Ficha do Proponente
Proponente
- Felippe Schultz Mussel (PPGCA / UFF)
Minicurrículo
- Professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio. Mestre em Cinema e Audiovisual (UFF), com dissertação sobre a obra de Adirley Queirós. Doutorando em Estudos Contemporâneos das Artes (UFF), onde pesquisa as potências cosmopolíticas do som. Trabalha com desenho de som para para cinema. Como realizador, dirigiu o longa-documentário Em busca de um lugar comum (2012).
Ficha do Trabalho
Título
- Espectro Restauración: sonografias cosmopolíticas no Antropoceno
Seminário
- Cinema experimental: histórias, teorias e poéticas
Formato
- Presencial
Resumo
- A partir da realização do filme Espectro Restauración, a pesquisa investiga as potências estéticas e cosmopolíticas das técnicas experimentais de sonografia nas artes audiovisuais. Através da escuta, da visualização e da intervenção artística em um incêndio no Pantanal, refletimos acerca da produção de imagens não-oculares a partir da banda sonora, bem como sobre as funcionalidades estéticas e cognitivas historicamente atribuídas ao som pelo cinema e por concepções antropocentradas de mundo.
Resumo expandido
- Na estreia de trabalhos teóricos e artísticos que investigam a estética visual do Antropoceno e suas marcas na paisagem global (MATLESS, 2017), também as paisagens acústicas contemporâneas têm sido objeto de pesquisa através de práticas de escuta, documentações sonoras e experimentos audiovisuais que buscam examinar, preservar e intervir em ambientes afetados pelas atividades humanas em suas escalas geológicas, biológicas, sociais, políticas, cosmológicas, etc.
Atuando entre a experimentação artística, o ativismo eco-social e a pedagogia científica, o campo interdisciplinar do “Antropoceno Sônico” (LOURO et al 2021) aponta para o som não apenas como um potente meio para evidenciar as catástrofes socioambientais em curso, mas igualmente como um campo aberto aos agenciamentos interespécies e às formas de resistência cosmopolíticas. Diferente da imagem pictórica ou da imagem em movimento, invenções propriamente humanas, o som e as suas frequências são meios compartilhados por diferentes seres, vivos e não-vivos, algo que dá ao som certa capacidade de circular “no ponto intermediário entre a natureza e a cultura” (STERNE, 2003, p. 10). Por não operar apenas na esfera saturada do olhar e do ocularcentrismo que marcam a cultura ocidental moderna, e por suas características físicas e cognitivas como a invisibilidade, a penetrabilidade, a multidirecionalidade e a ressonância, a banda sonora se revela um pontente meio de reflexão e experimentação afim de engendrar formas de resistência ao massacre ontológico inerente ao Antropoceno.
A presente comunicação faz parte de uma pesquisa artístico-teórica acerca das potências cosmopolíticas do som no cinema e nas artes. Mais especificamente, nos interessam experiências audiovisuais que manipulam as propriedades do som e subvertem suas funcionalidades reproduzidas por concepções antropocentradas de mundo, tais como a imaterialidade, a imprecisão, a afetividade e a tendência que o som teria a subjetividade, enquanto a banda visual apontaria para uma percepção mais distanciada, racional, objetiva, fiável e, portanto, mais “verdadeira” (STERNE, 2003). Uma concepção que se reflete em grande parte da história do cinema clássico narrativo, onde em grande parte as relações entre imagem e som se balizam em um tipo de “déficit sonoro”, relegando o som a um papel essencialmente acessório, subterrâneo, ilustrativo e a serviço das representações propostas na imagem (CHION, 2004). Em contrapartida, inspirados em diferentes práticas do cinema experimental, propomos como eixo prático da pesquisa a criação de filmes onde a banda sonora produz formas visuais, onde a clássica relação audiovisual deficitária se reverte, buscando a partir do som a inscrição de outras formas de imagem não-oculares.
O filme “Espectro Restauración” (2022) se constrói a partir da escuta e da visualização do espectrograma sonoro de uma queimada no Pantanal brasileiro, bioma localizado no Mato Grosso do Sul que entre os anos de 2018 e 2021 teve mais de 40% de seu território afetado por incêndios. Através de uma narrativa construída dentro do software RX Izotope (programa largamente utilizado na indústria cinematográfica para limpeza e restauração de arquivos sonoros), a paisagem acústica do Pantanal, seus grilos, cigarras, sapos, pássaros, humanos e o próprio fogo assumem formas sonográficas. Para conter as chamas, como uma pichação de protesto na tela, o filme evoca a frase “La naturaleza tiene derecho a la restauración”, trecho da Constituição do Equador de 2008 que, de forma pioneira no mundo, elevou a Natureza (Pacha Mama) a condição de sujeito com direitos análogos aos dos humanos, um texto que, ao menos no campo legislativo, busca contemplar os saberes dos povos originários da América do Sul.
Bibliografia
- CHION, M. A audiovisão. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2008.
GUDYNAS, E. Direitos da natureza: ética biocêntrica e políticas ambientais. São. Paulo: Elefante, 2019.
LOURO, I. et all., “A Sonic Anthropocene – Sound Practices in a Changing Environment”. Cadernos de Arte e Antropologia. Vol. 10, nº 1. 2021. p. 3-17.
MATLESS, D. “The Anthroposcenic”. Transactions of the Institute of British Geographers. Vol. 42: p. 363-376. 2017.
STERNE, J. The Audible past. Durham: Duke University Press, 2003.