Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    João Paulo de Carvalho dos Reis e Cunha (Uniso)

Minicurrículo

    Graduado em Cinema pela Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), São Paulo/SP, e em Publicidade e Propaganda pela Universidade de Sorocaba (Uniso) /SP. Pós-graduado em Design Gráfico pelo Senac Campinas/SP. Mestre e Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (Uniso), onde também é Integrante do Grupo de Pesquisa em Imagens Midiáticas.

Ficha do Trabalho

Título

    Linguagem cinematográfica e (des)territorialização no filme “Atlantis”

Formato

    Remoto

Resumo

    O objetivo é analisar sequências do filme ucraniano Atlantis (2019) dos pontos de vista histórico e formal. Sua estética, caracterizada por planos abertos e longos, câmera estática e ações na profundidade de campo aproximam-no do Primeiro Cinema e do cinema moderno do pós-guerra. Discutiremos, enfim, como essa estética imprime no quadro fílmico linhas de fuga e (des)territorialização, refletindo, no campo simbólico, a busca dos personagens por reconstrução pessoal e do país assolado pela guerra.

Resumo expandido

    As tensões entre Ucrânia e Rússia, que se concretizaram na recente ação bélica, já eram antevistas, em 2019, no filme ucraniano “Atlantis”: situado em 2025, retrata a desolação do leste desse país após o fim do conflito, assim como a tragédia humana instaurada. Nesse contexto, um ex-combatente, sofrendo de estresse pós-traumático por conta das atrocidades que testemunhou (e que também cometeu), tenta reencontrar um sentido para sua vida, primeiramente como motorista de caminhão, em seguida engajando-se em recuperar os cadáveres dos soldados mortos e dar-lhes um destino digno.
    Nesta comunicação, apresentaremos as características deste filme, entre as quais se destacam sua estrutura composta por 28 planos-sequência, sendo a maioria deles realizada com a câmera estática, com posição, foco e enquadramento fixos, e a distância de um plano que permite enquadrar todo o cenário onde se passa a ação dos personagens. Soma-se a isso uma elaborada composição de quadro, que em diversos momentos evidencia uma relação estabelecida entre figuras humanas, elementos mecânicos variados (caminhões, tratores, guindastes, instalações fabris) e o ambiente, através da sobreposição de planos sucessivos na profundidade de campo. Os enquadramentos são, em geral, frontais, com o eixo da câmera perpendicular aos planos de profundidade, e apresentam também uma perspectiva com ponto de fuga no centro da imagem, em que os elementos entram e saem horizontalmente de quadro ou se movimentam na profundidade, provocando equilíbrio ou tensão entre as formas, através de contrastes de luz e tamanho das figuras na tela.
    Em seguida, com base em três cenas selecionadas de “Atlantis”, discutiremos os aspectos formais da obra do ponto de vista histórico, de como sua estética dialoga com a do Primeiro Cinema, entre os anos 1895-1915, e com os avanços trazidos décadas depois pelos movimentos do cinema moderno surgido no pós-Segunda Guerra.
    No período do Primeiro Cinema, uma das formas predominantes da imagem cinematográfica é a que se denomina “mostração”, em que “havia uma forte tendência à frontalidade da câmera em relação à cena” (COSTA, 2005, p. 55), com enquadramentos abertos, a fim de captar a totalidade da ação e cujo tempo é sempre o presente, pois os filmes feitos com apenas um plano, típicos do período, costumavam ter autonomia narrativa, sem elipses na continuidade da sua duração.
    Ainda que em “Atlantis” haja uma sequência linear que perpasse e unifique todos os planos do filme em uma única narrativa, cada um deles, devido à sua duração e por apresentarem ações completas, acabam funcionando como uma sucessão de episódios com autonomia dramática em si. Essas características tornam evidentes as relações estéticas entre este filme e o Primeiro Cinema.
    Porém, os planos de “Atlantis” exploram também a profundidade de campo, refletindo avanços na linguagem cinematográfica introduzidas pelos diversos movimentos surgidos no pós-Segunda Guerra. Dessa forma, segundo Bazin (2018), a ação em profundidade opera uma supressão parcial da montagem, ao mesmo tempo em que volta a valorizar os planos longos, a duração concreta e a continuidade temporal e espacial, em oposição ao tempo intelectual e abstrato da decupagem clássica.
    Por fim, no campo simbólico, discutiremos como a opção por essa estética, com ponto de fuga central de convergência das linhas, somado às outras características do filme, objetiva imprimir no quadro fílmico linhas de fuga e (des)territorialização, segundo conceitos de Deleuze e Guattari (1995; 1997). Dessa forma, os componentes da imagem exprimem a busca dos personagens por reconstrução, tanto pessoal como do país, em um movimento contrário à expansão e fragmentação dessas linhas, com o objetivo de afirmarem a vida, tornarem-se unos e se reencontrarem como indivíduos em uma região assolada pela morte, destruição e desumanização.

Bibliografia

    ATLANTIS. Direção: Valentyn Vasyanovych. Produção: Valentyn Vasyanovych; Iya Myslytska e Vladimir Yatsenko. Intérpretes: Andriy Rymaruk; Vasyl Antoniak; Liudmyla Bileka et al. Roteiro: Valentyn Vasyanovych. Ucrânia: Garmata Film Production e Limelite, 2019.
    BAZIN, André. O que é o cinema? São Paulo: Ubu Editora, 2018. E-book.
    BURCH, Noël. Práxis do cinema. Lisboa: Editorial Estampa, 1973.
    COSTA, Flávia Cesarino. O primeiro cinema: espetáculo, narração, domesticação. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005.
    DELEUZE, Gilles. Cinema 2 – A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1990.
    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1995. Volume 1.
    DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1997. Volume 5.
    MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas & pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997. E-book.
    MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Lisboa: Dinalivro, 2005.