Ficha do Proponente
Proponente
- João Paulo De Freitas Campos (USP)
Minicurrículo
- João Paulo Campos é crítico, pesquisador e curador de cinema. Mestre e doutorando em Antropologia (USP), co-orientação em Meios e Processos Audiovisuais (USP). É editor da Zagaia em Revista e redator da Multiplot. Participa de júris e equipes de curadoria em festivais e cineclubes. Integra os grupos NAPEDRA-USP e História da Experimentação no Cinema e na Crítica-USP. Tem experiência nas áreas de crítica cinematográfica, análise de filmes, antropologia visual, antropologia da performance.
Ficha do Trabalho
Título
- Ceilândia, Cidade Aberta
Seminário
- Cinemas pós-coloniais e periféricos
Formato
- Presencial
Resumo
- A tarefa deste ensaio é analisar a figuração do espaço urbano no filme A cidade é uma só? (2011), de Adirley Queirós. Partimos da hipótese de que a obra elabora um pensamento crítico sobre as cisuras do Distrito Federal. A análise destaca o motivo da perambulação de personagens subalternizados entre Brasília e Ceilândia. Concluímos que o filme figura a periferia brasiliense como uma “presença insurgente” (ADERALDO, 2018) capaz de subverter as “narrativas do progresso” (TSING, 2015) de Brasília.
Resumo expandido
- Para a discussão que pretendemos estabelecer neste ensaio o cinema é considerado uma prática espacial (SHIEL, 2001). Uma máquina que apresenta uma “habilidade contundente e distintiva de capturar e expressar a complexidade espacial, a diversidade e o dinamismo social da cidade através da mise-en-scène, filmagens em locação, iluminação, fotografia e montagem” (SHIEL, 2001, p, 1). Isso nos leva a uma orientação teórico-metodológica que distingue o cinema primordialmente como um “sistema espacial” com o “potencial de iluminar os espaços vividos da cidade e das sociedades urbanas” (SHIEL, 2001, p. 6).
Desse modo, a tarefa deste ensaio é analisar a figuração do espaço urbano no filme A cidade é uma só? (2011), de Adirley Queirós. Nosso interesse é entender como o cinema constrói discursos sobre as cidades a partir de uma crítica sensorial e descritiva inspirada na proposta anti-interpretativa de Susan Sontag (2001). Partimos da hipótese de que esta obra elabora um pensamento crítico sobre as cisuras do Distrito Federal, gesto que revela aspectos da relação entre o centro e a periferia brasiliense. Um dos motivos mais importantes do filme é a perambulação de personagens subalternizados entre Brasília e Ceilândia, cidades vizinhas cuja relação tecida na obra desvela a paisagem desigual do Distrito Federal. A partir desse prisma, levantamos as seguintes perguntas: Qual é a ideia de cidade construída na obra? Como o filme expressa a relação entre centro e periferia?
Saltando à origem histórica do conflito espacial em questão e desenvolvendo um jogo dramático que coloca personagens em movimento entre o centro e a periferia, o filme de Queirós constrói um registro que fricciona documentário e ficção, além de confrontar passado e presente através da montagem, com o objetivo de subverter as “narrativas do progresso” (TSING, 2015) da nação brasileira moderna. Concluímos que este filme figura a periferia brasiliense como uma “presença insurgente” (ADERALDO, 2018) capaz de questionar a utopia modernista que serve como um “manto mito-poético” (HOLSTON, 1993) de Brasília, ofuscando suas origens históricas e os conflitos de classe que explodiram neste processo.
A discussão conduzida a partir da leitura de A cidade é uma só? ilumina importantes questões teóricas sobre a relação entre espaço urbano e cinema. Primeiramente, nota-se que as imagens urbanas dos filmes nunca coincidem com as cidades da vida cotidiana (BARBOSA, 2012). Como escreveu Rubens Machado Jr., “no momento em que vemos a cidade construída na tela, seja a que habitamos ou não, podemos dizer que estamos diante de uma outra cidade, distinta daquela que a nossa experiência direta guardou na memória” (MACHADO JR., 1989, p. 2). Isso aponta para uma relação de alteridade entre experiência urbana subjetiva e representação fílmica das cidades. O que o cinema faz com a cidade é uma complexa trama e não pode ser reduzido ao reflexo de realidades sociais. Os filmes produzem duplos: recriam o mundo sob perspectivas particulares – e isso vale para o universo urbano. Uma metamorfose maquínica das cidades (COMOLLI, 2008) é efetuada pelo cinema que, ao deslocar e transformar o que vemos e vivenciamos em nossa experiência urbana, produz “cidades cinemáticas” (CLARK, 1997).
Em segundo lugar, notamos que, para além de mero cenário ou superfície que os personagens atravessam, o espaço urbano pode se tornar protagonista de certas obras cinematográficas. Nossa análise identifica esta operação em A cidade é uma só? e busca qualifica-la a partir das estratégias fílmicas agenciadas por Adirley Queirós. Se “nem todas as cidades são cinemáticas” (BRUNO, p. 47, 1997), consideramos que esta obra instaura Ceilândia como uma cidade do cinema. A periferia brasiliense surge no filme, portanto, como as entranhas da cidade modernista.
Bibliografia
- ADERALDO, G. “Visualidades urbanas e poéticas da resistência”. Antropolítica, Niterói, n. 45, p. 66-93, 2018.
BARBOSA, A. São Paulo cidade azul. SP: Alameda, 2012.
BRUNO, G. “City Views: The Voyage Of Film Images”. In: CLARK, D. B. (org.). The Cinematic City. NY: Routledge, 1997.
COMOLLI, JL. Ver e poder – A inocência perdida. BH: Ed UFMG, 2008.
HOLSTON, J. A cidade modernista. SP: Cia das letras, 1993.
MACHADO JR, R. L. R. São Paulo Em Movimento. USP, Departamento de Cinema, Rádio e Televisão, 1989.
NOWELL-SMITH, G. “Cities: Real and Imagined”, in SHIEL, M. & FITZMAURICE, T. (orgs), Cinema and the City, Oxford: Blackwell, 2001.
SHIEL, M. “Cinema and the City in History and Theory”. In: SHIEL, M. & FITZMAURICE, T. (orgs.). Cinema and the city. Oxford: Blackwell, 2001.
SONTAG, S. “Against interpretation”. In: Against interpretation and other essays. NY: Picador USA, 2001.
TSING, A. The Mushroom at the end of the world New Jersey: Princeton University Press, 2015.