Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Simplicio Neto Ramos de Sousa (ESPM-Rio)

Minicurrículo

    Diretor e Roteirista de documentários como “Onde a Coruja Dorme” e “Carioca era um Rio”. Bacharel em Ciências Sociais pela UFRJ, Mestre e Doutor em Comunicação pelo PPGCOM-UFF. Pesquisa o realismo no cinema brasileiro. Foi Professor Substituto no Dep. de Cinema e Video da UFF, de 2008 a 2010. Hoje é Professor Assistente I do Curso de Cinema e Audiovisual da ESPM-Rio. Curador e Editor de Catálogo de Mostras nos CCBBS, como “Cineastas e Imagens do Povo” e “Os múltiplos lugares de Roberto Farias”

Ficha do Trabalho

Título

    Espaço Físico e Lugar Dramático no Cinema: uma perspectiva comparada

Formato

    Presencial

Resumo

    Uma análise comparativa dos usos da dualidade Espaço Físico-Lugar Dramático. Em obras de autores, épocas e países diferentes, um mesmo esforço transfigura, por obra da narrativa e da mise-en-scéne, o espaço físico de fato, pró-fílmico. O mesmo espaço físico do Parque Lage no Rio, um dos exemplos analisados, sugere diferentes lugares dramáticos, de Terra em Transe (1967) e Macunaíma (1969), a experiências mais recentes como Mercenários 3 (2010) ou um clipe do rapper americano Snoop Dogg.

Resumo expandido

    Para André Gaudreault, e François Jost, no cinema, o “espaço é um dado incontornável” (GAUDREAULT, A.; JOST; F., Ano, p.105). No entanto, há mais a questão do “tempo” que do “espaço”, na tradição de estudos narrativos, a “espacialidade sendo controlada pela temporalidade”(PEARSON, R.; SIMPSON, P, 2001). O foco é no contraste cronologia vs narração, desde a dicotomia fabula e syuzhet dos formalistas russos (Tomachevski, Chklovsky), ou Histoire e Discours dos Estruturalistas e Narratólogos (Genette, Todorov), ou entre Story e Plot na tradição anglo (E.M.Forster). Contudo, nesse caminho menos trilhado, do uso do Espaço, temos outra dicotomia a explorar, entre Espaço e Lugar. Segundo Jacques Aumont e Michel Marie (2004, p. 121) o cinema transforma o Espaço captado pela câmera, “mero resultado das propriedades miméticas básicas”, em Lugar, isto é, “organizado em função da ficção que aí decorre”. Para André Gardies (2011, p. 102-104), é a partir dos lugares, “que podemos ascender à compreensão do espaço, sobretudo na sua funcionalidade narrativa” . Para Pierre Beylot essa transformação do Espaço em Lugar se dá porque o “espaço vísivel”, se torna “espaço sugerido”, a partir do uso dramático da locação física. Sugestão dada e aceita/reafirmada pela imaginação do espectador que constrói enfim na fruição da obra audiovisual o espaço narrativo definitivo (BAYLOT,P. pp. 140-49). A proposta é uma análise comparativa de diferentes usos dessa dualidade Espaço-Lugar. Vemos em filmes de autores, épocas e países diferentes, um mesmo esforço de elaboração de um espaço sugerido/lugar dramático que transfigura, por obra da narrativa e da mise-en-scéne, o espaço físico de fato, pró-fílmico. Em filmes modernistas, isso traz uma dimensão de metáfora, alegoria, caso da comparação sugerida por Rubens Machado Jr. entre o barroquismo dos espaços palacianos, em Terra em Transe (1967) de Glauber Rocha e Alphaville (1965), de J.L. Godard, mas, chamamos também atenção para como o tipo de “realismo mágico” que Paulo Gil Soares trouxe em Proezas de Satanás na Vila do Leva-e-Traz (1967) se contrapõe ao de Jodorowsky de El Topo (1970). Glauber Rocha, destacou o papel de seu então assistente Paulo Gil na construção da dualidade entre o “físico” e o “sugerido” em Terra em Transe: “Depois de uma semana de procuras intensas, Paulo Gil descobriu os locais: arquitetura dos anos 30, arquitetura colonial, interiores estilo ópera”, para “criar um novo país, Eldorado, estilizando cenários existentes do Rio”.(ROCHA, 1967b). No filme de Paulo Gil, vemos a ação sobrenatural do Demônio, no sertão baiano, mágica como a ação dos cowboys no deserto de El Topo, um Nordestern e um Western Spaguetti alegóricos. Mantendo-se a integridade de um espaço físico-temporal, explora-se seu poder de sugerir mundos imaginários. Para Pearson e Simpson seria uma função metafórica, para Ismail Xavier, no cotejo entre Terra em Transe e Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro, uma função alegórica. Nesses filmes do Cinema Brasileiro Moderno, o mesmo espaço físico do Parque Lage no Rio de Janeiro, se transforma em dois diferentes lugares: o palácio do governador populista Vieira, e a mansão de Pietro Pietra. Local requisitado por produções com diferentes propostas de uso da dualidade Espaço-Lugar, como no blockbuster Mercenários 3 (2010) ou num clipe do rapper americano Snoop Dogg, ambos lá realizados. Como seria esse uso em filmes pós-modernos? Nesses últimos casos, veríamos um esforço mais no sentido da realização das “potências do falso” (DELEUZE, 1990). Como na São Paulo de HQ de Cidade Oculta (1986) , “néon-realista” (PUCCI JR., 2009). Comparemos com o esforço “neo-realista” de Cidade Ameaçada (1960), de Roberto Farias, discutido por Glauber Rocha e Gustavo Dahl, em cartas trocadas (BENTES, 1997), como problemático, pois sendo fiel a São Paulo da época, quebraria as expectativas de representação da realidade brasileira da crítica francesa e também dos próprios cinemanovistas?

Bibliografia

    AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. . A Análise do Filme. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2004
    BEYLOT, Pierre. Le Recit Audiovisuel Paris: ArmandCollin, 2005
    DELEUZE, Imagem-Tempo. São Paulo: Braziliense, 1990
    GAUDREAULT, A.; JOST; F. A Narrativa Cinematográfica, Brasília: Editora da UnB, 2009
    PEARSON, Roberta E.; SIMPSON, Philip. Critical-dictionary-of-film-and-television-theory. NY: Routledge, 2001
    PUCCI JR, Renato Luiz. Cinema Brasileiro Pós-Moderno – o neon-realismo. Sulina, 2009
    ROCHA, Glauber. Entrevista de Glauber Rocha sobre o lançamento de Terra em Transe. Revista Artes, ago.-set. 1967b.
    MACHADO JR., Rubens Luis Ribeiro; XAVIER, Norberto Ismail. Estudo sobre a organização do espaço em Terra em transe. 1997.Universidade de São Paulo, São Paulo, 1997
    OLIVEIRA JR., Luiz Carlos. A mise en scène no cinema: do clássico ao cinema de fluxo. Campinas: Papirus, 2013,
    XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993.