Ficha do Proponente
Proponente
- Mayra Coelho Jucá dos Santos (CPDOC)
Minicurrículo
- Doutoranda e mestre pelo CPDOC/FGV, Bacharel em Comunicação Social (ECO-UFRJ). Ministrou a disciplina “Mídias Digitais e Novas Janelas para o Documentário” na Pós-grad. em Documentário CPDOC (2019-2021). Em 2021-2022 é bolsista Capes Print no Centre for Oral History and Digital Storytelling, na Concordia University (Montreal, CA). É realizadora do webdoc Periferas Musicais (2019); dos curtas Túnel (1994) e Carne de Carnaval (2004); co-autora do livro Maria Muniz a Sherazade do Rádio.
Ficha do Trabalho
Título
- “Pira” e as tomadas da cidade pelo Super-8 subversivo
Seminário
- Outros Filmes
Formato
- Presencial
Resumo
- “Pira”, dirigido por Sérgio Péo, é um curta metragem experimental realizado em Super-8 em 1972, no Rio de Janeiro. Ao analisar “Pira”, este trabalho investiga a produção em Super-8 nos anos 70 como documento histórico de uma prática cinematográfica artística-política, subversiva e espacializada. A ocupação do espaço público com uma câmera sob condições adversas, em pleno AI-5, instrumento de máxima repressão da ditadura militar vigente na época, é a chave de análise empregada neste trabalho.
Resumo expandido
- O cinema em Super-8 se insere entre as linguagens cinematográficas desenvolvidas no Brasil durante a ditadura militar como um cinema que contraria a proposta original de produção doméstica e familiar dos fabricantes do equipamento; contraria as normas estéticas do cinema convencional/comercial; os valores familiares conservadores que a juventude como um todo vinha contestando no mundo; o arranjo produtivo que, no Brasil, passava pela subvenção estatal e implicava na submissão à censura; o fluxo de retirada de intelectuais e artistas para o exílio; e a exigência de um comportamento desarticulado, sob constante vigilância, no espaço público, em especial em ambiente urbano.
Pira é um curta-metragem de 14 minutos realizado em novembro de 1972, em Super-8, com uma câmera comprada dois meses antes pelo diretor, Sérgio Péo, que reúne amigos da faculdade para uma experimentação cinematográfica nas ruas do centro da cidade. Filmado ao longo de uma semana e montado na semana seguinte, seu ciclo de produção foi concluído integralmente em cerca de 15 dias. Semanas depois, o diretor embarca para uma viagem pela Europa, abandonando no último ano a graduação em Arquitetura e Urbanismo na UFRJ. A projeção que o diretor considera como a primeira de Pira foi feita em um cineclube clandestino em Lisboa, ponto de partida da viagem. Tanto o Brasil quanto Portugal viviam sob ditaduras e o clima era tenso em Lisboa, assim como no Rio de Janeiro, em 1972. Mais de um ano depois, de volta ao Rio de Janeiro, o filme é finalmente exibido “em casa”, literalmente.
Na literatura do campo dos “Film Studies”, o conceito de filmes subversivos aparece no contexto da contracultura dos anos 1960 e 70, associado a filmes que subvertem formas estéticas e narrativas estabelecidas pela indústria do cinema ao criarem circuitos locais, alternativos, e não reproduzirem, especialmente no caso dos Estados Unidos, a lógica de dominação perpetrada por Hollywood, com a massificação do American Way of Life em escala global. No Brasil, entretanto, o termo “subversivo” foi adotado à exaustão pelo regime militar para identificar o “inimigo” esquerdista durante a ditadura.
Documentos oficiais do Sistema Nacional de Informações, o SNI, responsável por atividades de “informação e contrainformação de interesse da segurança nacional” utilizavam como assunto, em caixa alta no cabeçalho, por exemplo: “EXIBIÇÃO DE FILMES SUBVERSIVOS”. Uma busca com as palavras chaves “filmes subversivos” no Sistema de Informações do Arquivo Nacional (SIAN) traz 66 resultados, contendo documentos organizados em dossiês datados de 1964 a 1983, ou seja, praticamente durante todo o período da ditadura.
Ao atentarmos para a forma de ocupação do espaço público promovida pela presença do corpo e da câmera no território da cidade, buscamos compreender em que medida a tomada de imagens se torna subversiva, menos pela narrativa e talvez mais pela estética, ou pela prática da filmagem como experiência cujo registro se torna documento. A relação entre corpo e cidade será experimentada e em alguns casos radicalizada nos filmes em Super-8, fazendo com que o próprio ato de filmar se torne uma experimentação da cidade, numa espécie de retorno aos primórdios do cinema, mas agora com uma intenção transgressora no lugar da curiosidade em relação ao ambiente urbano.
Bibliografia
- BLANK, Thaís; MACHADO, Patrícia. Em busca de um método: entre a estética e a história de imagens domésticas do período da ditadura militar brasileira. In: Intercom Rev. Bras. Ciências da Comunicação 43, 2020 .
FOSTER, Lila. Matizes da cultura jovem: imagens e imaginários em torno do Festival de Cinema Amador JB/Mesbla. In: Revista Estudos Históricos, vol 34, n.72 p.30-53 Rio de Janeiro, 2021.
MACHADO JUNIOR, Rubens. Para uma história do experimental no cinema brasileiro: momentos obscuros, desafio crítico. In: Que histórias desejamos contar? Aguilera, Yanet; Berto, Vivian; e Fachel, Rosangela. São Paulo, 2019.
____________________. Cidade e cinema, duas histórias a contrapelo nos anos 70. In: Machado, Carlos Eduardo J.; Machado Jr., Rubens; Vedda, Miguel. (orgs). São Paulo, 2014
NAPOLITANO, Marcos. Coração Civil. A Vida Cultural Brasileira Sob o Regime Militar. 1964 a 1985. São Paulo, 2017.
Vogel, Amos, and Scott MacDonald. Film as a subverive art. New York, 1974