Ficha do Proponente
Proponente
- Stephanie Oliveira da Silva (UAM)
Minicurrículo
- Graduada em Cinema e Audiovisual pela Universidade Anhembi Morumbi. Em 2019 realizou o documentário “Ruído Branco”, que participou do 30º Festival Kinoforum, Mostra Itinerante de Cinemas Negros – Mahomed Bamba, 8º Curta Brasília, entre outros. Desde 2018 atua como educadora em espaços de cultura, atualmente fazendo parte do corpo educativo do Museu da Língua Portuguesa. Integrante do Grupo de Pesquisa Imagens em Conflito: Estética e Política no Cinema do Oriente Médio (PPGCOM-UAM).
Coautor
- Juliana Santoros Miranda (UAM)
Ficha do Trabalho
Título
- Tartarugas podem voar: a infância no cinema curdo de Bahman Ghobadi
Mesa
- Imagens em conflito: estética e política no cinema do Oriente Médio
Formato
- Remoto
Resumo
- Neste trabalho, realizamos a análise fílmica de “Tartarugas podem voar” (2004), do primeiro diretor iraniano a produzir filmes em curdo, Bahman Ghobadi. É notável o protagonismo de crianças nas produções de Ghobadi, tal como no cinema iraniano, com o qual estabelecemos um paralelo. Referenciamos conceitualmente a análise no cinema de fronteira, além do orientalismo e eurocentrismo, sendo estes presentes devido à questão ideológica que envolve os diversos pontos de vista acerca das infâncias.
Resumo expandido
- Os curdos são a maior nação sem país do mundo e compõem diferentes grupos que totalizam de 30 a 40 milhões de pessoas vivendo entre fronteiras, na ausência de um território próprio. Tal como os palestinos, sofrem ataques que visam o seu genocídio e o apagamento de sua cultura. Posto isto, entendemos que o cinema é um meio de alteridade, memória e potencial “fabulador” da história destes povos, ao lado de sua música característica, do ensino oral dos próprios idiomas, das palavras dos livros e dos demais registros e criações significativos. O cineasta Bahman Ghobadi foi o primeiro iraniano a produzir filmes em curdo – tanto no idioma quanto pela perspectiva e afirmação da identidade –, o que motivou outros artistas a assumirem a identidade curda e a organização de festivais de cinema curdo na diáspora, sobretudo na Europa.
No presente estudo abordaremos principalmente o papel da infância nas obras de Ghobadi, tendo como foco o filme “Tartarugas podem voar” (2004), a partir do qual realizaremos uma breve análise, além de estabelecer uma discussão com o cinema iraniano. Afinal, Ghobadi é um iraniano curdo que já trabalhou ao lado de cineastas como Abbas Kiarostami e Samira Makhmalbaf, o que naturalmente gera influências estéticas e narrativas como as semelhanças de estilo e algumas características específicas: as locações reais, os não atores, o pertencimento ao lugar e contexto filmados, o improviso, o limiar entre o documental e o ficcional, os deslocamentos geográficos, a poética da jornada e o uso recorrente de crianças.
Em “Tartarugas podem voar”, temos a orfandade representativa das crianças refugiadas: elas simbolizam o próprio Curdistão órfão de território, negligenciado pelas potências mundiais e regionais do Oriente Médio. Porém, ainda que abandonadas à própria sorte, inclusive tendo membros do corpo mutilados pelos espólios da guerra, essas mesmas crianças – e esse mesmo Curdistão – existem e resistem, ainda que desamparados. Laços e afetos, união entre os membros da comunidade e uma política interna calcada na “autogestão” são características do convívio entre essas crianças que operam como personagens reais da narrativa do filme e do povo curdo.
Além das metáforas, tais crianças desempenham os papéis de suas próprias vidas. Também representam as vivências do próprio diretor Bahman Ghobadi, que afirma elencar em suas obras crianças que o fazem lembrar de si mesmo. Segundo Kelen Pessuto (2017), embora esteja lado a lado com a guerra, a pobreza e a exclusão, se trata de uma infância característica de seu contexto, lugar e período histórico. Ou seja, é uma infância distinta da imaginada no Ocidente, porém, ainda é uma infância, entre tantos tipos de infâncias.
Ao lado desses não atores infantis, as terras repletas de minas, as tendas de refugiados, os tanques de guerra, os vendedores de armas e os morteiros que Ghobadi mostra em seus filmes são reais, muitas vezes naquele exato estado em que são apresentados no filme. Portanto, vemos no cinema curdo a materialização dos elementos que Andréa França (2003) atribui ao “cinema de fronteira”, como a “sua possibilidade de revelar a alteridade, permitir o acesso a mundos, mesmo longínquos, e a comunicação e a participação de experiências múltiplas” (FRANÇA, 2003, p. 111).
Este modo de se comunicar converge com as reflexões acerca do imperialismo estadunidense – em um contexto de orientalismo e eurocentrismo – e do papel da informação, além da insurreição da identidade curda. Levando em conta as reflexões citadas, pretendemos realizar a análise do filme em questão não somente no âmbito estético e cinematográfico, mas de acordo com o contexto em que está inserido, dado a sua relevância.
Bibliografia
- DIDI-HUBERMAN, G. Quando as imagens tomam posição. Belo Horizonte: UFMG, 2017.
FERRAZ, P. (Org.). A revolução ignorada: Liberação da mulher, democracia direta e pluralismo radical no Oriente Médio. São Paulo: Autonomia Literária, 2017.
FRANÇA, A. Terras e fronteiras no cinema político contemporâneo. RJ: 7 Letras, 2003.
MELEIRO, A. O novo cinema iraniano: arte e invenção social. São Paulo: Escrituras Editora, 2006.
MELLO, J. G.; MIRANDA, J. S. Nascidos da Urgência: o relato ocidental sobre os curdos e a fabulação no documentário independente. Contracampo, Niterói, v. 41, n. 1, 2022, pp. 1-17.
PESSUTO, K. Made in Kurdistan: Etnoficção, infância e resistência no cinema curdo de Bahman Ghobadi. 2017. 401 f. Tese de Doutorado – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2017.
RANCIÈRE, J. A fábula cinematográfica. Campinas: Papirus, 2013.
SAID, E. W. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.