Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    Alex Ferreira Damasceno (UFPA)

Minicurrículo

    Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Pará (PPGARTES/UFPA). Professor do Curso de Graduação em Cinema e Audiovisual na mesma instituição. Doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGCOM/UFRGS). Atualmente coordena o Lab Neo Cine: Laboratório de Análise Neoformalista do Cinema e do Audiovisual.

Ficha do Trabalho

Título

    Host, Husserl e Horror: A Montagem de Emparelhamento

Seminário

    Montagem Audiovisual: Reflexões e Experiências

Formato

    Presencial

Resumo

    O trabalho reflete sobre a montagem do filme Host (2020) a partir do conceito de emparelhamento, de Husserl. Parte-se da ideia de que cada plano do filme delimita um sujeito-na-imagem, na corporificação dos personagens em uma videoconferência. O emparelhamento age como o componente de associação dos diferentes planos/corpos. Esse tipo de montagem é o fundamento do gênero de horror no filme, à medida que o medo é produzido das relações intercorpóreas entre personagens (e também com o espectador).

Resumo expandido

    O presente trabalho reflete sobre a montagem do filme Host (2020, dir. Rob Savage), um horror de quarentena ambientado na plataforma de videoconferência Zoom. Na trama, seis amigos, durante a pandemia de Covid-19, se reúnem no aplicativo para uma sessão espírita, o que resulta na invocação de uma entidade sobrenatural. No que concerne à montagem, o filme não apresenta cortes no quadro geral, que se mantém na janela da interface gráfica, e pode ser pensado como composto por um plano autônomo, seguindo a prescrição do Manifesto Screenmovie, de Bekmambetov (2015). Mas a montagem do filme também pode ser definida como uma “mixagem de vídeo” (DUBOIS, 2004), que organiza diferentes sinais de webcam nos limites geométricos de janelas, ou como uma “montagem espacial” (MANOVICH, 2001) que segue a lógica das interfaces, no caso, o típico design das plataformas de videoconferência. Contudo, considero que os pensamentos de Bekmambetov, Dubois e Manovich são insuficientes para definir com precisão a montagem do filme. Esses conceitos permitem entender a organização temporal e espacial dos planos, mas não refletem sobre como eles interagem entre si. Nos termos de Eisenstein (2002), parto, então, dos seguintes problemas: como as imagens do filme colidem? O que se passa entre elas?
    Minha proposta é pensar a relação entre os planos de Host (e de outros filmes semelhantes) a partir do conceito de emparelhamento, de Husserl (2012). Emparelhamento faz parte da teoria da intersubjetividade do autor, presente na sua quinta meditação cartesiana. Para Husserl, a consciência, ao dirigir-se a outro corpo, por meio da sua intencionalidade, opera uma apercepção analogizante, que confere vida interior ao outro e estabelece com ele uma unidade, processo ao qual o autor dá o nome de emparelhamento. Assim, o conceito estabelece uma associação entre dois ou mais corpos/consciências, na formação de uma parelha que caracteriza a experiência intersubjetiva – e também intercorpórea, como é desenvolvido na Fenomenologia de Merleau-Ponty (2003). Na forma da videoconferência que o filme reproduz, defendo que cada plano delimita um sujeito-na-imagem, corporificando um personagem. Assim, a montagem, mais do que simplesmente dividir o quadro em janelas, tem a função de construir o mundo intersubjetivo vivido pelos personagens no tempo presente da narrativa, de modo que eles possam dirigir suas consciências uns para os outros.
    Entendo que é em decorrência deste tipo de montagem, que possibilita a conexão intersubjetiva dos personagens, que boa parte dos filmes ambientados em telas de computador opta por ter uma plataforma de videoconferência como ambiente principal da narrativa. Também defendo que não é por acaso que a maioria desses filmes pertença ao gênero do horror. Eles se baseiam na intercorporeidade construída pela montagem para desenvolver tramas em que corpos são colocados em perigo: uma vez emparelhados, os personagens testemunham a violação dos corpos dos outros e temem pela segurança dos seus próprios corpos. Além disso, o espectador não ocupa a posição de mero observador, mas também é convocado, através do hábito com as plataformas, a um emparelhamento, sendo conectado corporalmente aos personagens, o que intensifica o efeito de realidade e, consequentemente, a produção do medo.
    Por fim, é importante notar que a montagem de emparelhamento também se articula, no filme Host, a alguns códigos da decupagem clássica (XAVIER, 1984). Na verdade, foi o próprio Zoom que se apropriou dos códigos do cinema, ao criar a opção de interface intitulada “Speaker view”. Nela, apenas uma imagem ocupa o quadro a cada vez e a transição de planos ocorre de acordo com a variação dos atos de fala, numa valorização da ação. O filme, ao seu modo, utiliza essa opção para criar sequências de planos sempre em função da visualização da ação dramática e das reações dos personagens, mesmo que isso muitas vezes signifique um uso incoerente com o funcionamento do aplicativo representado.

Bibliografia

    BEKMAMBETOV, Timur. Rules of the Screenmovie: The Unfriended Manifesto for the Digital Age. Los Angeles, 2015. Disponível em: https://www.moviemaker.com/archives/moviemaking/directing/unfriended-rules-of-the-screenmovie-a-manifesto-for-the-digital-age/ Acesso em: 20 abr. 2022.

    DUBOIS, Philippe. Cinema, video, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

    EISENSTEIN, Sergei. A Forma do Filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

    HOST. Direção: Rob Savage. Produção: Douglas Cox. Londres: Shadowhouse Films, 2020. Streaming/Netflix (55 mim), widescreen, color.

    HUSSERL, Edmund. Meditações Cartesianas e Conferências de Paris. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.

    MANOVICH, Lev. The language of new media. Londres: The MIT Press, 2001.

    MERLEAU-PONTY, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2003.

    XAVIER, Ismail. O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1984.