Ficha do Proponente
Proponente
- Reno Beserra Almeida (UFPE)
Minicurrículo
- Pesquisador de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, na linha de pesquisa Estética e Cultura Midiática, onde desenvolve trabalho sobre a relação entre arte contemporânea, mídia e política a partir dos conceitos de gesto e performance. É mestre em Artes pela Universidade Federal do Ceará e graduado em Sistemas e Mídias Digitais pela mesma instituição.
Ficha do Trabalho
Título
- Cada passo é um gesto: Considerações sobre dois filmes de Tsai Ming-Li
Mesa
- Corpo, gesto e política no audiovisual contemporâneo
Formato
- Presencial
Resumo
- Neste trabalho partimos de dois filmes do diretor taiwanês Tsai Ming-Liang, Walker (2012) e Journey to the West (2014), para discutirmos o gesto que se desdobra no caminhar do personagem em comum deste dois filmes, um monge que anda lentamente, vestido apenas com um robe vermelho. Argumentamos que tal gesto se situa entre a performance e a política, ensejando, mesmo que de maneira efêmera, novas possibilidades de vida e de representação da experiência sensível, as quais nos interessa discutir.
Resumo expandido
- Em um primeiro momento, nas ruas de Hong Kong – onde cada habitante ocupa o espaço da cidade apenas como um lugar de passagem, percorrendo-o do modo mais rápido possível –, uma figura de vermelho, pés descalços e rosto fixamente voltado para o chão atravessa o espaço da cidade, alternando entre o dia e noite a, como um rasgo tão intenso quanto vagaroso. Um monge budista, sem nome e sem fala, pratica sua caminhada meditativa (kinhin) abrindo uma fissura no tempo acelerado da metrópole asiática, dando poucos passos em um espaço de muitos minutos. Sua presença naquele espaço urbano choca não apenas por existir em uma direção totalmente oposta ao consenso coreográfico de ocupação das grandes cidades mundiais, interrompendo seu fluxo incessante de passagem temporal, mas também por abrir um outro espaço sensível, uma nova configuração da experiência cotidiana que enseja “novos modos do sentir” e induz “novas formas da subjetividade política” (RANCIÈRE, 2005, p. 11). Observá-lo (como o fazem dezenas de pessoas, com câmeras apontadas àquele ser que parece de outro século ou mesmo de outro planeta) é observar a passagem do tempo e o simples movimento de um corpo.
Em um segundo momento – não sabemos se meses ou anos depois –, o mesmo monge vai em direção ao oeste, chegando a Marselha. Sua meditação caminhante ganha um improvável companheiro: um francês no limite da desilusão e da vida, que talvez veja naquele sujeito exótico tudo o que o mundo do consenso político contemporâneo, de uso eficiente do tempo e dos gestos, queira suprimir.
Dois momentos que são dois filmes do diretor malaio-taiwanês Tsai Ming-Liang, separados pelo tempo e espaço como irmãos nascidos em locais e anos diferentes. O primeiro deles, Walker, de 2012, encomendado por uma emissora de Hong Kong, dilui as fronteiras entre cinema e arte contemporânea, existindo como algo entre um filme e uma performance filmadade Lee Kang-sheng, ator presente em todos os filmes de Ming-Liang. Journey to the West, de 2014, assume traços mais narrativos, inclusive com a presença do ator francês Denis Lavant.
Tendo em mente estes pontos, propomos, neste trabalho, uma abordagem dos dois filmes para além de considerações formais ou temáticas. De início, encaramos a caminhada do monge – ou melhor, cada passo – a partir do referencial conceitual de gesto, proposto por Giorgio Agamben (2015) como “um cruzamento entre a vida e a arte, o ato e a potência, o geral e o particular, o texto e a execução”, ao mesmo tempo “um pedaço de vida subtraído do contexto da biografia individual e um pedaço de arte subtraído da neutralidade da estética: pura práxis”. Um gesto é ao mesmo tempo uma suspensão de um movimento e uma tensão repetitiva, que rompe a relação entre meios e fins, sendo “a exibição de uma pura medialidade, o tornar visível um meio enquanto tal, em sua emancipação de toda finalidade” (AGAMBEN, 2018, p. 3). É o espaço próprio da política, segundo o filósofo italiano, ao romper com os ímpetos contemporâneos e ubíquos da produtividade e da eficiência.
Trazemos, em conjunto com esta base filosófica, o referencial teórico dos estudos da Performance, que pensa o corpo como um elemento que não apenas “nos remete simbolicamente a um sentido, mas principalmente local de inscrição de conhecimento, conhecimento este que se grafa no gesto, no movimento, na coreografia” (MARTINS, 2003). A performance – do monge no primeiro filme, e também de seu companheiro francês, no segundo – é um momento de uma exposição, na qual um corpo “se expõe e ao se expor cria a situação na qual se expõe, não sem, no mesmo gesto, criar-se a si mesmo” (BRASIL, 2011, p. 5).
Assim, desejamos pensar quais desdobramentos políticos e sensíveis os dois filmes ensejam, tendo em mente que política e estética são, como fala Rancière (2005), âmbitos que se atravessam e existem na base um do outro. Quais outros modos e ritmos de vida o lento caminhar do monge nos permite vislumbrar? Desejamos aqui esboçar algumas respostas possíveis.
Bibliografia
- AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: notas sobre a política. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015b.
______. Por uma ontologia e uma política do gesto. In: Cadernos de leitura, n. 76. Belo Horizonte: Edições Chão da Feira, 2018. Disponível em:
BRASIL, André. A performance: entre o vivido e o imaginado. In: Anais do XX Encontro da Compós. Porto Alegre: UFRGS, 2011.
MARTINS, Leda Maria. Performances da oralitura: corpo, lugar da memória. In: Letras, Santa Maria, n.26, pp. 63-81, 2003.
RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo: Editora 34, 2005.