Ficha do Proponente
Proponente
- Maria Angélica Del Nery (USP)
Minicurrículo
- Maria Angélica Del Nery (São Paulo, 1964). Cineasta, fotógrafa e artista visual. Doutoranda no PPGMPA-ECA-USP. Mestre em Artes (PPGAV-ECA-USP; 2017) com a dissertação “Sala Devir Cinema: seis variações poéticas de uma película cinematográfica”. Pós-graduação em Fotografia (FAAP; 2014). Dirigiu os filmes: “Urucuia”; “Livro para Manuelzão”; “Turista Aprendiz”; “Exercícios do Olhar – para falar de Gilda de Mello e Souza”. Prêmio TV Cultura 2004 – Melhor Documentário Nacional.
Ficha do Trabalho
Título
- The Krazehouse ou as fotografias em movimento de Rineke Dijkstra
Formato
- Presencial
Resumo
- Rineke Dijkstra é uma artista contemporânea conhecida e premiada por seus retratos de adolescentes e jovens. O objeto deste estudo é a videoinstalação “The Krazyhouse (Megan, Simon, Nicky, Philip, Dee), Liverpool, 2009”. A influência do fotográfico na produção videográfica da artista abre interrogações sobre intermidialidade no contemporâneo; permite retomar a experiência histórica da fronteira entre mídias no primeiro cinema e convoca reflexões sobre a relação entre o estático e o movimento.
Resumo expandido
- Quando o observador entra na sala escura onde acontece a viodeoinstalação “The Krazyhouse (Megan, Simon, Nicky, Philip, Dee), Liverpool,2009”, ele se depara com uma grande tela onde vê um jovem dançando ao som de uma música tecno. Quando a música termina a sala fica completamente escura até que uma outra tela se ilumina e começa um outro vídeo com outro jovem dançando. Ao todo são cinco jovens que dançam, são cinco vídeos que se alternam em quatro telas e que continuam em loop. Neste trabalho o universo clubber é mostrado como um lugar que comporta um feixe de singularidades e não, uma massa de corpos indistintos. Estes vídeos operam como retratos quando nos dão a ver através da dança a personalidade dos jovens Megan, Simon, Nicky, Philip, Dee. A forma processual escolhida pela artista para realizar as gravações foi montar um set de filmagem ao lado da pista de dança, utilizando um fundo infinito branco e fontes de luz contínua branca e difusa. A artista já tinha um percurso consolidado com retratos quando começou a trabalhar com imagens em movimento. Seu trânsito da fotografia para o vídeo teve como disparador sua intenção de incorporar movimento e som aos seus retratos. Como ela mesma disse: “Luzes contínuas tomaram o lugar dos flashes, mas (…) o arranjo permaneceu o mesmo das fotos. (…) Aqui não foi mais em 1/125 de segundo que tentei capturar alguém, mas em um momento prolongado que pode durar vários minutos” (ADRICHEM, 2012, p.45-60) .
Os vídeos mostram pura ação, gestos que se transformam em outros possíveis gestos, formas que escoam como o tempo escoa, uma experiência de “presente puro” na descrição de Bergson: “o inapreensível avanço do passado a roer o futuro” (BERGSON, 1990, p.175-176). Essa temporalidade que é duração, mudança incessante, se distancia da temporalidade fotográfica, do “isto-foi” barthesiano, aspecto extraído da continuidade. Nessa videoinstalação as imagens estão em movimento na sua fisicalidade e na sua figuração. A frontalidade do registro e a escasse de planos aproximam The Krazehouse do primeiro cinema. Os vídeos nos remetem em especial a Danse Serpentine. Na análise de Tom Gunning e André Gaudreault os filmes do primeiro cinema funcionavam como “atrações”: manifestações visuais que comunicam no nível da mostração, que reconhecem implicitamente a presença do espectador, com quem estabelecem contato direto. Diz Guadreault: “A atração está ali, na frente do espectador, para ser vista. Ela não existe, stricto sensu, senão para se dar a ver. Como regra geral, a atração é momentânea, para não dizer instantânea (…)” (GAUDREAULT, 2008, p.93).
A partir da contiguidade entre o fazer fotográfico e o fazer videográfico no percurso de Rineke Dijkstra e a partir da similaridade formal entre The Krauzyhouse e o “cinema das atrações” outra questão se apresenta: a presença da intermidialidade no pré-cinema e pós-cinema. Para Gaudreault, no período entre 1895 e 1914 o cinematógrafo estava em interação com mídias que o precederam, como a fotografia, a cronofotografia, o cinetoscópio, a lanterna mágica, o teatro óptico, os espectáculos de ilusionismo, de mágica e de mímica. Inserido entre “séries culturelles”, o “novo invento” não estava afastado de outras práticas culturais. Diz ele: “Na virada do século XX, a malha intermedial era tão fértil e tão fecunda no mundo da cinematografia que um grande número de vistas animadas pagava uma espécie de tributo às outras mídias ou espaços midiáticos (…)” (GAUDREAULT, 2008, p.112-113). No trabalho de Rineke Dijkstra a relação entre fotografia e vídeo aponta para um tensionamento entre fixidez e movimento para além da fisicalidade do meio expressivo. Em The Krazehouse, os vídeos, ao mostrarem puro movimento contínuo, provocam uma memória residual próxima do retrato, como uma experiência temporal secundária, subjetiva, da ordem do imaginal, que se soma à experiência evidente para formar uma imagem total complexa, onde coabitam o movimento e o estático.
Bibliografia
- ADRICHEM, Jan van. “Realism the Smallest Details”, In Rineke Dijkstra: A Retrospective. New York: Guggenheim Foundation, 2012, pp.45/60.
BARTHES, Roland. A câmara clara. RJ: Nova Fronteira, 1984.
BERGSON, Henri. Matéria e memória. SP: Martins Fontes, 1990.
BORGES, Cristian. “Do pré-narrativo ao pós-cinema”. In: Pós-fotografia, pós-cinema: nova configurações das imagens. SP: Ed. SESC, 2019.
DIJKSTRA, Rineke. Wo Men – Hasselblad Award 2017. Gothenburg: Hasselblad Found., 2017.
____. Rineke Dijkstra: A retrospectiva. Nova York: Guggenheim Found., 2012.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas-SP: Papirus, 2012.
____. Photographie & Cinema: de la différence à l’indistinction. Paris: Éditios Mimésis, 2021.
GAUDREAULT, André. Cinéma et attraction: pour une nouvelle histoire du cinématographe. Paris: CNRS Éditions, 2008.
____, GUNNING, Tom. “Le cinéma des premiers temps: un défi à l’histoire du cinéma?” In Histoire du cinéma. Nouvelles approches. Paris: Sorbonne, 1989.