Ficha do Proponente
Proponente
- Barbara Bergamaschi Novaes (PPGCOM – UFRJ)
Minicurrículo
- BÁRBARA BERGAMASCHI NOVAES é pesquisadora, crítica e realizadora. É graduada em Comunicação Social e mestre em Artes da Cena, ambos pela UFRJ. Em 2012, estudou Cinema na Universidade de Paris 8, na França. Em 2019-20, foi professora assistente do departamento de Artes da Cena da UFSJ. Atualmente conclui tese de doutorado sobre Cinema de Bill Morrison e Peter Tscherkassky no PPGLCC da PUC Rio e no PPGCOM da UFRJ, com período sanduiche na Escola das Artes na Universidade Católica do Porto.
Ficha do Trabalho
Título
- A Trilogia Férrea – A locomotiva no Cinema de Peter Tscherkassky
Formato
- Remoto
Resumo
- Analisaremos três filmes miniaturas de Peter Tscherkassky, laureado cineasta experimental, que funcionam como espécie de opúsculo, pequenas obras do diretor, mas que nem por isso deixam de ser densas e complexas. As três fazem parte do que nomeamos como “trilogia férrea”, sendo eles: Motion Picture (1984), L’Arriveé (1998) e, seu mais recente filme, Train Again (2021). Veremos como se relacionam com o Primeiro Cinema, o Cinema Métrico vienense e o Cinema Estrutural norte americano.
Resumo expandido
- O modus operandi do found footage será o que distingue a terceira geração de cinema de vanguarda vienense de Peter Tscherkassky e também o que marca a segunda fase de sua filmografia, sendo um ponto de inflexão na sua carreira. Essa fase será nomeada pelo diretor também como “Dark Room”, pois marca uma volta do cineasta à sala escura do laboratório analógico. Uma das características marcantes dessa fase é o retorno a filmes canônicos e fundadores dos “primórdios” do meio, como o cinema de atrações (de 1895 a 1908), e ao cinema de neo vanguarda dos anos 1960, aliado a uma fina ironia mordaz que brinca com os códigos clássicos da diegése cinematográfica, como o raccord, a continuidade, o esquema do plano-contra plano, etc. Uma curiosa personagem que aparece com destaque nesses filmes-miniatura é a locomotiva a vapor. Assim, analisamos três desses filmes sendo eles: Motion Picture (1984), L’Arrivée (1998) e, seu mais recente filme, Train Again (2021).
O primeiro filme a ser feito com esse material de arquivo no estilo found footage foi Motion Picture (1984) – feito a partir de um único frame still do “primeiro filme da história”, La Sortie des Ouvriers de l’usine Lumière à Lyon (1895) dos irmãos Lumière. O segundo filme, é também uma homenagem aos criadores do cinematógrafo e é feito a partir de um fragmento do filme Mayerling (1968), um melodrama de Terence Young. Contrariando a ilusão da mimesis e da narrativa linear teleológica do cinema institucional clássico, L’Arrivée faz uma alusão irônica ao filme A Chegada de um trem a estação de la Ciotat (1895). Já Train Again é feito a partir de um colagem caleidoscópica de imagens de arquivos de filmes nos quais o trem aparece de forma privilegiada. Assim Tscherkassky busca fazer uma analogia entre a locomotiva e as propriedades do filme analógico, ao mesmo tempo que produz um catálogo de homenagens aos artistas que tem como referência na sua formação como: Kurt Kren, Peter Kubelka, Stan Brakhage, Robert Breer, Ernie Gehr, Ken Jacobs, James Benning e Bruce Baillie.
A opção para escolher o trem como personagem de Tscherkassky não é mero capricho ou idiossincrasia do diretor. A locomotiva se configurou como a máquina-ícone da modernidade, se tornou uma figura simbólica dos avanços e progressos da ciência e de uma revolução epistemológica no sujeito moderno; Ela estará presente em grande parte da iconografia da história do cinema, em especial no Primeiro Cinema, nos filmes de Griffith, nos primeiros Westerns e nos stunt de comédia de Buster Keaton. O filme de Tscherkassky portanto diz respeito uma contra-história do cinema institucional hollywodiano, se afiliando ao Primeiro Cinema e também ao cinema serial, métrico e estrutural de vanguarda dos anos 1960.
O filme de Tscherkassky retorna às imagens do passado do cinema como formas alegóricas para elaborar o presente, trabalho não mas com uma ontologia clássica mas uma hantologia cinematográfica. Seja como “já não é” – o cinema não será nunca o mesmo cinema do início do século e as tentativas de revivê-lo não passam ou de farsa, deboche, crítica ou ironia; Seja como “já é” – a eventual morte do cinema anológico não cansa de orientar os cineastas em suas produções no presente – com medo de sua possível dissolução no mundo de pixels, da realidade virtual e efeitos especiais de realidade aumentada. Os filmes de Tscherkassky respondem portanto a dois lutos mal elaborados ou fantasmas que assombram o cinema e, assim, introduz a assombração na própria construção e estrutura da linguagem cinematográfica. Podemos também dizer que este filme é tanto uma ode ao gesto intempestivo, uma homenagem a esse cinema do passado que busca resgatar e reanimar a “alma”a partir de uma “poética da obsolescência”. Ao mesmo tempo que funda um monumento em sua memória, esse monumento já é inaugurado em ruínas, um monumento ao iconoclasmo semelhante àquilo que Walter Benjamin definiu como o “caráter destrutivo”.
Bibliografia
- BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. Volume 1.Editora Brasiliense, 2014.
COSTA, Flávia Cesarino. O primeiro cinema – Espetáculo, narração, domesticação. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005.
CHARNEY, L.; SCHWARTZ, V.; O Cinema e a Invenção da Vida Moderna. Cosac Naif, 2a Ed. São Paulo, 2004.
ELSAESSER, Thomas. O Cinema como Arqueologia das Mídias. Editora SESC- São Paulo. 2018.
YOUNGBLOOD Gene; Expanded Cinema. A Dutton Paperback. P. Dutton & Co., Inc., New York, 1970.
XAVIER, Ismail (ORG) A Experiência do cinema : Antologia. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafilme, 1983.