Ficha do Proponente
Proponente
- Sophia Pinheiro (PPGCine-UFF)
Minicurrículo
- É pensadora visual, interessada nas políticas e poéticas visuais, do corpo, marcadores da diferença e decolonialidade, principalmente em contextos étnicos, de gênero e sexualidade. Artista visual (FAV-UFG), doutoranda em Cinema e Audiovisual (PPGCine-UFF), mestre em Antropologia Social (PPGAS-UFG). Codiretora de Nhemongueta Kunhã Mbaraete, com Graciela Guarani, Patrícia Ferreira Pará Yxapy e Michele Kaiowá e codiretora do filme TEKO HAXY – ser imperfeita com Patrícia Ferreira Pará Yxapy.
Ficha do Trabalho
Título
- Reencantar e perturbar o cinema com mulheres originárias
Seminário
- Cinemas mundiais entre mulheres: feminismos contemporâneos em perspectiva
Formato
- Presencial
Resumo
- Busco historicizar o cinema indígena feminino brasileiro, dos anos 2000 até o presente. Com minhas interlocutoras, concebo que há uma articulação ao sentipensar (Orlando Fals Borba, [1984] 2002; Lia Pinheiro, 2019) e no sentir, pensar e agir (Mignolo, 2018) através da epistemologia ch’ixi (Cusicanqui, 2018) em que as cineastas perturbam e reencantam os cinemas através de seus processos cosmológicos com práticas artísticas e pensamentos visuais que acontecem junto com a vida.
Resumo expandido
- Nessa pesquisa de doutorado, considero que há uma outra perspectiva do cinema e da arte indígena contemporâneos com ênfase ao sentipensar, no seio das filosofias ameríndias: uma ciência artesanal que se tece por meio da paixão, da respiração, daquilo que compartimos em coletivo; comprometida com a vida, porque se reconhece como parte dela. Em Goiânia, onde nasci, dizemos que quando alguma pessoa é sábia, ela tem uma ciência das coisas. Ou seja, possui um conhecimento em fazer o chá certo para a dor certa, saber consertar o pé de mesa bambo, ter a ciência da minha tia Luzia em benzer cobras – para que a picada delas não seja fatal. É a ciência mostrada nas imagens dessas mulheres que narram os ensinamentos e vivências cotidianas de toda a gente, dos animais e das plantas.
Em A teoria da bolsa de ficção (2021), livro de Ursula K. Le Guin, “ela propõe o abandono do mito do Herói e sua estrutura de guerra em favor das estórias de vida” (FAUSTO, 2021, p.7). É diante dessas estórias de vida (que são também, cinemas) das mulheres de Abya Yala, que estão presentes na pesquisa, com suas complexidades e justezas, que desfio o fio da meada por trás do ato de filmar, quem filma e o que se filma. Levanto a hipótese de que as imagens e os filmes das mulheres indígenas perturbam e reencantam o cinema. Me lanço a analisar também os processos em que os filmes foram realizados, como interlocutora privilegiada das diretoras e também de algumas pessoas e projetos que ministraram as oficinas audiovisuais de formação dessas mulheres e de realização de alguns desses filmes.
Os modos de pensar e ver, como elas explicam e sentem o próprio cinema é minha investigação central. Como formula Sueli Maxakali, em conversa comigo para esta pesquisa: “nós indígenas temos uma cabeça muito própria para filmagem. Como a gente já mexe com artesanato eu acho que a filmagem é um pouco parecida”. O que interessa nessa pesquisa, então, é analisar e formular pensamentos visuais e sonoros para uma outra ideia e práticas fílmicas do que entendemos por cinema. Deste modo, as práticas desta pesquisa baseiam-se na minha relação, nos encontros e conversas com as cineastas indígenas Graciela Guarani (Guarani Kaiowá), Michele Kaiowá (Guarani Kaiowá), Natuyu Yuwipo Txicão (Ikpeng), Patrícia Ferreira Pará Yxapy (Guarani Mbyá), Olinda Wanderley – Yawar Tupinambá (Tupinambá/Pataxó Hã-Hã-Hãe), Sueli Maxakali (Tikmũ’ũn, Maxakali), Vanuzia Bonfim Vieira Pataxó (Pataxó) e Flor Alvadez Medrano (Maya), na análises de alguns de seus filmes e constelações de filmes de mulheres diretoras e em outras funções como roteiro, fotografia e montagem dos anos 2000 – primeira data que temos conhecimento de uma direção feminina indígena, até o presente.
Com elas, concebo que há uma articulação na perspectiva do cinema contemporâneo com ênfase ao “sentipensar” (Orlando Fals Borba, [1984] 2002; Lia Pinheiro, 2019) e no “sentir, pesar e agir” (MIGNOLO, 2018) através da epistemologia ch’ixi (Cusicanqui, 2018) em que as cineastas perturbam e reencantam o cinema através de seus processos cosmológicos com práticas artísticas e pensamentos visuais que acontecem junto com a vida: cotidianas, diversas, intuitivas, alinhadas às espiritualidades, à ancestralidade e aos corpos. O que o cinema indígena feito por mulheres devolve para nós? Esses cinemas encantados se fazem em movimentos contíguos realizados sobretudo entre as mulheres indígenas, o visível e o invisível, práxis e coração, seres humanos e não-humanos. Alinhadas às estéticas do sul global, na articulação do tempo espiralar “que retorna, restabelece e também transforma, e que em tudo incide” (MARTINS, 2021, p. 204) utilizando a ancestralidade, o corpo, o pensamento e as espiritualidades em consonância.
Bibliografia
- BARBOSA, L. P. Estética da resistência: arte sentipensante e educação na práxis política latinoamericana. Conhecer: Debate entre o Público e o Privado, v. 9, n. 23, p. 29-62, 2019.
FALS-BORBA, O. (2008). Una sociología sentipensante para América Latina (antología). Bogotá, Colombia: Siglo del Hombre.
FEDERICI, Silvia. Reencantando o mundo: feminismo e a política dos comuns. Editora Elefante, São Paulo, 2022.
LE GUIN, Ursula K. A teoria da bolsa de ficção. Ano 202, 1º edição. 48p. Editora n-1. São Paulo, 2021.
MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar, poéticas do corpo-tela. Editora Cobogó, 2021. Rio de Janeiro.
MIGNOLO, W.D. Desobediência epistêmica: a opção descolonial e o significado de identidade empolítica. Cadernos de Letras da UFF, n. 34, p. 287-324, (2007) 2008.
TERENA, Naine. Arte Artivista, In: Revista Zum #19, Dezembro de 2020.
XAKRIABÁ, Célia. Amansar o giz. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, número 14, página 110 – 117, 2020.