Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Pedro Cardoso Aspahan (ufmg)

Minicurrículo

    Pedro Aspahan é doutor em Comunicação Social pela UFMG, com estágio doutoral na King’s College London, estudando as relações entre Cinema Moderno, Música Contemporânea e a Estética do Serialismo na obra de Straub-Huillet. No campo do cinema, atua como Diretor, Técnico de Som e Montador, especializando-se no campo do documentário. Desenvolve pesquisa de pós-doutorado desde 2018, coordenando o trabalho audiovisual junto ao Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG.

Ficha do Trabalho

Título

    Noite que não finda

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Para esta apresentação propomos a exibição comentada e análise do curta “Noite que não finda” (Pedro Aspahan, 6′, 2020) realizado no contexto da pandemia. Trata-se de um filme estruturado, tanto na imagem quanto na composição musical, a partir de princípios matemáticos de progressão aritmética, tal como foi a curva de contaminação descontrolada da doença durante a pandemia no Brasil. O filme faz homenagem às vítimas da doença numa complexa relação entre imagem e música.

Resumo expandido

    O apagar de uma luz em uma janela da cidade noturna pode ser visto de forma poética, como velas que deixam de brilhar, abandonando o calor e a vida de seu ambiente, sugerindo também as vidas que se apagam diante da pandemia no país, enquanto outras luzes se mantêm acessas, velando a noite que não finda. O filme é uma forma de prestar homenagem e de elaborar a perda dessas inúmeras vítimas, incluindo uma pessoa querida de minha família que foi precocemente vitimada pela doença.

    Partimos das imagens noturnas da cidade, destacando os momentos em que as luzes de janelas se apagam, muitas vezes de modo bastante imperceptível para o nosso olhar. A experiência do filme oferece ao espectador uma sensação de perda, como se ele não conseguisse reter ou capturar o que acaba de acontecer à sua frente. A música caminha no sentido contrário, destacando, com acordes, cada luz que se apaga.

    No processo de construção da forma fílmica utilizamos o princípio matemático de progressão exponencial, próprio à propagação descontrolada da doença, para marcar cada passagem à tela preta. O primeiro intervalo em preto tem apenas 6 frames de duração, o segundo tem 12 frames, o terceiro, 24 frames (um segundo), até chegarmos ao ápice, no último intervalo, com 1 minuto de tela em preto: um minuto de silêncio das imagens em homenagem às vítimas, enquanto os etéreos sons musicais agonizam nos agudos. O filme tem 6 minutos exatos de duração e foi feito quando atingimos 60 mil vítimas. Cada minuto do filme homenageia 10 mil vítimas. O filme produz um alargamento e uma angustiante densificação da noite que se aprofunda.

    A construção da música também é feita usando o princípio da progressão matemática na aplicação de um crescente acúmulo de notas agudas da série harmônica, seguindo a sua lógica numérica intervalar: nota fundamental, oitava, quinta, e assim sucessivamente, o que corresponde às divisões da nota fundamental por valores progressivos: dividido por 2, 3, 4, 5, 6, 7 etc… até o último harmônico possível na tessitura da clarineta, caminhando sempre na direção dos agudos. Toca a música foi realizada a partir de um instrumento de sopro, a clarineta, o que tematiza a questão da respiração, da vida e da morte.

    A cada nova luz que se apaga, uma nova nota mais aguda da série harmônica vem se somar à nota fundamental que ressoa contínua. Trata-se de um processo contínuo e progressivo de adição, em diálogo com as experimentações da música espectral, num jogo intenso de variações timbrísticas, com um certo nível controlado de aleatoriedade. No início, a música soa de forma bastante harmoniosa, por se tratar dos primeiros harmônicos consonantes da série, mas ao longo do tempo, com as adições progressivas dos harmônicos, a complexidade dos intervalos sonoros vai se ampliando e atingindo um nível extremo de dissonância no desenvolvimento da série, com intervalos de segundas maiores e menores em conflito nas notas mais agudas.

    O filme trabalha a relação imagem e música a partir desse princípio matemático de estruturação, oferecendo ao espectador um desafio constante para perceber as pequenas luzes que se apagam das janelas em diálogo com as variações do material sonoro. A imagem vai se rarefazendo e caminhando em direção à tela em preto, o som vai se densificando, caminhando em direção à dissonância, à tensão e ao acúmulo de camadas e intervalos da série harmônica. A atenção do espectador flutua entre ver e escutar, como certa vez propôs Bresson ao criar o seu princípio de não redundância entre a escuta e a visão. Quando os olhos se cansam, damos atenção aos sons, quando os ouvidos se cansam, damos atenção à imagem. Porém, aqui, as imagens se apagam para dar espaço ao luto agonizante dos sons vividos no período da pandemia no Brasil.

Bibliografia

    ASPAHAN, Pedro. Composição musical e pensamento cinematográfico: a estética do serialismo no cinema de Straub-Huillet. Belo Horizonte: UFMG, 2017, orientação de César Guimarães, 323 fls.
    ASPAHAN, Pedro. Entre a escuta e a visão: o lugar do espectador na obra de Robert Bresson. Belo Horizonte: FAFICH/UFMG, 2008.
    BANDUR, Markus. Aesthetics of total serialism: contemporary research from music to architecture. Basel, Boston, Berlin: Birkhäuser, 2001.
    BRESSON, Robert. Notas sobre o cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras, 2005.
    BORDWELL, David. Narration in the Fiction Film. Wisconsin: The Board of Regents of The University of Wisconsin System, 1985.
    BRADY, Martin. Entrückung und Bilderverbot: Arnold Schoenberg and Film. London: University of London, 1998.
    BURCH, Nöel. Práxis do cinema. São Paulo: Perspectiva, 2008.
    MOURAO, P. DUARTE, T. (Orgs.) Cinema estrutural. Rio de Janeiro: Aroeira, 2015.
    GIDAL, Peter (org.). Structural Film Anthology. London: British Film Institute, 1978.