Ficha do Proponente
Proponente
- Monica Rodrigues Klemz (UFRJ)
Minicurrículo
- Graduada em cinema pela UNESA, em 2017; pós-graduada em documentário pela FGV-Rio, em 2020; mestranda em Mídias Criativas pela UFRJ, é realizadora do curta-metragem Um Jardim Singular, apresentado em festivais nos cinco continentes, selecionado, entre tantos, no MoMA’s Doc Fortnight New York 2019, no Full Frame Documentary Film Festival 2018, além de vários prêmios; também é criadora e curadora da Galeria Heterotopias, 2022, virtual 360 e suas espirais de conversa.
Ficha do Trabalho
Título
- Mormaço – entre o realismo fantástico e o sensível
Formato
- Presencial
Resumo
- Em Mormaço, filme de Maria Meliande, 2019, os conteúdos factuais relacionados à especulação imobiliária, na cidade do Rio de Janeiro, no período anterior às Olimpíadas, trazem como consequência imediata as remoções, as ocupações e, a longo prazo, imprime danos físicos às pessoas e à natureza. A diretora converte, artisticamente, o caráter filosófico, da experiência coletiva urbana, através do (neo)realismo sensório e fantástico, de forma constelar, em interlúdios exegéticos de verdade.
Resumo expandido
- A diretora Marina Meliande, no longa-metragem Mormaço, de 2019, utiliza como tema a especulação imobiliária, durante o período de preparação olímpica, na cidade do Rio de Janeiro. Tem como cenário as transformações e demolições e a relação da comunidade Vila Autódromo, da defensora pública e do seu prédio com as forças opressoras e violentas do poder, a ação da mídia e de políticos de ocasião, revelando uma espessura histórica da remoção. Em uma obra audiovisual híbrida, o realismo fantástico metafísico aparece, com representação material e não material da realidade (ALMEIDA, 2018, p. 17-28), ou seja, do fato, de uma exteriorização de valores distópicos e da subversão dos sentidos, passando da predominância do audiovisual para o tátil sensorial, como o sólido, através do corpo, da parede, da pedra atingidas materialmente por uma doença e os seus odores pútridos; o líquido, representado pela passagem pelo lago, mar, piscina, uso da água encanada e, no final, a chuva, além da desmaterialização em nuvem, pó, espirrada na implosão do viaduto, no uso de inseticida aerossol na piscina, na poeira deixada por tratores na remoção da Vila Autódromo, no gás lacrimogênio jogado no edifício ocupado por forças policiais. Através do realismo sensório, da estética do fluxo, do olhar andarilho, da perambulação pela cidade, esses corpos reverberam as mediações da efemeridade, de que são portadores, no cotidiano (VIEIRA, 2020), como a ida à feira ou a passagem entrelugares, nas calçadas, ou em frente à obra monumental construída para as Olimpíadas ou o movimento através do transporte público. Com o uso de protagonistas mulheres, nos dois núcleos da trama, a diretora apresenta mulheres que assumem uma posição ativa diante do que vivem, promovendo e organizando reuniões, expressando a ilegalidade dos acontecimentos com o poder instituído, representado por homens, e reivindicando justiça, além, de dirigirem e direcionarem o seu desejo físico e por ética.
O filme, possui atores e não-atores, sendo os não-atores pertencentes à comunidade da Vila Autódromo, como no neorrealismo italiano ,com utilização de planos médios, em cenários reais (FABRIS, 2012, p. 205). A protagonista aparece como hospedeiro de um parasitóide que também infecta o espaço em que vive e a natureza e produz lesões que crescem de forma amebóide e constelar, criando diferentes cartografias nessas superfícies, alegoria que dá multiplicidade de sentidos, expressão dos acontecimentos (BENJAMIN, 1984, p. 199) presentes, e a mudança da luz, tornando o ambiente-corpo cada vez mais sombrio.
Em Mormaço fica claro que o corpo-espaço reage às projeções dos modos de produção predatórios econômicos e de um urbanismo desarticulador de convívios pacíficos e societais se determinando através de marcas em sua superfície, que o consome, de fora para dentro, em função da ameaça sofrida.
O filme exercita a alteridade, o singular, o heterotópico, nas relações prático-sensíveis dos moradores da Vila Autódromo com a defensora pública, assim como, a individualidade, no espaço que se ocupa, no tempo histórico retratado, na própria atmosfera sugerida. Mormaço, mistura gasosa e incandescente, acompanhada de luz e energia térmica, que se forma durante uma combustão, mostra, no final, que o processo revolucionário está no presente-devir. Embora, a Vila Autódromo seja destruída por tratores, embora, a resistência de moradores da zona sul contra a sua saída do prédio seja frustrada, pelos boicotes, como corte de água, energia e de manutenção básica, embora a personagem principal morra sem esperança, algo se move dentro das paredes em ruínas, estilhaços significativos e significantes, uma constelação de possíveis combustões.
As simultaneidades, sincronicidades, desses dois lugares-mundos, prédio na zona sul e comunidade na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, retratadas no filme, apresentam energias, linhas de fuga (in)tensionadas que transformam, no filme, adversidade, em resistência, luta e transgressão.
Bibliografia
- ALMEIDA, R. F. O realimo mágico no cinema – o caso de Veit Helmer. Dissertação de mestrado em Estudos Artísticos, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 2018. Disponível em: https://eg.uc.pt/bitstream/10316/82693/1/RicardoAlmeida_DisMestrado.pdf. Acesso em: 29 mai 2022.
BENJAMIN, W. Origem do drama barroco alemão. Elogio da Filosofia. Tradução: Sérgio Paulo Rouanet. Brasilense., 1984
FABRIS, M. Neorrealismo italiano. In: MASCARELLO, F. História do cinema mundial. 7a ed. Campinas, SP: Papirus, 2012
VIEIRA, Jr. E. Realismo sensório no cinema contemporâneo. Vitória, ES: EDUFES, 2020. Disponível em: https://repositorio.ufes.br/bitstream/10/11605/1/digital_realismo-sensorio-no-cinema-contemporaneo.pdf. Acesso em 29 mai 2022.