Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Giovanni Alencar Comodo (UNESPAR)

Minicurrículo

    Mestrando do Programa de Pós-Graduação Mestrado Acadêmico em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV) da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), vinculado à linha de pesquisa (1) “Teorias e Discursos no Cinema e nas Artes do Vídeo”. Membro dos grupos de pesquisa Cinecriare (Unespar/CNPq) e GPACS (Unespar/CNPq). Crítico de cinema e cineclubista integrante do Coletivo Atalante. Contato: gacomodo@gmail.com.

Ficha do Trabalho

Título

    “O Raio Verde” (1986) de Éric Rohmer: a entrada do acaso em cena

Seminário

    Teoria de Cineastas

Formato

    Presencial

Resumo

    Situada no âmbito da Teoria de Cineastas, esta pesquisa aborda a presença do acaso no processo criativo do cinema de Éric Rohmer, especialmente em “O Raio Verde” (1986). A análise de uma cena próxima do final desta produção, aliada à escritos e entrevistas do realizador, revelam um cineasta até então mais conhecido pelo seu rigor formal disposto em sua poética a uma abertura e incorporação de eventos inesperados fora de seu controle (chamados aqui de acasos), atingindo resultados inovadores.

Resumo expandido

    Desde seus tempos como crítico em periódicos como Cahiers du Cinéma, o francês Éric Rohmer (1920-2010) foi rigoroso em seu juízo quanto à imagem e seu processo de captação, ao ponto de ser conhecido na realização de seus filmes por ter em sua encenação praticamente uma disciplina científica (AUMONT, 2008). Contudo, já plenamente estabelecido enquanto cineasta e aos 65 anos de idade, Rohmer lança-se para realizar um longa-metragem “amador tal como um principiante”, segundo ele mesmo: “O Raio Verde” (1986).

    O filme acompanha uma jovem que fica sem companhia poucos dias antes de suas férias: ela busca um lugar, amor e diversão pelas cidades, montanhas e praias do verão francês, frustrando-se em diversas tentativas. Para surpresa de muitos, o realizador conhecido pelos seus diálogos marcantes abdica de um roteiro escrito previamente, em um grande esforço de improvisação constante. Mais, desta vez a produção foi composta somente por ele, seus intérpretes e três jovens mulheres com pouca experiência para funções de câmera e som, sempre por locações com não-atores e usando como registro película 16 milímetros, em uma busca pelo acaso e o inesperado como nunca havia empreendido antes.

    Os acasos que são incorporados à produção envolvem desde acessórios e figurinos particulares de seus performers a ações de pessoas que passeiam diante da câmera – ignorantes das filmagens –, passando por ruídos que estouram a captação de som (das ruas, das praias) e as diferenças de intensidades da luz natural (como das nuvens que cruzam o céu durante as cenas). Tais marcas que poderiam ser descartadas pelo caráter acidental e imperfeito interessam ao realizador exatamente por serem provas de um contato direto com o mundo natural, como destacado em textos de Jean-Claude Biette (quando do lançamento do filme, para o qual cunhou o termo de “borboletas de Griffith” sobre tais “acidentes”) e do próprio Rohmer (desde seu tempo como crítico na década de 1950), em consonância às lições da ontologia de André Bazin.

    Compreender o impulso radical de Rohmer pelo contato com o mundo natural e como sua abertura à colaboração e a eventos acidentais fora de seu controle encontram e engrandecem a sua poética estão no centro da minha pesquisa de mestrado em andamento no PPG-CINEAV da UNESPAR, a qual aborda a presença do acaso no cinema de Rohmer e especialmente em “O Raio Verde”. Trata-se de uma abordagem em embate direto com os filmes, entrevistas e escritos do diretor, buscando um novo olhar sobre sua obra e tentando tecer interligações possíveis dentro da Teoria de Cineastas, como argumentam autores como Penafria, Baggio e outros. Ainda, com o intuito de melhor perceber a utilização do acaso no processo criativo, utilizo a obra de Ostrower procurando interlocuções possíveis com a prática cinematográfica.

    Para esta apresentação, a partir da análise pequenos exemplos e de uma cena do filme – o momento em que a protagonista conhece um jovem na estação e desiste de regressar para Paris – espero ilustrar e explorar o cerne de minha pesquisa: a entrada em cena do acaso na mise-en-scène de um cineasta rigoroso como Éric Rohmer.

    Nesta cena, em que um objeto central é o livro “O Idiota” de Dostoiévski (pertencente ao acervo pessoal da atriz e incorporado à produção) e que sugere uma irmandade romântica dos personagens do livro e do filme, há uma conversa aparentemente banal que se transforma em um flerte. A aproximação do casal, contudo, quase foi posta a perder por um equívoco na filmagem pelo próprio diretor: foi sua jovem editora, quase inexperiente, que conseguiu montar e salvar a cena. Ainda, além de tomadas do espaço e das pessoas da estação de trem inconscientes do registro reveladoras do interesse de flâneur de Rohmer, há uma mosca que entra no quadro, provocando uma reação das mãos do ator que espelham os gestos nas mãos da atriz – um acaso inesperado que faz crescer a intensidade da conversa em cena.

Bibliografia

    AUMONT, Jacques. Pode um filme ser um ato de teoria?, Revista Educação e Realidade, Porto Alegre, v.1, n. 33, p. 21-34, jan/jun, 2008.
    ______. O cinema e a encenação. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2008.
    BIETTE, Jean-Claude. Le papillon de Griffith. In : Poétique des auteurs. Paris : Cahiers du Cinéma, 1988, p. 146-149.
    GARCIA, Alexandre Rafael. Contos morais e o cinema de Éric Rohmer. Curitiba: A Quadro, 2021.
    HANDYSIDE, Fiona (Org). Eric Rohmer: Interviews. Jackson: University Press of Mississipi, 2013.
    HÉRÉDIA, Lisa. Eric Rohmer. Cahiers du Cinéma, Paris, nº 653, fevereiro de 2010, p. 36-37.
    OSTROWER, Fayga. Acasos e criação artística. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.
    PENAFRIA et al., 2017. Observações sobre a “Teoria dos Cineastas”– Nota dos Editores. In: ________ (Orgs.) Revisitar a teoria do cinema: Teoria dos Cineastas Vol. 3. Covilhã: UBI, 2017. p. 29-38.
    ROHMER, Éric. Le Gout de la beauté. Cahiers du Cinéma, Paris, nº 121, julho de 1961, p. 18-25.