Trabalhos Aprovados 2022

Ficha do Proponente

Proponente

    GEÓRGIA CYNARA COELHO DE SOUZA (UEG/UFG/USP)

Minicurrículo

    Geórgia Cynara é doutora e pós-doutoranda em Meios e Processos Audiovisuais pela ECA/USP. Mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em Cinema e Educação pelo Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás e graduada em Comunicação Social/Jornalismo pela UFG. É jornalista, musicista, compositora e docente titular do curso de Bacharelado em Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e do Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais da UFG.

Ficha do Trabalho

Título

    Vozes africanas de arquivo: Minha avó era palhaço e Medida provisória

Seminário

    Estilo e som no audiovisual

Formato

    Presencial

Resumo

    Implicações estético-narrativas do uso dos mesmos samples de “vozes africanas” de bibliotecas musicais digitais no documentário Minha avó era palhaço (Mariana Gabriel, São Paulo, 2016, média) e na ficção Medida provisória (Lázaro Ramos, Rio de Janeiro, 2022, longa-metragem). Estudo amparado em análise fílmica, pesquisas bibliográficas sobre som e música no audiovisual, e entrevistas com compositores usam stock music em seu cotidiano (Abdalla, 2021; Pierrobom, 2021; Ludwig, 2018; Domene, 2018).

Resumo expandido

    Música de catálogo (Durand, 2018), stock music, production music (Adam et al, 2017) ou “trilha branca”, são o conjunto de músicas organizadas por categorias – instrumentação, gênero, emoção, local, época e/ou outras – em bibliotecas digitais disponíveis para licenciamento em plataformas online. Além da qualidade técnica e da média ou longa duração em relação à peça audiovisual de destino, elas são marcadas pela rejeição de melodias marcantes, a constância do andamento e da tonalidade, a divisão em stems – famílias de instrumentos mixados de forma independente – e por inícios e finais bem demarcados, sem fades, para facilitar a edição com a imagem (Domene; Ludwig, 2018).
    Velocidade, conveniência, liberação instantânea e preço são as principais vantagens dessas coleções, em detrimento de uma trilha musical original ou de uma canção preexistente consagrada na mídia. Segundo o produtor musical estadunidense Ron Goldberg (Adams et al, 2017), elas não necessariamente são acompanhadas de um alto potencial narrativo, mas de lucros com direitos de sincronização.
    O compositor de “trilhas brancas” não sabe o destino de sua música e busca oferecê-la em ambientes nos quais ela possa ser vendida por valores mais competitivos e, ao mesmo tempo, estar “mais visível” (melhor indexada/”tagueada”) em catálogos digitais. As descrições das faixas carregam, segundo Durand (2018), a ideia de associações instantâneas entre música e narrativa, o que facilita a busca nesses vastos catálogos – muitas vezes feita por pessoas sem grande ou nenhum conhecimento musical formal -, mas vincula sua música aos clichês – o “automatismo associativo” condenado por Adorno e Eisler (1947) por sua “banalidade” e falta de “originalidade”, que levariam a “respostas automáticas” dos espectadores. A autora questiona tal posição, para ela relacionada a uma tradicional abordagem utilitarista da música de cinema, tratando a diversidade de possibilidades tanto de utilização de um mesmo fonograma quanto do uso de várias faixas para uma mesma sequência audiovisual como um fenômeno próprio da música de catálogo – o que revela uma densa trama colaborativa de “sujeitos-agentes-ouvintes-criadores” de significados.
    Uma dessas coleções, a Jam Pack World Music, é licenciada pela Apple e contém mais de três mil loops de mais de 40 instrumentos virtuais de todo o mundo, em mais de 12 gigabytes de arquivos de alta qualidade. Alguns dos 14 arquivos de variação das African Mist Voices integrantes da coleção foram utilizados em dois filmes brasileiros recentes: o documentário em média-metragem “Minha avó era palhaço” (Mariana Gabriel, São Paulo, 2016) e o longa de ficção “Medida provisória” (Lázaro Ramos, Rio de Janeiro, 2022).
    Tal identificação somente foi possível pelo fato de que a autora deste estudo, também compositora, possui a coleção e utilizou, ela própria, as African Mist Voices na composição da música do referido documentário, deparando-se, cinco anos depois, com as mesmas sonoridades no filme de Lázaro Ramos. Em “Minha avó era palhaço”, as vozes ilustram discretamente uma passagem da entrevista de uma historiadora que conta como os povos africanos vieram para o Brasil. Em “Medida provisória”, as mesmas vozes aparecem reverberadas e em primeiro plano sonoro quando o casal protagonista Capitú (Taís Araújo) e Antonio (Alfred Enoch), separados na tentativa de resistir à ordem federal de que todas as pessoas pretas deveriam deixar o Brasil com destino à África, se reencontram, supostamente cedendo à medida governamental, no clímax do filme.
    Investigam-se, portanto, as Implicações estético-narrativas do uso dos mesmos samples de vozes africanas de bibliotecas musicais digitais em ambas as obras, buscando seus efeitos na relação som-imagem. O estudo é amparado em análise fílmica, pesquisas bibliográficas sobre som e música no audiovisual, e entrevistas com compositores usam música de catálogo em seu cotidiano (Abdalla, 2021; Pierrobom, 2021; Ludwig, 2018; Domene, 2018)

Bibliografia

    ABDALLA, S. Sérgio Abdalla: depoimento [out. 2021]. São Paulo, 2021.
    ADAMS, R.; HNATIUK, D.; WEISS, D. Music Supervision: The Complete Guide To Selecting Music for Movies + TV + Games + New Media. New York: Schirmer Trade Books, 2017.
    ADORNO, Theodor; EISLER, Hanns. Composing for the Films. New York: Oxford University Press, 1947.
    DOMENE, M. Maurício Domene: depoimento [nov. 2018]. São Paulo, 2018.
    DURAND, J. Library music(king): A library music como processo social e acção colectiva. Revista Portuguesa de Musicologia, v. 5, n. 1, 2018, págs. 117-132. Disponível em: . Acesso em: 21 mar 2022.
    KASSABIAN, A. Hearing Film – Tracking Identifications in Contemporary Hollywood Film Music. New York/London: Routtledge, 2001.
    LUDWIG, J. Julian Ludwig: depoimento [out. 2018]. São Paulo, 2018.
    PIERROBOM, E. Eduardo Pierrobom: depoimento [abr. 2021]. São Paulo, 2021.
    SMALL, C. Musicking. Middletown: Wesleyan University Press, 1998.