caixão”, não por acaso intitulado “Ideologia”.
    “O clube dos canibais” é uma sátira de horror dirigida pelo cearense Guto Parente em 2018, na qual podemos identificar a intersecção de algumas das abordagens mencionadas. O filme é um objeto liminar em si mesmo, exibindo doses generosas de nudez, sexo, violência e sangue, mas, ao mesmo tempo, fazendo algumas escolhas em termos de mise-en-scene que acabam por alinhar o longa-metragem com os códigos do circuito “artístico”, muito mais do que com o estilo exploitation de seus ancestrais italianos. Sua repercussão junto à parte da crítica, bem como a circulação a que foi submetido, em termos de exibição, ecoa a de uma outra obra contemporânea – “Trouble every day”, de Claire Denis (2002) – na qual o tropo do canibalismo também é abordado sob uma chave urbana e fortemente erótica. No caso do filme brasileiro, isto ficou patente na ênfase dada por algumas críticas às cenas de sexo, que não raro derivaram para associações (quase sempre infundadas) entre “O clube dos canibais” e a tão estigmatizada pornochanchada dos anos 1970.
    Por último, mas não menos importante, o filme se insere em uma longa linhagem de filmes que constroem comentários ferozes sobre as lutas de classes através do uso de imagens grotescas e abjetas, principalmente relacionadas a membros das classes altas e supostos “homens de bem”, como “Eat the rich” (Peter Richardson, 1987), “Eating Raoul” (Paul Bartel, 1982), “Parents” (Bob Balaban, 1989) e, sobretudo, “Society” (Brian Yuzna, 1990). A conclusão a que este último e o longa brasileiro parecem chegar, inclusive, é bastante semelhante: por mais que, historicamente, os ricos sempre tenham se alimentado dos pobres, é apenas por meio da tomada de consciência de uma situação de opressão que qualquer inversão de forças (leia-se, resistência) se torna possível.

Bibliografia

    BROWN, Jennifer. Cannibalism in literature and film. London: Palgrave McMillan, 2013.
    CÁNEPA, Laura Loguercio. Medo de quê? Uma história do horror nos filmes brasileiros. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes. Campinas, SP: [s.n.], 2008.
    KREUTZ, Kátia. Cinema cearense|Especial Nordeste. Academia Internacional de Cinema, 17 out. 2019. Disponível em . Acesso em 29 mai. 2022.
    OLNEY, Ian. Cannibal Apocalypse: cannibal and zombie films. In: ______. Euro horror: classic european horror cinema in contemporary American culture. Indiana: Indiana University Press, 2013.
    SCHUTT, Bill. Eat me: a natural and unnatural history of cannibalism. London: Wellcome Collection, 2017.