Ficha do Proponente
Proponente
- Leandro Rocha Saraiva (UFSCar)
Minicurrículo
- LEANDRO SARAIVA é roteirista e professor do Curso de Imagem e Som da UFSCAR. Escreveu roteiros para TV (Cidade dos Homens 9mm) e para cinema (A fúria, de Ruy Guerra, em produção, e alguns outros, em captação). Fez pesquisa de personagens em Peões (Eduardo Coutinho). Foi coordenador pedagógico do DOCTV, editor das revistas Sinopse e Retrato do Brasil. Publicou Manual de roteiro, ou Manuel, o primo pobre dos Manuais, e artigos variados. É colaborador e conselheiro do Vídeo nas Aldeias.
Ficha do Trabalho
Título
- As muitas faces de Deus – Sintonia, Milagres de Jesus e Divino Amor
Seminário
- Cinema Comparado
Formato
- Presencial
Resumo
- A proposta é a comparação entre Divino Amor (Gabriel Mascado, 2019), Sintonia (Kondzilla, 2020-2021) e Milagres de Jesus (Renato Modesto, 2014-2015), como três formas distintas de representação audiovisual da fé evangélica contemporânea.
Resumo expandido
- O objetivo desta proposta é a comparação de três representações audiovisuais, ficcionais e contemporâneas, da experiência evangélica brasileira: uma narrativa histórica, confessional e televisivo-industrial (Os Milagres de Jesus, minissérie da Rede Record 2014-2015), uma ficção futurista, distópica, autoral e irônica (o longa Divino Amor, 2019, direção de Gabriel Mascaro), e uma narrativa realista, combinando traços de gêneros – melodrama, thriller criminal, musical e “coming of age”-, numa parceria de produção entre indústrias, internacional e nacional-periférica (Sintonia, 2020-2021 – série original Netflix, criação e direção geral de Kondzilla, diretor do portal homônimo).
O crescimento da fé evangélica, com predominância das denominações neopentecostais, é amplamente reconhecido como fenômeno crucial para o entendimento da sociedade brasileira atual. SOARES (2019) considera a ampla e caótica urbanização do país, a partir da segunda metade do século XX, e o intenso trânsito religioso deste período, como um mesmo “fato social total”, no sentido de Mauss. O crescimento evangélico seria o último capítulo (até aqui) deste processo, correlato à inserção precária mais profunda do país na lógica neoliberal. Segundo ALMEIDA (2006), a experimentação religiosa combinatória convive com o vínculo mais exclusivista dos evangélicos. Essa identidade própria, apartada, rompe com certa fluidez da fé e subjetividade popular brasileira (como se vê, por exemplo, em Santo Forte, Eduardo Coutinho, 1999), mobilizando um “ethos da guerra” (VIDAL, 2015), que parece afirmar-se como um solo comum, sobretudo entre os pobres, pressionados por uma nova versão da insegurança estrutural, agora sob a égide neoliberal. Abrem-se aí possibilidades para os conhecidos usos políticos (FONSECA, 2021) desses afetos guerreiros, de negação radical do outro (SOARES, 2020). Mas o utilitarismo político conservador, calcada na negação protofascista da alteridade, não esgota, é óbvio, a complexidade de matizes da experiência evangélica nacional, não apenas pela multiplicidade de denominações, mas também pela intrínseca polissemia de um fenômeno tão vasto.
A dramaturgia audiovisual, cinematográfica e televisiva, é parte pequena, na verdade, de um quadro muito mais amplo, dentro do qual, mesmo o leque de “obras” culturais, na acepção mais corriqueira (videoclipes, programas de pregação – na tv, rádio ou internet -, publicações etc), é ainda parcial, se tivermos em perspectiva o universo das experiências vividas por dezenas de milhões de crentes. Apesar do interesse, e até necessidade, de uma exploração horizontal desse “ecossistema” da comunicação evangélica, nosso recorte aqui é mais modesto, verticalizado em três obras audiovisuais, escolhidas como modos de formalização ficcional dessa experiência de massa contemporânea.
Divino Amor constrói um Brasil distópico, extrapolando a tendência do “projeto de poder” (MACEDO, 2008) evangélico para uma situação de rotinização em forma de fundamentalismo teocrático e tecnocrático, que incorpora e funcionaliza a sexualidade dentro de um quadro de controle dos corpos, almas e famílias.
Milagres de Jesus aposta na narrativa histórica, sacra e canônica, sublinhando em tom realista a condição social dos primeiros adeptos do messias, como trabalhadores, elidindo assim a retórica de confronto contemporâneo, buscando uma universalização humanista da mensagem cristã.
Sintonia, em bases ainda mais realistas, explora uma vasta gama de ambientes, situações e personagens que compõem um sólido panorama da vida na periferia urbana, apresentando – não sem alguma estereotipização- a opção evangélica como uma das grandes alternativas, práticas e existenciais, para os jovens pobres, junto com o crime e o funk.
É importante ter em perspectiva as bases de produção, e distribuição, das três obras: um longa autoral, uma minissérie da Rede Record e série produzida por um grande portal de funk, para a maior das plataformas de streaming.
Bibliografia
- ALMEIDA, Ronaldo de. A Igreja Universal e seus demônios. São Paulo: Terceiro Nome, 2009.
BARROS II, João Roberto. ” ‘Divino Amor’ – um olhar biopolítico”. Revista Epistemologias do Sul, v. 4 n.2 (2020).
CARVALHO, Noel; PADOVANI, Gustavo. “O mundo multiplataforma Kondzilla”. Alceu, v.20,. n. 42 (2020).
CUNHA, Christina Vidal. Oração de traficante. Rio de Janeiro: Garamond, 2015.
FONSECA, Alexandre Brasil e DIAS, Juliana (coords.), CAMINHOS da desinformação: evangélicos, fake news e WhatsApp no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, Inst. NUTES, 2021.
MACEDO, Edir; OLIVEIRA, Carlos. Plano de poder: Deus, os cristãos e a política. 2008.
SCOLA, Jorge . “A teledramaturgia bíblica pela TV Record: sentidos e mediações a partir da produção da mensagem”. Ciências Sociais e Religião . 2017, vol. 19 n. 27.
SPYER, Juliano. Povo de Deus. São Paulo: Geração Editorial, 2020.
SOARES, Luiz E.. O Brasil e seu duplo. São Paulo: Todavia, 2019
________________. Dentro da noite feroz. Boitempo, 2020.