Ficha do Proponente
Proponente
- Natália Marchiori da Silva (UFMG)
Minicurrículo
- Doutoranda na linha “Pragmáticas da Imagem” do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da UFMG. Mestra em Imagem e Som pela UFSCar e bacharel em Artes Visuais pela Belas Artes-SP. Pesquisa o cinema produzido por mulheres e as relações com políticas feministas, destacando o ambiente doméstico como elemento central para o debate.
Ficha do Trabalho
Título
- Por uma política da aliança entre mulheres: Casa (2019)
Seminário
- Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva
Formato
- Presencial
Resumo
- A comunicação pretende analisar o documentário Casa (2019), de Letícia Simões, observando como o filme proporciona a construção de uma aliança entre as três gerações de mulheres retratadas. Tais processos ocorrem a partir do tensionamento das memórias, que colocadas em cena pelo uso de imagens de arquivo, ou por cenas gravadas geralmente no ambiente doméstico, demonstram as fissuras de uma vida familiar que o filme como uma casa tenta abrigar.
Resumo expandido
- Em Casa (2019), documentário realizado por Letícia Simões, acompanhamos a diretora em uma investigação da história das mulheres de sua família: a sua, de sua avó e de sua mãe. O filme deixa evidente as diferenças de formas de ser e de experiência vividas, que num gesto da diretora em uni-los pelo filme cria uma aliança entre essas histórias, demonstrando ao mesmo tempo os conflitos existentes, que muitas vezes são irreparáveis e as formas de estar junto, de estabelecer laços e pontes entre mundos que a princípio estão distantes.
Se pensarmos junto de Judith Butler sobre uma política das alianças, que “implica em uma ética da coabitação” (BUTLER, 2018, p.95), que pode inclusive criar um espaço-tempo próprio, percebemos que esse é o gesto de Letícia Simões ao realizar o filme. Ela cria o espaço da casa para essas alianças: entre a história da mãe e da avó que se não fosse pelo documentário não poderia existir, e também para pensar as alianças que formam a sua própria subjetividade. Como Winnicott coloca: “Para toda mulher, há sempre três mulheres: ela menina, sua mãe e a mãe da mãe” (WINNICOTT, 1999, p.222).
Esse gesto da diretora, que acreditamos inserir uma política da aliança, de produzir um espaço para que todas essas vidas, mulheres, possam existir, requer um processo de elaboração dessas histórias a partir das fotografias de família e da fala dessas personagens. Como exemplo, os momentos em que Heliana, mãe de Letícia, conta sobre sua depressão, sobre o casamento, sobre o mestrado, ou então, quando Carmelita secretamente conversa com a neta sobre o perdão da filha. Esse processo de auto elaboração, é o que Foucault (2009, 2013) definiu como “técnicas de si”, uma forma de transformação pessoal e também social que possibilita um novo futuro. No filme de Simões, esse processo de ressignificação das relações e de coabitação está atrelado as transformações do espaço, dos momentos em torno da mesa de jantar, da limpeza e organização. De certa forma, a diretora cria espaços dentro de espaços, um fora que surge de dentro, para abandonar esse lugar de controle, opressão e invisibilidade que o doméstico assumiu para as mulheres, para enfim ser Casa, um lugar de liberdade, encontro, brigas, em que as histórias pessoais finalmente podem existir, mesmo que de forma conflituosa. Existência impulsionada pela relação entre mulheres.
O passado que apresenta seus traumas, dores, não pretende ser modificado, esquecido, ele existe como memória inscrita em cada corpo, mesmo quando trancado a correntes, como Heliana mãe de Léticia faz. Esse passado precisa ser elaborado, revisitado, como parece ser a intenção da diretora ao querer ver os arquivos implacáveis. Segundo Roberta Veiga: “Não restam dúvidas que esses arquivos encarnam materialmente afetos e sentimentos de uma vida em família impossíveis de se acalmar, de se atenuar” (VEIGA, 2019, p.161), um passado inabalável como Veiga demonstrou, mas que pode auxiliar na construção de um futuro menos implacável, como enxergamos no filme.
A diretora ao produzir essas alianças por meio do filme, do cinema, evidencia um conjunto de relações dentro do espaço, que considerando os valores simbólicos e subjetivos nos permite pensar de forma ampla o ambiente doméstico e como ele incide na vida de cada uma dessa mulheres. Letícia, Heliana e Carmelita vivem casas diferentes, cada qual com seus laços e fissuras em relação ao espaço, e o filme, como um lugar comum, de coabitação, une essas experiências sem apagar a multiplicidade de formas de ser e estar, ou mesmo de não estar, como no caso de Carmelita que vive numa casa para idosos. O filme é um lugar de criar relações, uma casa, que ressoa o diálogo final entre Letícia e Heliana: “Família é a ligação entre as pessoas”.
Bibliografia
- BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria perfor- mativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos III. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.
______. Ditos e Escritos IX. Genealogia da ética, Subjetividade e, Sexualidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.
VEIGA, Roberta. “Entre o passado implacável e as interações vivas: a casa-cinema de Letícia, Heliana e Clementina”. In Catálogo Forumdoc.bh 2019, Belo Horizonte, 2019.
WINNICOTT, D, W. Tudo começa em casa. São Paulo: Martins Fontes, 1999.