Ficha do Proponente
Proponente
- Julia Dias Alimonda (UFF)
Minicurrículo
- Julia Dias Alimonda é mestranda em cinema e audiovisual pela UFF e desenvolve uma pesquisa sobre como as categorias de ética e autenticidade aparecem como formulações feministas nas pornografias dissidentes. Formada em antropologia pela UFF e cinema pela UNESA.
Ficha do Trabalho
Título
- Documenting Desire: o antecampo como promessa ética na pornografia
Formato
- Presencial
Resumo
- Esta comunicação tem como objetivo analisar a série de filmes pornográficos Documenting Desire (2018), da produtora AORTA Films, investigando como o antecampo é utilizado como uma formulação ética que pretende ser um elemento distintivo das produções mainstream. Recentemente, a utilização do conceito ética tem aparecido de forma recorrente no campo das pornografias feministas como uma forma de construir filmes que passam por relações distintas de trabalho e também de consumo.
Resumo expandido
- Esta comunicação tem como objetivo refletir sobre o conceito de pornografia ética através da análise da série de filmes Documenting Desire (2018), da produtora estadunidense AORTA Films. As pornografias dissidentes têm utilizado com frequência os termos “ética” e “consentimento” para legitimar suas obras enquanto produtos que passam por uma relação distinta de produção, consumo e representação em comparação com as produções mainstream. Além de mudanças representativas, estas produções são construídas através dos valores de ética de trabalho. Grande parte destas produções são realizadas por minorias político-visuais que se alinham aos ideais feministas. Dentro deste campo, é possível perceber que a ética é um dos conceitos mais importantes para a construção de um cinema pornográfico feminista. Neste sentido, me alinho ao conjunto de estudos que conecta os campos do audiovisual, da pornografia e do feminismo através de autoras como Williams (1999) e Paasonen (2011).
As transformações presentes nas pornografias dissidentes, por tanto, podem ser atestadas visualmente, pelas representações não hegemônicas, mas também correspondem a mudanças que acontecem fora de quadro, nas relações de trabalho. Por este motivo, algumas estratégias fílmicas, como a exposição do antecampo, são um recurso narrativo utilizado para legitimar as obras como éticas. Dado os casos conhecidos na indústria pornográfica mainstream de violência sexual, revelar o processo fílmico é uma forma de fazer com que o público veja que este foi realizado respeitando os direitos humanos, sexuais e trabalhistas. Os dois episódios da série, Documenting Desire: first thing e Documenting Desire: play by play, dirigidos por Parts Authority e Mahx Capacity, respectivamente, expõem o antecampo como forma de comprovar, através das imagens, que o filme se desenvolveu a partir de relações de trabalho que respeitam a integridade das atrizes pornô. O filme inclui as conversas no set de filmagem, mudanças de posição do ato sexual, negociações de quais práticas sexuais serão filmadas e assinaturas de contratos.
O antecampo é um recurso interessante para construir formulações éticas em torno da pornografia, já que os relatos de abusos e violências sexuais nos sets de filmagem preocupam os consumidores. Revelar o processo fílmico pode ser uma ferramenta para construir um pacto ético entre os realizadores e espectadores, em que fica explicita através das imagens, como aconteceu o encontro com o Outro, reforçando o vínculo entre imagem e verdade. Para Brasil (2013), no domínio do documentário, a exposição do antecampo cria uma abertura ao dialogismo e uma reflexividade.
Ao expor o diálogo entre equipe e personagens, o antecampo reivindica o que Comolli (2008) chama de mise-em-scène compartilhada. A equipe e os atores interpretam a si mesmos, criando uma nova performance realista. A autenticidade das imagens é uma promessa dos realizadores que vincula a verdade e a visão e a utiliza como prova de que o sexo realizado no filme foi feito através do desejo e do prazer. Como aponta Baltar (2014), o real se torna uma promessa e um fetiche, e se estabelece um pacto entre aqueles que filmam e o espectador.
Documenting Desire conclama uma ética feminista, utilizando-a como um elemento distintivo dos outros produtos pornográficos. Ao considerar o sexo dos filmes mainstream artificial e anti-ético, as produções que se denominam éticas legitimam suas representações sexuais como a verdade sobre o sexo e como trabalhos moralmente justos. Além disso, na série da AORTA, os trabalhadores sexuais falam quais práticas sexuais eles gostam e são livres para expressar seu prazer dessa forma. Contudo, cabe lembrar que, como aponta Berg (2021), sentir prazer no trabalho não deve ser o parâmetro para construir uma relação de trabalho ética. Além disso, a ética não é algo que necessariamente aparece explicitamente no filme.
Bibliografia
- BALTAR, Mariana. Real sex, real lives – excesso, desejo e as promessas do real. E-compós, Brasília, v.17, n.3, set./dez. 2014.
BRASIL, André. Formas do Antecampo: notas sobre a performatividade no documentário brasileiro contemporâneo. Revista Famecos; Vol. 20, N. 3, 2013.
BERG, Heather. Porn Work: Sex, Labor, and Late Capitalism. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2021.
COMOLLI, Jean Louis. Ver e Poder. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.
PAASONEN, Susanna. Carnal Resonance: Affect and Online Pornography. 1 ed. Cambridge: MIT Press, 2011
WILLIAMS, Linda. Hard Core. Power, pleasure and the frenzy of the visible. University of California Press, 1999.